sábado, 10 de dezembro de 2022

O Grande embuste Colombo genovês: Gravação da sessão de lançamento do livro

 


Abaixo se indica o link da gravação vídeo da apresentação do livro «Colombo genovês - O tio errado - Desconstrução e cronologias do grande embuste» que teve lugar na Academia de Marinha, no dia 6 de Outubro 


https://www.youtube.com/watch?v=_gq0bUSbazE

segunda-feira, 24 de outubro de 2022

Porque ainda persiste o maior erro da História

 O maior erro da História, a confusão entre o Almirante Christoval Colon e um tecelão genovês de nome Cristoforo Colombo, foi, primeiro, objecto de uma multiplicação em cadeia, depois vítima da repetição do dizer por ouvir dizer e seguidamente alvo da contrafacção de documentos.

No dealbar do século XIX um congresso de americanistas decidiu, por consenso, que a versão oficial da História seria a de que o Descobridor da América fora esse tecelão genovês, transmutado no Almirante. Fê-lo sem grandes certezas, mais por falta de alternativas concorrentes.

Depois disso, começaram a surgir várias teorias contestando essa versão, embora limitadas por insuficiência de provas ou deficientes argumentos, tornando-as incapazes de destronar a versão oficial.

Em Portugal há ainda alguns historiadores profissionais que se agarram à versão oficial porque não se dedicaram a estudar as bases em que foi edificada. Num volumoso livro publicado há cerca de um ano, um reputado historiador aprofundou um pouco a pesquisa dessas bases e elencou mais de uma centena de alegações que provariam a versão do tecelão genovês.

Pois nesse livro, sobre os dois grandes pilares da tese do tecelão, diz-se o seguinte:

Sobre o sempre invocado "Testamento ou morgadio de 1498":

" (...) É, de facto, de todos os documentos conhecidos que o Almirante redigiu, o único em que se refere, de    forma clara e explícita, às suas origens genovesas (...)

Compreende-se que cubistas, catalanistas et hoc genus omne se encarnicem, quase ao rubro, contra este documento, que, de facto, há que reconhecê-lo, é um dos mais problemáticos dos documentos colombinos, já que dele não nos chegaram senão cópias, feitas para mais sobre o que parece ser uma minuta ou versão prévia não corrigida, cujos passos anacrónicos não sabemos se continuavam ou não a constar do documento definitivo e oficial, de há muito desaparecido.” 

Portanto, a "prova" máxima da genovesidade, aquele papel que sempre foi defendido como verdadeiro e fiável, já está relegado para a classificação que sempre lhe atribuímos: cópia de um rascunho. Ainda falta aos genovistas dar o passo seguinte: aceitar que é não apenas isso, mas também uma contrafacção, como já demonstrámos.

Sobre o outro documento que surgiu já em 1904 para tentar confirmar o tecelão, o chamado "Documento Assereto":

“É verdade que o documento, embora em papel, tinta e letra típicos da época, levanta algumas pequenas dificuldades (…): não é todo da mesma mão, certamente porque houve um amanuense encarregado de tomar o depoimento de cada testemunha e não o prestaram todos ao mesmo tempo, mas uma a 23 e as outras a 25 de Agosto; o nome de baptismo de Colombo aparece grafado tanto Christoforus, como Cristoforus e mesmo Cristofforus, consoante os escribas; a identificação das testemunhas é sumária, nem sempre se indicando a sua filiação, e os depoimentos não vão assinados. No entanto não há qualquer indício de que o documento tenha sido falsificado.”

Portanto, a "prova" que confirmaria a primeira também levanta algumas dificuldades, pequenas, diz o autor, pois não se referiu a todas. 

Já dissecámos este outro documento, demonstrando que as dificuldades não são pequenas, mas enormes.

Quanto a não haver indício de que tenha sido falsificado, não se conhece nenhuma perícia que o tenha demonstrado. Aliás, estranho é que esta "prova" não esteja, convenientemente protegida como é óbvio, exposta ao público e constando no roteiro turístico para os visitantes de Génova. Se é assim tão importante serviria para eliminar todas as dúvidas. 

E porque razão ainda persiste o maior erro, na verdade um grande embuste?

A resposta estará neste depoimento:

https://www.youtube.com/watch?v=rlsVFEycTm0

Carlos Calado


sábado, 12 de março de 2022

Colombo genovês, o tio errado #73 ('Provas' 118, 119 - FIM)

'Provas' {118 e 119} - pág. 892:

O seu (de Girolamo Benzoni) parti pris anti-espanhol ressumbra já, embora discretamente, da história do ovo de Colombo. É igualmente conspícuo na forma como relata o descobrimento do Novo Mundo: para ele Colombo teria começado por propor o seu plano à Senhoria de Génova, de que era natural, que, no entanto, o teve "por sonho e efabulação" {118} ...

 E daí conclui: E esta se crê ter sido a ocasião que tenha movido Colombo a ir buscar as Índias; empero que nós podemos crer que Gómara se tenha metido a confundir com muitas invenções a verdade, e tivesse ânimo de diminuir a fama de Cristóvão Colombo, não podendo suportar que um italiano haja conquistado tanta honra e glória, não somente entre a nação espanhola, mas entre todas as do mundo.{119}

 

ACC:

Estas alegações baseiam-se em escritos e afirmações de Benzoni (1519-1570) bastante posteriores aos acontecimentos e da autoria de quem não faria a mínima ideia de quem era o Almirante.

 

FIM DAS 'PROVAS' DO TIO GENOVÊS DO PROF. THOMAZ

sexta-feira, 11 de março de 2022

Colombo genovês, o tio errado #72 ('Provas' 116, 117)

'Prova' {116} - pág. 785:

Entretanto, mandadas por carta ou apresentadas de viva voz à corte pelos que regressavam, choviam em Espanha queixas contra os Colombos. Assacavam-lhes mau governo, crueldade, e inexperiência, como stranieri e oltramontani,  "estrangeiros e ultramontanos"que jamais haviam aprendido o modo de governar gente de qualidade. Recorde-se que ultramontano, em sentido próprio, significa "oriundo do outro lado dos Alpes".


ACC:

Não tendo conseguido encontrar nenhuma frase completa e sem erros que tivesse sido escrita pelo Almirante em italiano, o Prof. Thomaz consegue a proeza de pôr na voz ou na pena dos colonos espanhóis na Hispaniola as queixas, veja-se, em idioma italiano. Tudo isso para nos dizer que “oltramontani” significa “oriundo do outro lado dos Alpes”.

Esqueceu-se o inefável Prof. Thomaz que em italiano, escolhido propositadamente para iludir o leitor, do outro lado dos Alpes, para os italianos, fica o resto da Europa.

 

'Prova' {117} - pág. 849: 

... Para mais os descontentes com a governação de Ovando poderiam juntar-se-lhe e intentarem um golpe. Os inimigos de Colombo insinuavam que ele queria alçar-se contra os Reis e entregar as Índias aos genoveses o otra nación fuera de Castilla.


ACC:

O Prof. Thomaz escreve na mesma página:

“Há que notar que o próprio Almirante dera de certo modo azo a tais rumores, pois sempre se associara a mercadores italianos, como Gianotto Berardi, Francesco dei Bardi, Amerigo Vespucci, Girolamo Rufaldi, Simone Verde, Francesco Doria, Francesco Sopranis di Riberoll, Gaspar Spinola e Rafaele Catagno”.

Naturalmente que o Almirante estabelecera ligações com genoveses pois estes, tal como os oriundos de outras grandes potencias comerciais italianas - florentinos e venezianos – tinham uma forte presença comercial e financeira em Castela. Recorrer a financiamentos ou negócios com quem dominava o mercado não significa absolutamente que o Almirante fosse genovês.

Note-se, aliás, que a frase utilizada pelos descontentes expressa isso mesmo, pois acusavam Colon de querer entregar as Índias aos genoveses, implantados em Castela, ou a outra nação fora de Castela.

quinta-feira, 10 de março de 2022

Colombo genovês, o tio errado #71 ('Prova' 115)

 'Prova' {115} - pág. 756:

 A ligação do descobridor a Génova é, alem disso, ainda que indirectamente, confirmada pelos codicilos deste seu derradeiro testamento, em que institui seis legados, dos quais cinco a favor de genoveses {115}


ACC:

O que aqui se invoca é um apenso ao Codicilo e Testamento de 1506, geralmente conhecido como Memorial das Dívidas ou Memorial dos Pagos, cujo texto é o seguinte:

Relacion de ciertas personas a quien yo quiero que se den de mis bienes lo contenido en este memorial, sin que se le quite cosa alguna dello.— Hasele de dar en tal forma que no sepa quien se las manda dar.

Primeramente, a los herederos de Geronimo del Puerto, padre de Benito del Puerto, Chanceller en Genova, veinte ducados

o su valor. A Antonio Vazo, mercader Ginoves, que solia vivir en Lisboa, dos mil e quinientos reales de Portugal, que son siete ducados poco mas, a razon de trescientos e setenta y cinco reales el ducado.

A un judio que moraba a la puerta de la juderia en Lisboa, o a quien mandare un Sacerdote, el valor de medio marco de plata.

A los herederos de Luis Centurion Escolo, mercader Ginoves treinta mil reales de Portugal, de los cuales vale un ducado trescientos ochenta y cinco reales, que son setenta y cinco ducados poco mas o menos.

A esos mismos herederos y a los herederos de Paulo de Negro, Ginoves, cien ducados o su valor. Han de ser la mitad a los unos herederos y la otra a los otros. A Baptisla Espindola, o a sus herederos, si es muerto, veinte ducados. Este Baptista Espindola es yerno del sobredicho Luis Centurion era hijo de Micer Nicolao Espindola de Locoli de Ronco, y por senas el fue estante en Lisboa el ano de mil cuatrocientos ochenta y dos.


Não há dúvida de que quase todos os destinatários são genoveses.  As quantias a entregar são referidas na moeda Ducado, à excepção do meio marco de prata, e são muito distintas e detalhadas, de valores pouco elevados.

O Ducado era uma das moedas de Castela, onde o Almirante faleceu e onde teria mandado escrever esse Memorial dos Pagos. Quando o Almirante redigiu ou fez redigir o Memorial encontrava-se em Castela e naturalmente indicou os valores em Ducados. Seria não apenas uma moeda castelhana mas também uma moeda usada no comércio internacional, nomeadamente pela República de Veneza. 

No entanto, algumas quantias são referidas primeiramente em Reais de Portugal, depois convertidos para Ducados.

A generalidade dos personagens a quem o Almirante manda entregar as quantias, mesmo sendo genoveses, está referenciada a Lisboa. Sabe-se que Génova detinha na época uma forte presença comercial e financeira na península ibérica.

Um dos destinatários em Lisboa está inclusivamente referenciado cronologicamente a 1482.

Tudo parece apontar, portanto, para situações ocorridas em Lisboa/Portugal antes da ida para Castela. A data de 1482 aponta para o período em que o Almirante navegava para a Mina e Guiné, nos navios portugueses.

Curiosamente, no chamado Documento Assereto, independentemente da questão da sua fiabilidade, que se refere a um litígio comercial entre personagens genoveses, as quantias são mencionadas assim: xxx Ducados ou xxx Cruzados (sempre em simultâneo - e com o mesmo valor). Para o negócio de compra de açúcar que deveria decorrer na Madeira, as quantias são mencionadas em reais portugueses e explicitada a conversão para Ducados / Cruzados.

O Cruzado seria uma moeda usada na República de Génova nessa altura (1478).

O que é certo, pelas actas publicadas na Raccolta, é que a Lira era uma moeda  corrente em Génova, pois todas as quantias mencionadas em actos de dívidas ou outros negócios, são expressas em Liras.

Se as quantias do Memorial correspondessem a dívidas contraídas por Cristoforo Colombo em Génova, os valores estariam expressos em Liras (e não em Ducados ou Reais portugueses); ou eventualmente expressos em Liras com indicação do valor equivalente em Ducados.

Há no entanto um aspecto a destacar, referente à razão pela qual o Almirante não queria que se soubesse quem mandava dar essas quantias.

Se eram dívidas que Cristoforo Colombo não tinha pago, como foi larga opinião dos genovistas, não se encontraria motivo para que tal acontecesse. Poderiam mesmo ter sido pagas em vida do Almirante, mas assim não aconteceu e ficaram postergadas para o testamento. Que seu filho D. Diogo Colon não cumpriu, inscrevendo-as também no seu testamento de 1509, de forma muito vaga, e depois no seu testamento final de 1523.

Haveria uma razão para protelar por mais de quarenta anos a satisfação de umas dívidas, porque quem tinha contraído essas dívidas não era Cristoforo Colombo! Era o navegador X, que não se chamava Colombo. 

E o Almirante quereria continuar a manter a sua verdadeira identidade em segredo, tal como fez o filho Diogo! (o que terminaria se mandassem pagar as dívidas do navegador X).

quarta-feira, 9 de março de 2022

Colombo genovês, o tio errado #70 ('Prova' 114)

 'Prova' {114} - pág. 756:

Seja como for, as dádivas de caridade que Colombo mandou fazer em Génova são confirmadas quer pelas suas missivas ao embaixador genovês Nicoló de Oderigo quer pela sua correspondência com a Banca S. Giorgio, quer ainda pelos Anais de Giustiniani. Cabe pois perguntar: se Colombo não era genovês, porque fez, em Sevilha, tamanhos donativos aos pobres daquela cidade da Ligúria? não haveria pobres mais perto?

 

ACC:

As dádivas de caridade que Colombo mandou fazer em Génova apenas existem na imaginação genovista, distorsão da realidade factual.

Quer as cartas ao embaixador genovês Nicolo Oderigo quer a carta ao Ufficio di San Giorgio, a única que foi divulgada já que da outra mencionada pelo Almirante o Ufficio não deu conta, permitem considerar que o dízimo dos rendimentos com que Colon acenou seria uma forma de pagamento regular daquilo que pretendia obter do Ufficio, provavelmente um financiamento para o seu projecto para a reconquista de Jerusalém.

Em nenhuma dessas cartas o Almirante se refere aos pobres daquela cidade da Ligúria.

Quanto a Giustiniani, que escreveu nella morte sua fee come bon patriota, perche lassó per testamento all'Ufficio do S. Giorgio la decima parte delle sue entrate in perpetuo” também faltou à verdade ao dizer que na sua morte o Almirante deixou em testamento ao Ufficio a décima parte dos seus rendimentos, para sempre.

Como se sabe, Colon morreu em 20 de Maio de 1506 e na véspera confirmou por Codicilo autenticado o testamento que tinha preparado anteriormente em 25 de Agosto de 1505

“Na nobre vila de Valladolid, a dezanove de Maio no ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil quinhentos e seis, perante mim, Pedro de Hinojedo, escrivão da Câmara de Suas Altezas … o Senhor Dom Cristóvão Colon, Almirante e Vice-Rei e Governador-Geral das Ilhas e Terra firme das Índias descobertas e por descobrir que disse que era: estando doente de seu corpo, disse que porquanto ele tinha feito testamento perante Escrivão público, que ele agora ratificava e ratifica o dito testamento, e o aprovava e o aprovou como bom, e se necessário fosse o outorgava e outorgou de novo. E agora, acrescentando ao dito testamento ele tinha escrito com sua mão e letra um escrito que perante mim mostrou e apresentou, assinado com o seu nome, que ele outorgava e outorgou todo o conteúdo do dito escrito perante mim o Escrivão, segundo é pela via e forma que no dito escrito se continha, e todas as disposições nele contidas para que se cumpram e valham como sua última e póstuma vontade, …

O teor da qual dita escritura que estava escrita com letra e mão do dito Almirante e assinada com o seu nome, palavra por palavra é este que se segue:

Quando parti de Espanha no ano de mil quinhentos e dois eu fiz uma determinação e ‘mayorazgo’ dos meus bens, e do que então me pareceu que cumpria à minha alma e ao serviço de Deus eterno, e honra minha e dos meus sucessores: a qual escritura deixei no Mosteiro de las Cuevas em Sevilha … a qual determinação aprovo e confirmo por esta…

Eu constituí o meu caro filho D. Diogo Colon como herdeiro de todos os meus bens e ofícios que tenho de juro e herdade, de que fiz o ‘mayorazgo’, e se ele não tiver filho herdeiro varão que herde o meu filho Don Hernando, da mesma forma, e não tendo ele filho varão herdeiro que herde D. Bartolomeu meu irmão, da mesma forma, e se não tiver filho herdeiro varão, que herde outro meu irmão; que se entenda assim, de um a outro parente mais chegado à minha linha e isto seja para sempre. E não herde mulher, salvo se acontecesse não se achar homem, e se isto acontecer seja a mulher mais chegada à minha linha…

… E digo que toda a renda que ele tiver por razão da dita herança, que faça ele dez partes em cada ano, e que uma parte destas dez a reparta entre os nossos parentes, os que mais precisarem… e depois, destas nove partes …” [segue-se uma minuciosa descrição da distribuição, por partes, dos rendimentos pelos seus familiares] …

“Digo a D. Diogo, meu filho, e mando que logo que ele tenha suficiente renda do dito ‘mayorazgo’ e herança, que possa sustentar numa Capela, que se há-de fazer, três Capelães que digam cada dia três missas, uma em honra da Santa Trindade, e outra pela Conceição de Nossa Senhora, e outra por alma de todos os fiéis defuntos, e pela minha alma, e de meu pai e mãe e mulher. … e que a dita Capela possa ser na Ilha Hispaniola,… que seja ali em la Vega de la Concepción…

Feita a vinte e cinco de Agosto de mil quinhentos e cinco: segue Christo Ferens.

Testemunhas que estiveram presentes e viram fazer e outorgar todo o acima escrito ao dito Senhor Almirante… Em testemunho da verdade – Pedro de Hinojedo, Escrivão.”

 

Como se comprova, a décima parte dos rendimentos foi destinada para ser repartida entre os parentes mais necessitados, não ao Ufficio de San Giorgio, nem há nenhuma menção a Génova.

Só se explica o erro, ou mentira consciente, de Giustiniani por ter confundido com a última vontade do Almirante o que diziam as cópias das pretensas cartas enviadas pelo Ufficio ao Almirante e a seu filho, de que teria tido conhecimento quando preparou os Anais de Génova, eventualmente mesmo através do chanceler António Gallo, uns anos antes.

terça-feira, 8 de março de 2022

Colombo genovês, o tio errado #69 ('Prova' 113)

'Prova' {113} - pág. 756:

Foi quiçá devido a tal aparente descortesia que o pagamento foi suspenso, não sabemos quando, como Giustiniani atesta; apenas sabemos com certeza quase absoluta que constava ainda do testamento de 1502, que desapareceu sem deixar rastro, pois um dia depois de o redigir, por carta autógrafa de que se conserva o original, comunicou à Banca San Giorgio que lhe legara o dízimo das suas rendas. Seja como for, não consta do testamento final do Almirante, feito a 19 de Maio de 1506, em que não aparecem já as mostras de genofilia que caracterizavam o primeiro.

De facto, escrevendo uns trinta anos após os factos, Giustiniani refere ainda o legado, que nella morte sua fee come bon patriota, perche lassó per testamento all'Ufficio do S. Giorgio la decima parte delle sue entrate in perpetuo, acrescentando: nõ só per qual cagione nõ si ha fatto. 

 

ACC:

Como se viu anteriormente, as cartas que teriam sido enviadas pelo Ufficio di San Giorgio a Don Diogo Colon e ao Almirante seu pai não chegaram aos destinatários, apenas se conhecendo as alegadas cópias conservadas em Génova. Não tendo então recebido resposta do Ufficio, Colon queixou-se disso mesmo a Nicolo Oderigo.

Porém nada aconteceu. Oderigo não se interessou pelo caso, apesar de o Ufficio de San Giorgio dar a entender nas suas cartas que Génova iria beneficiar dum enorme legado da décima parte dos rendimentos obtidos nas Índias pela família Colon.

Que estranha convergência de manifestações de desprezo para com o “Ilustre varão, claríssimo e amantíssimo concidadão”. Ou será que as cartas remetidas pelo Almirante não são autênticas, ou são, pelo menos, contrafacções parciais de missivas originais? Originais esses em que não havia nenhuma menção a dízimos prometidos ao Ufficio.

Porque, de facto, ao contrário do que escreveu o Prof. Thomaz, o pagamento não foi suspenso, simplesmente porque não se suspende algo que nunca existiu.

E portanto, a sua certeza quase absoluta de que constava do testamento de 1502 cai estrondosamente por terra.

Tanto mais que numa carta a seu filho Dom Diogo também em vésperas da partida para a quarta viagem, o Almirante manda e encarrega o seu filho para que destine o décimo dos rendimentos a pobres necessitados e parentes, antes de outros. (Cf. VARELA, Consuelo – Cristóbal Colon, Textos y documentos completos. Madrid, 1989 Alianza Universidad, pág. 308).

Perante tal discrepância, poderia permitir-se a conclusão de que esta correspondência teria sido forjada, o que não seria, de todo, surpreendente. 

Seguimos no entanto a linha de admiti-la como possivelmente verdadeira, considerando que é abusiva a interpretação de que o Almirante teria legado o dízimo dos seus rendimentos a Génova. O que mostram as duas cartas a Oderigo e a sobrevivente carta ao Ufficio di San Giorgio é que o Almirante procurava financiamento para o seu omnipresente projecto de acumular ouro das Índias para ajudar na reconquista de Jerusalém.

Génova era uma grande potência marítima e sempre fora importante financiadora da expansão mediterrânica e atlântica.

A incompreensível ausência, certamente subtracção, da outra carta que o Almirante diz que enviou simultaneamente ao Ufficio, indicia que o seu conteúdo era a chave para a revelação do negócio subjacente a esta aproximação de Colon a Génova, que nada tinha a ver com a sua pretensa naturalidade. 

segunda-feira, 7 de março de 2022

Colombo genovês, o tio errado #68 ('Prova' 112)

'Prova' {112} - pág. 756:

A 27.XII.1504 (Colombo) queixou-se por carta a Nicoló de Oderigo de não ter recebido nem resposta deste nem da Banca às suas cartas de 1502, o que lhe pareceu que descortesia fue deses Señores, tanto mais que soubera por Messer Francisco de Ribarol, que as dádivas haviam chegado a salvamento {112}

 

ACC:

Esta outra carta do Almirante está publicada na Raccolta, P. I, Vol. III, Série A, Tav. XXXIIII, com transcrição na pág. 34. É também apresentada como sendo dirigida a Oderigo embora só seja reproduzido o interior e não o reverso da folha, no qual estaria o nome do destinatário. É considerada autógrafa, isto é, escrita pela mão de Colon:

«Virtuoso Senhor,

Quando eu parti para a viagem de onde agora regresso falei-vos longamente.

Creio que de tudo isto vos recordareis bem.

Julguei que quando chegasse eu encontraria as vossas cartas e ainda pessoa com palavra [alguém que lhe falasse pessoalmente].

Também nesse tempo deixei a Francisco de Ribarol um livro de treslados de cartas e outro dos meus privilégios numa mala de couro cordovês tingido com o seu fecho de prata e duas cartas para o Ofício de S. Georgi ao qual atribuía eu o décimo da minha renda para desconto nos direitos do trigo e de outros abastecimentos.

De nada disto tudo sei notícias.

O senhor Francisco [Ribarol] diz que tudo chegou aí em segurança.

Se assim é, foi descortesia desses senhores de S. Georgi por não terem dado resposta nem por isso terem acrescentado a fazenda e isto é motivo para se dizer que quem serve a todos não serve a ninguém.

Outro livro dos meus privilégios como o sobredito deixei em Cádiz a Francisco Catânio, portador desta, para que também vo-lo enviasse.

Que um e outro fossem colocados em bom recato onde vos parecesse bem.

Recebi uma carta do Rei e da Rainha meus senhores nesse tempo da minha partida.

Ali está escrita; vêde-la que veio muito boa.

Desejo ver [receber] vossas cartas e que falem cautelosamente do propósito em que ficamos.

De Sevilha a 27 de Dezembro de 1504»

 

Esta outra carta, para além de ser considerada autógrafa, afigura-se também verosímil. O Almirante escreve a Oderigo após ter regressado da 4ª viagem e relembra Oderigo que falaram antes da partida para essa viagem, que ocorreu em 11 de Maio de 1502.

Em 21 de Março de 1502 tinha o Almirante escrito a Oderigo informando-o de que lhe enviava pelo portador Francisco de Ribarol o Livro das suas Escrituras e cópias de cartas. E que lhe enviaria um segundo Livro dos Privilégios que estava a ser terminado.

Agora, nesta segunda carta mostra-se descontente por não ter recebido nenhuma resposta de Oderigo, quer por carta quer por mensageiro em pessoa.

Sabe que Francisco de Ribarol entregou o primeiro Livro a Oderigo e que o segundo Livro seguiu com Francisco Catânio.

Nesse tempo em que estava de partida Colon recebeu uma carta dos Reis, na sua opinião, muito boa. Isto é, essa carta correspondia à insistência do Almirante sobre os seus direitos. Ora, efectivamente em carta de 14 de Março os Reis prometem-lhe mercês.

Colon pede a Oderigo que lhe escreva, mas que seja cauteloso nas palavras, porque o assunto é sigiloso, na carta não deve mencionar-se qual o assunto tratado entre o Almirante e Oderigo.

Ou seja, reforça que o objectivo do Almirante é que as cópias do Livro dos Privilégios fiquem em segurança [porque do que lá está escrito depende o futuro dos seus herdeiros].

Por incrível que pareça, não existiu sequer uma carta do Ufficio de S. Georgio a tentar retomar as conversas e beneficiar a República com a ‘generosa oferta’ depois de Colon se ter queixado a Oderigo em 1504.

Patética é a afirmação do Prof. Thomaz, quando escreve:

“… tanto mais que soubera por Messer Francisco de Ribarol, que as dádivas haviam chegado a salvamento.”

Dádivas? O Livro dos Privilégios e umas cartas são dádivas, ou o Prof. Thomaz quer iludir ainda mais os seus leitores menos atentos?

domingo, 6 de março de 2022

Colombo genovês, o tio errado #67 ('Prova' 111)

 'Prova' {111} - pág. 755:

A 8 de Dezembro a Banca respondeu-lhe com uma carta que começa assim:

Illustri et preclarissimo viro Domino Christofaro, Maiori Admirato Maris Oceani, Visse Regi et Gubernatori Generali Insularum et Continentis Assie et Indiarum cerenissimorum Regis et Regine et Capitaneo Generali Maris et Consiliario

Illustris vir et clarissime amantissimeque concivis et domine memorandissime [ou seja: "ilustre varão, claríssimo e amantíssimo concidadão, e mui memorável senhor"]

 

ACC:

A resposta do Ufficio di San Giorgio à(s) carta(s) do Almirante tem a particularidade de se tratar de uma carta dirigida a D. Diogo Colon na qual se diz que vai inclusa outra carta dirigida a seu pai, a qual o Prof. Thomaz traduziu e publicou. Estão datadas de 8 de Dezembro de 1502. Henry Harrisse publicou ambas as cópias.

Nenhuma das cartas existe nos arquivos de Espanha nem a elas há qualquer referência pelo Almirante ou pelo seu filho. Pelo contrário, Cristóvão Colon mostrou o seu desagrado por não ter obtido resposta, como se verá.

A “explicação” de Harrisse para a tardia resposta do Ufficio di San Giorgio é de que Oderigo não teria recebido naquela ocasião o Livro dos Privilégios e as cartas que lhe levou Francisco de Ribarol, porque foi novamente nomeado para se deslocar a Castela em 9 de Abril e só terá regressado a Génova meses depois e só nessa altura entregou ele as cartas ao Ufficio di San Giorgio.

Isto apesar de Ribarol ter confirmado a Colon que tinha entregado tudo ao destinatário, como se verá.

Pelos vistos, uma viagem entre Sevilha e Génova era bastante mais demorada que uma viagem até ao Novo Mundo!

Do extenso arrazoado das cartas que não chegaram ao destino extraímos, simplificadamente, o seguinte:

- Na carta a D. Diogo Colon:

…E excelência do Almirante vosso pai pela sua carta datada de 2 de Abril… pois parece que ele (O Almirante) ordenou a Vossa Excelência para enviar para esta cidade, cada ano, um décimo do rendimento a que vós tendes direito, com o objectivo de eliminar ou reduzir o imposto cobrado no milho, vinho e outras mercadorias…

Na carta ao Almirante:

Ilustríssimo concidadão senhor dom Cristoforo Almirante maior do Mar Oceano…

Fiquei muito grato pelo afecto que demonstrais à vossa primeira pátria, pela qual tendes singular amor e caridade,,, tendo ordenado ao vosso filho …que da décima de cada renda sua cada ano deverá nesta cidade providenciar ao desconto da taxa de trigo, vinho e outras vitualhas …

Note-se que apenas é referida uma carta e que o Uffício refere em ambas que a décima se destina a beneficiar a cidade, algo que o Almirante não escreveu.

Destaque-se que o chanceler de S. Giorgio era Antonio Gallo, esse mesmo que escreveu que conhecia muito bem a família Colombo e que “os irmãos Cristoforo e Bartolomeo Colombo, lígures de nação, nascidos em Génova de pais plebeus, e que viviam da tecelagem, em que o pai foi tecelão e os filhos, num tempo, cardadores, alcançaram em toda a Europa, nos tempos a que chegámos, uma grande celebridade pela sua coragem e por um descobrimento que será um marco na história da humanidade…”

Estamos portanto perante uma grande embrulhada, em que das duas cartas enviadas simultaneamente pelo Almirante (desde Sevilha) ao Ufficio di San Giorgio (em Génova), apenas há (em Génova) cópias de duas cartas de resposta a apenas uma das enviadas (não havendo qualquer menção à outra), as quais respostas por acaso também não chegaram aos destinatários (Diogo Colon e seu pai).

sábado, 5 de março de 2022

Colombo genovês, o tio errado #66 ('Prova' 110)

'Prova' {110} - pág 751:

Escreveu ao Banco S. Jorge de Génova, de que se conserva o original autógrafo, hoje exposto na municipalidade genovesa: yo deso a Don Diego, mi hijo, que de la renta toda que se obiere, que os acuda ali con el diezmo de toda ella, cada um año para siempre, para [ser] en descuento de la renta del trigo y bino y otras bitualias comederas.

Significativamente a carta começava assim: Muy nobles Señores: bien que el coerpo ande acá, el coraçón está alí de continuo.


ACC:

Na Raccolta, P. I, Vol. III, série A, Tav. XIIII, com transcrição na pág. 14, encontra-se publicada a carta da qual o Prof. Thomaz salientou um trecho. Embora só seja reproduzido o interior e não o reverso da folha, no qual estaria o nome do destinatário, é apresentada como destinada ao Banco di San Giorgio. É considerada autógrafa, isto é, escrita pela mão de Colon.

O que o Prof. Thomaz não refere aqui e só na pág. 756 menciona de forma que passe despercebido quando refere uma segunda carta do Almirante a Oderigo, é que para o Ufficio di San Giorgio o Almirante não enviou apenas a carta destacada pelo Prof. Thomaz, mas sim duas cartas em simultâneo.

Primeiro motivo a considerar é o facto de terem sido enviadas pelo Almirante duas cartas para o mesmo destinatário. Se enviou duas cartas e não apenas uma é porque tratavam de assuntos distintos, embora pudesse haver algum ponto de contacto ou relação entre eles.

Segundo motivo a considerar, e neste caso também a estranhar, é que só se tenha conhecimento público de uma das cartas.

Como menciona Henry Harrisse, o Ufficio di San Giorgio in Genoa, a que ele chama Bank of St. George (embora só tenha tomado a designação de Banca di San Giorgio em 1673) tinha uma excelente reputação e um arquivo organizado.

A correspondência que chegava, depois de comunicada aos directores, era arquivada, sendo cada folha dobrada ao meio verticalmente, feitos dois furos e passado um cordel no qual se enfiavam todas as cartas recebidas, sendo depois arrumadas em fileiras.

Tendo sido enviadas duas cartas pelo Almirante Colon e só havendo uma no arquivo, apenas podemos supor dois motivos: ou a outra carta se teria extraviado ou foi propositadamente subtraída do arquivo.

Mui nobres senhores

Se bem que o corpo ande aqui o coração está continuamente ali.

Nosso Senhor fez-me a maior mercê que depois de David ele tenha feito a alguém.

As coisas da minha empresa já brilham e fariam grande luz se a escuridão do governo não a encobrisse.

Eu volto às Índias em nome da santa Trindade para regressar em breve.

E porque eu sou mortal, eu deixo a Dom Diogo meu filho que da renda toda que se tiver que vos acuda ali com o dízimo de toda ela em cada ano para sempre para em desconto da renda do trigo e vinho e outras vitualhas alimentícias.

Se este dízimo for algo recebei-o, e se não recebei a vontade que eu tenho.

A este filho meu vos peço por mercê que tenhais encomendado.

O senhor Nicolo de Oderigo sabe dos meus privilégios e cartas para que os ponha em boa guarda.

Folgaria que os vísseis.

O Rei e a Rainha meus Senhores querem honrar-me mais que nunca.

A santa trindade guarde vossas nobres pessoas e acrescente o mui magnífico ofício.

Feita em Sevilha a dois de Abril de 1502

A frase que nos importa não é de interpretação fácil, mas uma coisa é certa: O dízimo da renda [rendimento] com que o Almirante, e depois o seu filho, se propõe acudir ao Ufficio di San Giorgio não é uma oferta. É uma garantia de entregas anuais que ele apresenta ‘para desconto na renda dos géneros alimentícios’, o que parece indicar que serão descontadas nas quantias que tiver a pagar para custear géneros alimentícios.

Relembremos uma das alíneas do contrato celebrado entre Don Christoval Colon e os Reis Católicos.

“O Almirante terá direito ao oitavo dos rendimentos obtidos nas Índias desde que tenha investido um oitavo nas despesas de armação e viagem”.

Ora o Almirante, que ainda não tinha conseguido ganhos relevantes com o décimo a que tinha direito sobre os lucros das suas viagens, provavelmente pretendia financiamento para antecipar esse oitavo dos custos e dava como garantia uma parte, o dízimo, dos rendimentos futuros do décimo (o qual não dependia da comparticipação nos custos de armação dos navios).

Por esse motivo enfatizava que a sua empresa já luzia e que os Reis o queriam honrar.

E preparava o caminho para o seu filho, pedindo ao Ufficio que o tenha ‘encomendado’.

A presença do embaixador de Génova em Castela (que ali se deslocara para que os Reis Católicos impedissem os ataques dos seus homens do mar aos navios genoveses) naqueles meses do início de 1502 e já estava de regresso para Génova, terá servido para abordar oportunidades de negócio com o Almirante.

Como demonstração de confiança, Christoval Colon entregava o Livro dos seus Privilégios à guarda de Oderigo e na carta ao Ufficio di San Giorgio pedia para que vissem esses seus privilégios. Ou seja, apresentava aqueles documentos para demonstrar que eram válidas as garantias que dava para o negócio que pretendia.

Obviamente que o seu coração estava lá, pois desejava ardentemente que se concretizasse o que propunha ao Ufficio di San Giorgio.

O ‘desaparecimento’ da outra carta pode ter impedido os historiadores de interpretarem completamente esse negócio?