DA CIÊNCIA ATÉ À FICÇÃO
A questão que colocámos na divulgação do documentário que iria ser emitido pela TVE era se a Ciência iria corrigir a História ou se iria a estória sobrepor-se à Ciência?O lema do documentário era promissor e, apesar de pretender agarrar o espectador socorrendo-se de uma realização apostada em criar algum suspense, descrevia muito ao de leve as teorias sobre as origens de Colon sujeitas ao crivo das comparações genéticas e era depois apresentado aos respectivos proponentes o resultado que tinha sido cientificamente obtido.
Começando por afirmar que existem mais de 25 teorias sobre onde nasceu e
quem era o Almirante Colon, entre elas Norueguês, Sueco, Polaco, Inglês,
Escocês, Francês, Hungaro, Russo, Grego, Italiano, Português e Espanhol,
iluminando num mapa cada um desses países, tinham sido escolhidas oito
finalistas, consideradas as mais credíveis.
Faltou indicar qual o critério adoptado para essa escolha, mas podemos
deduzir, à posteriori, que o principal factor terá sido o de apresentarem
amostras de ADN para comparação com o ADN de Colon, mais propriamente de seu
filho Hernando, por ser mais completo.
Numa grande sala encontravam-se oito cadeiras com as respectivas
bandeiras identificadoras, onde se sentavam os proponentes à medida que eram
chamados para ouvir o resultado científico a transmitir pelo Prof. Llorente.
A teoria Espanhola-Castelhana propõe que Colon era um nobre, filho de
Aldonza de Mendoza que faleceu no parto, de seu nome Rodrigo de Mendoza, o qual
foi enviado para Génova e esconderia a sua identidade com receio de ser
assassinado tal como acontecera com seu irmão, Alfon de Mendoza, logo aos cinco
anos de idade. Pertencia à grande nobreza, sendo primo do poderoso Cardeal
Mendoza. A amostra de ADN foi recolhida nas ossadas do túmulo de Aldonza de
Mendoza em Cogolludo.
A primeira das teorias portuguesas apresentada foi a de que Colon seria
um nobre português, que casou em Portugal, capitaneou navios e era próximo do
Rei. Não se conhecem documentos porque teria outro nome e era o corsário Pedro
de Ataíde. Foi aberto o túmulo de António de Ataíde, Conde de Castanheira e
primo de Pedro de Ataíde, tendo sido obtido ADN a partir dos ossos recolhidos.
A segunda das teorias portuguesas escolhidas foi a de que Colon estava
aparentado com a Casa Real Portuguesa e também com a Casa Real Espanhola, sendo
filho da Princesa Leonor de Avis fruto de uma relação com o Beato Amadeu de
Portugal antes do seu casamento com o Imperador do Sacro Império
Romano-Germânico. Foi recolhido ADN em actual descendente da família Silva à
qual pertencia o Beato Amadeu e também ADN recolhido em cabelos de Dª Inês de
Castro que era a bisavó da Princesa.
A teoria Espanhola-Galega propõe duas hipóteses, numa delas Colon seria
filho do casal Joan e Constanza Colon, a outra de que Colon era Pedro Alvarez
de Sottomayor conhecido como Pedro Madruga, Duque de Caminha, que desapareceu
exactamente no mesmo dia em que Colon foi recebido em entrevista pelos Reis
Católicos. Em ossadas indiferenciadas desenterradas em Poio, dito o único local
onde existiam famílias com esse nome Colon não foi possível obter ADN, mas numa
outra localidade galega foi aberto o túmulo de Joan Mariño de Sotomayor, primo
de Pedro Madruga, e recolhido ADN.
A teoria Espanhola-Maiorquina defende que Colon era filho do Príncipe de
Viana, irmão do Rei Fernando de Aragão. O Príncipe passou por Maiorca em 1459,
onde conheceu Margarita Colom tendo dessa curta relação nascido Colon, o qual
seria assim sobrinho dos Reis Católicos, razão para poder exigir os títulos a
que só os nobres podiam aceder.
Após uma primeira tentativa frustada para obter ADN no túmulo de Alfonso
de Aragón, conseguiu-se obter ADN no mausoléu de D. Tello de Castilla, da
família real.
Os resultados iniciais geraram grande expectativa entre os cientistas,
encontrando coincidências animadoras, o que levou o Prof. Llorente a recolher
ADN adicional para resultados mais abrangentes.
Enquanto tal decorria surgiu uma teoria até agora não conhecida,
Espanhola-Navarra, segundo a qual Colon não era um aristocrata mas sim um
Agote, grupo social ou etnia descriminada na Baixa Navarra, portador de doenças
características muito específicas e das quais Colon também sofreria, segundo o
proponente da teoria. Foi recolhido ADN em vários homens Agote da região.
Uma a uma todas as seis teorias foram sendo consideradas inválidas, no
encontro do Dr. Llorente com os respectivos proponentes onde lhes transmitia
que os resultados dos testes de ADN eram negativos, não coincidiam. As reacções
variaram entre a resignação, o desânimo e o choque total.
A produtora do documentário anunciou então que já só restava uma teoria
que pudesse contrariar a tese oficial genovesa. Era a teoria do Colon judeu.
O Prof. Llorente foi ao encontro do respectivo proponente e
transmitiu-lhe, com toda a alegria, segundo as suas palavras, que era a teoria
que mais se aproximava. No ADN de Hernando Colón, tanto do cromossoma Y como do
mitocondrial tinham sido identificados vestígios de ADN judeu.
No documentário mostrou-se então um mapa indicando que existiam judeus em
toda a península ibérica, mas de imediato foi mostrado um mapa com a
distribuição de judeus em todo o arco mediterrânico ocidental, ou seja Itália e
Sicília, ilhas Baleares e costa oriental de Espanha. Como o número de judeus na
costa oriental de Espanha era o maior, eliminaram todas as outras áreas e
concluíram que Colon seria de uma família judia fixada na região de Valência.
Foi esta a conclusão do documentário, que provocou larga difusão
mediática.
O que fora apresentado como sendo o resultado científico para reescrever
a História terminou em ficção, sem razão justificada.
Sobre o resultado dos testes comparativos de ADN se pronunciarão os
cientistas quando forem publicados e avaliados pelos pares e os proponentes das
seis teorias inválidas tomarão as posições que entenderem.
O que devemos salientar é que a versão oficial genovesa teria ficado
eliminada logo pela conclusão de que Cristobal e Diego Colon não eram irmãos. A
teoria do Colon judeu Espanhol-Valenciano, contrariamente às outras seis
teorias, não apresentou amostras de ADN para comparar, beneficiando de incompreensível
vantagem. Existem outras teorias sobre um Colon com antepassados de origem
judaica que foram excluídas das finalistas.
A escolha da zona de nascimento em Valência foi absolutamente arbitrária,
sem critério científico.
Esta teoria considera que Colon era filho de um casal de judeus. Ora o
Prof. Llorente comunicou que foi no ADN de Hernando Colon, tanto no Y como no
mitocondrial que se identificaram traços de origem judia. Como o ADN
mitocondrial é transmitido pela mãe, não se trata da mãe de Cristóbal Colon mas
sim da mãe de seu filho Hernando, a cordovesa Beatriz de Araña.
Para além de terminar em ficção, a produtora do documentário distorceu os
resultados científicos que uma vasta equipa internacional conseguiu obter após
longos anos de pesquisas e trabalho. Deplorável absurdo.
A Associação Cristóvão Colon, que defende a portugalidade do navegador,
rejeita a conclusão arbitrária e não científica emitida pela TVE e difundida
por vários meios de comunicação nacionais.
Carlos Calado