segunda-feira, 31 de janeiro de 2022

Colombo genovês, o tio errado # 36 ('Prova' 61)

 'Prova' {61} - pág. 311:

... corrobora-o Pedro Mártir de Angléria, na carta de 13.IX.1493 em que participa ao Conde de Tendilla e a Frei Hernando de Talavera, o sucesso da primeira viagem de Colombo:

Erguei a mente, vós dois, sábios que envelheceis, e escutai o novo invento: lembrai-vos de o lígur Colón {61} ter instado no arraial junto dos Reis, acerca de percorrer pelos antípodas ocidentais o novo hemisfério das terras ...

 

ACC:

Pietro Martire d’Anghiera, que tinha acompanhado o embaixador de Castela na Santa Sé quando este regressou ao seu país em 1487 e ficara depois a leccionar em Salamanca era, à data do regresso de Colon, o capelão dos Reis Católicos, e antes destas epístolas de Setembro, escrevera em 14 de Maio ao seu protector Giovanni Borromeo, Conde de Arona e Anghiera, dando conta do regresso do Almirante. Sem sequer o conhecer bem, como demonstra a expressão que utilizou para o mencionar – «Regressou das Antípodas ocidentais um tal Cristoforo Colonus, homem lígure…» Pietro Martire decidiu chamar-lhe homem lígure, estabelecendo de alguma forma uma ligação à sua própria região natal na ‘Itália’, apesar de manter latinizado para Colonus o apelido Colon, sem o deturpar para Columbo.

Mas nesta sua recolha, o Prof. Thomaz parece não se ter apercebido do nome Colonus, ofuscado pela qualificação “lígure” que lhe saltou à vista.

Curiosamente os lígures foram um dos povos que ocuparam o território do sul de Portugal, Alentejo / Algarve no séc. V a.C. (Cf. MELO. Amílcar – Portugal económico, político e social. Lisboa: Ed. Vieira da Silva, 2016. Págs.26- 27)

Argumenta ainda o Prof. Thomaz, na ‘linguagem elegante e própria’ de prestigiado historiador profissional que tem vindo a utilizar para apodar quem não partilha da sua opinião, que não foi a partir das cartas de Pedro Mártir que se difundiu a lenda do Colombo lígure, pois só vieram a ser publicadas em 1511. 

Deve assim presumir o Prof. Thomaz que quer o remetente quer os destinatários se mantiveram em silêncio e nunca repetiram a ninguém o boato do homem lígure.

domingo, 30 de janeiro de 2022

Colombo genovês, o tio errado # 35 ('Prova' 60)

'Prova' {60} - pág. 303: 

Desiludido com o longo compasso de espera que lhe impunham os Reis Católicos, quiçá animado pela carta del-rei de França (cujo preciso teor ignoramos) Colombo decidiu-se então a partir para as Gálias - o que é incompatível com a teoria de que teria agido em conivência com D. João II, para atrair as atenções de Castela {60}.

 ACC:

Esta afirmação não tem qualquer relação com a alegada genovesidade do Almirante que o Prof. Thomaz pretende provar.

Incoerentemente, o Prof. Thomaz lança a hipótese de que Colon se tenha animado com a carta do Rei de França, ou seja, uma resposta positiva ao seu projecto, enquanto na pág. 224 nas justificações para a ‘prova’ {38} dava precisamente a entender que as propostas a Inglaterra e França teriam sido recusadas:

“Não tendo achado da sua parte [Henrique VII de Inglaterra] a receptividade que esperava, Bartolomeu Colombo acabou por passar à corte francesa … Já Cristóvão com a sua habitual propensão para exagerar e aformosear as cousas, utiliza o facto em seu próprio favor, como se não tivesse sido ele próprio a, por assim dizer, pôr em almoeda os seus serviços, mas tivesse pelo contrário repelido de motu próprio as propostas que recebera dos reis de França e de Inglaterra…”

sexta-feira, 28 de janeiro de 2022

Colombo genovês, o tio errado # 34 ('Prova' 59)

 'Prova' {59} – pág. 259:

E por que motivo na sua primeira edição, de Veneza, 1571, saiu a Vida do Almirante com o título: 

Historie del S.D. Fernando Colombo; nelle s'ha particolare et vera relatione della vita e de fatti dell'Amiraglio D. Christoforo Colombo, suo padre

 

ACC:

Surpreendente seria se a História do Almirante, que não conseguiu editor em Espanha e que assim foi impressa pela primeira vez em Veneza, trinta e dois anos depois da morte do autor, em idioma italiano traduzido do original castelhano, não ostentasse os nomes do autor e do protagonista convenientemente mudados para italiano.

D. Hernando Colón nunca se chamou Fernando Colombo, e o que escreveu sobre o nome de seu pai é bem claro, quando não tenha sido objecto de deturpação arbitrária:

“… e così si chiamò Colón”

“Ed appresso, se cotal suo nome noi vogliamo ridurre alla pronuncia latina, ch'è Christophorus Colonus,…”

“… così l'Ammiraglio, che fu Christophorus Colonus…”

quinta-feira, 27 de janeiro de 2022

Colombo genovês, o tio errado # 33 ('Provas' 52-58)

 'Provas' {52}, {53}, {54}, {55}, {56}, {57} e {58} - pág. 259

 

{52}: E por que razão traduziu, meses depois, o poeta Giuliano Dati o nome do descobridor por Cristoforo Colombo no poemeto que transcreveremos mais abaixo? {52}

{53}: E por que motivo regista em 1499 o diarista veneziano Gerolamo Priuli as viagens de Colombo e Vasco da Gama, que mistura e funde numa só, afirmando que a Calicut erano capitate tre charavele del re di Portogallo (...) di quelle era patron il Colombo ? {53}

{54}: E por que motivo traduz o erudito veneziano Alessandro Zorzi (c.1470- c.1538), no preâmbulo com que apresenta as cópias das cartas de Simão Verde sobre a segunda e a terceira viagem de Colombo, conservadas na Biblioteca Nacional de Florença, o nome do descobridor por Christofano Colombo? {54}

{55}: E a que título o designa Nicolo Schillaci, na sua versão da relação da mesma viagem devida a Guilherme Coma, por Columbus regie classis prefectus? {55}

 {56}: E por que razão designa o Bergamasco - ou seja, o monge agostinho Giacomo ou Jacopo Filippo Foresti de Bérgamo (1434-1520) - na sua crónica geral do mundo o descobridor da América por Christophorus Columbus? {56}

{57}: E por que motivo traz a carta de 7.XII.1502 do Magistrado de S. Jorge de Génova ao Almirante por cabeçalho "Copia di lettera scritta dal Magistrato di S. Giorgio al Colombo"? {57} 

{58}: E porque o designa o turco Piri Reis, numa das legendas do seu mapa-múndi de 1514, por Qulumbum? {58}

 

 ACC:

A deturpação do nome do descobridor, que passou do registo oficial Christoval Colon para Colom na versão da carta a Santángel impressa em Barcelona e para Columbo no epigrama da versão em latim da impressão em Roma, bem como as cartas que circularam entre várias personalidades nos estados italianos, tiveram como resultado a generalização da ideia que o Almirante se chamava Colombo. Como tal, praticamente todos os que desde então se referiam ao Almirante sem que com ele tivessem qualquer proximidade, o designavam por Colombo ou Cristoforo Colombo.

São portanto registos sem credibilidade probatória.

quarta-feira, 26 de janeiro de 2022

Colombo genovês, o tio errado # 32 ('Prova' 51)

 'Prova' {51} - pág. 259

E por que motivo D. João II, na sua carta de 23.V.1493 aos Reis Católicos em que lhes declara que, até estar aclarado a quem assistia o direito às terras descobertas, afirma que proibiu seus súbditos de irem ao que ora nouamente achou dom Christouam Colombo vosso almirante? {51}

 

ACC:

Esta carta de D. João II ao Rei Fernando o Católico, em 23 de Maio de 1493 não foi a primeira que o Rei lhe enviou na sequência da vinda do Almirante Colon a Lisboa, onde chegou a 4 de Março.

Não pode a segunda interpretar-se sem olhar a primeira, nem se pode olhar simplesmente para o nome na segunda carta sem considerar ainda uma outra carta de D. João II, desta feita ao futuro Almirante, em Março de 1488, que já se mencionou anteriormente.

Temos assim que em 1488, D. João II enviou para Sevilha uma carta dirigida a Cristovam Colon, acrescentando até a expressão “nosso especial amigo em Sevilha”.

Em 3 de Maio de 1493, pouco tempo após os encontros que manteve com o Almirante chegado da sua viagem, em Vale do Paraíso nos dias 9, 10 e 11 de Março, D. João II escreveu a Fernando o Católico informando que lhe enviava Rui de Sande para lhe falar de algumas cousas. Estas cousas eram a reclamação do direito de Portugal às terras alcançadas por Colon, por se encontrarem abaixo do paralelo das Canárias, de acordo com o Tratado de Alcáçovas-Toledo.

Embora lhe tenha chamado Christovam Colon uns anos antes, embora as credenciais apresentadas pelo navegador quer nos Açores, quer em Lisboa, ostentassem naturalmente o nome Christoval Colon, nesta carta o Rei português designa-o apenas por Dom Christovam, vosso Almirante.  

Embora não seja de descurar a perspectiva de que esse tratamento apenas pelo nome próprio, sem apelido, pudesse corresponder a um uso dos membros da família real portuguesa e também dos descendentes de D. Nuno Álvares Pereira (cf. DÁVILA, Maria Barreto – A mulher dos descobrimentos, D. Beatriz Infanta de Portugal. Lisboa: A Esfera dos Livros, 2019. Pág. 18.) pode-se admitir como mais provável, em função dos acontecimentos antecedentes próximos e subsequentes, que terá resultado da prudência estratégica de D. João II, pois o Rei português conhecia muito bem o Almirante.

Antecedentes próximos:

Desde Lisboa o Almirante Colon enviara uma carta, ou duas cartas idênticas, para os altos funcionários dos Reis Católicos, Luis de Santangel e Gabriel Sanchez. Nessas cartas descrevia-se o essencial de toda a viagem até ao dia 15 de Fevereiro, ‘sobre as ilhas de Canária’ conforme o final das cartas. Na verdade, segundo os registos no Diário, nesse dia 15 Colon encontrava-se nos Açores… pelo que mentia sobre a sua rota.

Já em Lisboa o Almirante juntou-lhe uma adenda explicando que, quando já estava no ‘mar de Castela’, uma tempestade o arrastara para Lisboa. Na verdade, segundo os registos no Diário, já estava perto de Lisboa quando a tempestade se terá dado. E não estivera no mar de Castela como escreveu. Redobrava a mentira e escondia os seus encontros com D. João II.

A versão paleográfica da carta tem a data de 14 de Março, mas no entanto várias versões transcritas apresentam a data de 4 de Março. Talvez por não conseguirem explicar tão longa estadia do Almirante em Portugal.

Esta carta enviada aos altos funcionários reais deu origem não só a um enorme entusiasmo curioso entre os dignatários da velha Europa como também à maior acção propagandística de que há memória naquelas épocas (Cf. GONZÁLEZ CRUZ, David – Cristóbal Colon y la campaña propagandística del descubrimiento de América, in Versiones, propaganda y repercussiones del Descubrimiento de América. Madrid: Silex Ediciones, 2016. Págs 21-64.)

Logo em 31 de Março era expedida desde Barcelona para o Arcebispo de Tarragona, governador de Roma uma carta anunciando o regresso do grande marinheiro Coloma, sobrinho do grande Coloma de França, que era nem mais nem menos que o corsário Coulon / Colombo. Também em 9 de Abril Hannibal Zennaro enviava também desde Barcelona o mesmo tipo de informação para seu irmão, embaixador do sacro Império em Milão, que por sua vez a divulgou ao seu Imperador e a Giacommo Trotti, que a remeteu para o Duque de Ferrara. O nome do navegador já era grafado Colomba.

A carta de Colon foi imediatamente impressa em Barcelona, tanto em castelhano como em catalão, traduzida para latim e outros idiomas, impressa em vários países e difundida um pouco por toda a Europa. Esta propaganda atingia um duplo objectivo: começou por servir a Cristóvão Colon que via reconhecidos os seus direitos a títulos, altos cargos e rendimentos de grande valor potencial e servia os Reis Católicos no seu desejo de receber a bênção papal para colonizar aquelas terras e cristianizar os seus povos.

Na edição de Barcelona, por Pedro Posa, o nome do descobridor foi escrito na forma Colom.

Torna-se agora oportuno regressar à pág. 253 do livro do Prof. Thomaz:

“… embora a forma colomo não esteja atestada em castelhano nem como substantivo nem como antropónimo, em catalão existe o termo colom, que, como seria de esperar, significa “pombo”, e que, à semelhança do italiano colombo ou do português pombo, facilmente se pode tornar apelido. É talvez por isso que o cronista Gonzalo Fernández de Oviedo escreve geralmente Colom, à catalã, em vez de Colón. Dir-se-ia que os escrivães da corte de Castela e Aragão, que conheciam o apelido catalão Colom, procederam de maneira idêntica e apenas adotaram a forma Colón a partir das Capitulações …”

 

A versão castelhana do relato foi também parcialmente reproduzida em Sevilha. Roma foi o grande centro difusor pela Europa. Ali se publicaram nove edições em latim ainda no ano 1493 e mais uma no ano seguinte.

À tradução para latim da autoria de Aliander de Cosco publicada em Roma por Stephanus Planck em 29 de Abril de 1493, não faltaram algumas imprecisões. Mas o mais influente e nefasto contributo para estabelecer a confusão que tem perdurado por cinco séculos foi dado pelo Bispo de Montepeloso, R.L. Corbaria, no epigrama laudatório aposto no final da tradução. O nome do descobridor, que na edição de Barcelona já fora escrito Colom, que significa pombo, foi traduzido para latim, transformando-se assim em Columbo:

«Carta de Cristóbal Colom, a quem é muito devedora a nossa época, pelas ilhas da Índia, achadas há pouco sobre o Ganges, e a cuja conquista tinha sido enviado fez oito meses, a expensas dos invictíssimos Reis das Espanhas, Fernando e Isabel; dirigida ao magnífico Sr. Rafael Sanchez, tesoureiro dos mesmos sereníssimos monarcas e traduzida do espanhol para latim pelo generoso e literato Leandro de Cozco em 29 de Abril de 1493, primeiro ano do Pontificado de Alexandre VI.

(…)

Tais são os acontecimentos que descrevi resumidamente. A Deus.

Em Lisboa a catorze de Março

Cristóbal Colom, Almirante da Armada do Oceano.»

 

«Epigrama de R.L. de Corbaria, Bispo de Montepeloso, ao Invictíssimo rei das Espanhas

Já não resta a Espanha terra alguma onde o seu esclarecido estandarte não ondule e triunfe (…)

Ao imortal Columbo louvor eterno e recordação de um povo agradecido. (…)»

(Tradução livre a partir da versão castelhana, in NAVARRETE, Martin Fernandez de – Coleccion de los viajes y descubrimientos que hicieran por mar los españoles. Tomo I. Segunda edición. Madrid: Imprenta Nacional, 1853. Págs.314-345)

 

Acontecimentos subsequentes:

Os Reis Católicos tinham entretanto movimentado as suas influências junto do Papa para que lhes concedesse o direito às terras alcançadas pelo Almirante, o que veio a acontecer por meio de duas Bulas, datadas de 3 Maio e 4 de Maio (que se crê antedatada). Em ambas as Bulas, em latim o nome do descobridor é escrito Colon

A primeira Bula contribuía para estabelecer um forte clima de tensão entre Portugal e os Reinos de Espanha, já preparado por D. João II quando comunicou a Colon que aquelas terras descobertas lhe pertenciam e se oficializou com a carta que o Rei de Portugal enviou a Fernando de Aragão no mesmo dia em que era emitida a Bula. Nessa carta, D. João II alertava já que ia enviar como embaixador Rui de Sande com mais desenvolvidos argumentos sobre as pretensões portuguesas, como atrás se viu.

A paragem e a demora do Almirante em Lisboa suscitara também suspeitas e dúvidas em muitos na corte dos Reis Católicos, pelo que após terem recebido a carta do Rei português e ouvido o que lhes comunicou Rui de Sande não perderam tempo a escrever a D. João II exigindo que este mandasse apregoar no reino que as caravelas e navios portugueses não fossem às terras achadas por Colon.

Essa carta trazida por Elycius de Ferreira dá origem à imediata resposta de D. João II a 23 de Maio, carta na qual o Rei de Portugal se refere ao descobridor como dom Christovam Colombo, vosso almirante, sugerindo que as partes assentem e definam os limites das terras que cabem a cada Reino.

Não se conhece nenhum documento em Portugal onde esteja inscrito o nome do navegador antes daquela carta enviada por D. João II em 1488, na qual lhe chamou Cristovam Colon, sendo assim impossível determinar se já usaria chamar-se Colombo.

Como se conclui da cronologia, havia já mais de um mês que se enviavam cartas e quase um mês que circulavam os impressos com os nomes Colomba, Columbo ou Colombo, pelo que este facto terá sido determinante para que D. João II procurasse afastar a incómoda suspeição que já pairava sobre a vinda do Almirante a Lisboa no regresso da viagem. Nada melhor do que aproveitar a onda do nome italiano que emergia: Christovam Colombo!

terça-feira, 25 de janeiro de 2022

Colombo genovês, o tio errado # 31 ('Prova' 50)

{50} - págs. 258/9:

E por que motivo a 21.IV.1493 Jacopo Trotti, conselheiro do duque Hércules I de Este, transmitiu a este uma missiva recebida de seu irmão Aníbal Zennaro, escrita em Barcelona a 9.III.1493, em que este lhe comunicava o regresso das Antilhas da frota armada pelos Reis Católicos "a rogos de um chamado Colomba" {50}

 ACC:

Mais um magnífico exemplo do “rigorosíssimo critério” aplicado pelos genovistas na listagem de afirmações que nos atiram como provas da genovesidade do Almirante Colon.

Desta feita o Prof. Thomaz terá desencantado esta ‘prova’ na Raccolta – Parte III -Vol. I. Págs.141-142.

Esqueceu-se o Prof. Thomaz, porém, de confrontar a data apontada para a missiva de Aniballe Zennaro com os factos nela descritos.

Na verdade, o Almirante Colon chegou a Lisboa em 4 de Março e de Lisboa enviou para Barcelona a carta a Luís de Santángel. Efectivamente uma carta e uma adenda. Carta datada de 15 de Fevereiro “escrita na caravela sobre as ilhas das Canárias” – estando porém o Almirante nos Açores conforme consta no Diário. Adenda qua aponta para ter sido “escrita no dia da chegada a Lisboa”, mas cuja cópia paleográfica mostra a data de 14, tal como a versão impressa – estando o Almirante já em viagem no mar neste dia. Não existem assim certezas quanto à data da expedição da carta.

Ora esta carta, enviada de Lisboa quer fosse a 4 quer a 14 de Março, não poderia ter chegado ao destinatário em Barcelona sem tempo suficiente para percorrer essa distância ou antes de ter sido expedida, de forma que no dia 9 de Março Aniballe Zennaro escrevesse ao seu irmão a informar que:

“…uno ditto il Colomba …  dicto Collomba è retornato in dreto, et ha preso terra in Lisbona, et ha scripto questo a questo signore re; et dicto signore re gli ha scripto che subito vengha qua. io credo haverò copia de la littera quale epso ha scripto, et ve la mandarò …”

Ou seja, que:

o tal dito Collomba chegou a Lisboa e escreveu a este Rei [Fernando o Católico] e o Rei escreveu-lhe que venha depressa …

Portanto a carta de Aniballe Zennaro não pode ter sido escrita em 9 de Março, mas talvez em 9 de Abril.

Assim, em 9 de Abril, ainda o Almirante não tinha chegado a Barcelona para se encontrar com os Reis Católicos tal como estes lhe tinham ordenado e já os ecos da sua carta recebida pelos altos funcionários da Corte se propagavam de casa senhorial em casa senhorial e alcançavam também os grandes senhores e os mercadores da península itálica, deturpando o nome Christoval Colon que o identificava em Castela.

Por incrível que pareça, não há conhecimento de que alguma carta com esta notícia tenha sido enviada de Barcelona ou de algum outro lugar para Génova.

Por mais incrível que pareça, nem os ‘muitos da nação genovesa’ que habitavam em Lisboa terão exultado com o regresso do “seu compatriota Colombo” nem se apressaram a escrever para a República pátria. Nem se apressaram nem nunca o fizeram que tenha deixado rasto.

Seria tal o desconhecimento geral sobre o Almirante que, depois de nessa carta ao Duque de Ferrara, Jacobo Trotti se ter limitado a transcrever a missiva recebida, não de seu irmão como escreve o Prof. Thomaz, mas sim do irmão de Aniballe Zennaro o qual era Embaixador do Sacro Império em Milão, numa segunda carta ao mesmo Duque de Ferrara, Jacobo Trotti escreveu:

«Al mio illustrissimo signore il signore duca de Ferrara &c.

Scripssi a'dì passati a la vostra excellentia de quelle insole extranee trovate per quel Spagnolo, navicando, et li mandai la copia de una littera la quale me respondete che, se intendeva altro, gli ne desse adviso,…

Mediolani, .x. mai .1493.

Excellentie vestre servus

Iacobus Trottus.»

 Portanto, o tal dito Collomba da primeira carta era agora aquele Espanhol.

Mas Aniballe Zennaro não foi o único a enviar as notícias desde Barcelona. Em 31 de Março, logo depois de ali ter sido recebida a carta enviada pelo Almirante, já era remetida para Roma, dirigida ao seu Governador, que era na ocasião o Arcebispo de Tarragona, o seguinte:

«Per questa faccio sapere ad V. Rev. S. che perseverando nostro Segnor Dio la bona fortuna de le soy Alteze, heri hanno recepute littere da uno che se dimanda Coloma, grandíssimo marinaro, nepote del grande Coloma de Francia, el qual mandarono soy Maiestate a con doy caravele verso la India.»

(in RUZZIN, Valentina – Tante cose se dicono que pareno incredebele – Lettera sulla scoperta dell’America. Atti   della Società Ligure de Storia Patria, nº LVI. Génova: 2016. Págs 329-343)

 Como se constata, o Almirante Colon era identificado com sendo um sobrinho do grande Coloma de França, ou seja do corsário Colombo-o-Velho (Guillaume de Caseneuve), tal como consta em relatos sobre o ataque corsário de 1485, que transcrevemos no contraditório à ‘Prova’ {25} e onde se inclui a seguinte notícia, que envolve Georges Bissipat, o Grego e um sobrinho de Colombo:

 Venezia, 17 settembre 1485.

[Bibliot. Marciana in Venezia, VII it. cccxxiii, Crónica de Venetia traduta de verbo ad verbum.]

"Del .1485. adi .17. settembrio vene nove a Venetia come era stade prese le galie del viazo de Fiandra de l’ andar in lá apreso .4. iornade a Fiandra da uno nevodo de Colombo e uno Zorzi Griego i qual era com .6. barche grose, i qual le haveva tegnude a mente e tristamente le prese, le qual iera mal armade de boni homeni, ch' el non iera pur homo che savese dar fuoco a una bombarda, fo de gram daño a Venitiani;"

Fica assim patente a razão pela qual o Almirante Colon era, nessa fase, por vezes designado por Coloma, Colomba ou Collomba.

segunda-feira, 24 de janeiro de 2022

Colombo genovês, o tio errado # 30 ('Provas' 48, 49)

´Prova' {48} – pág. 258:

E por que razão, logo a 19.III.1493, poucos dias após o regresso de Colombo da América, pediu o Duque ao Arcebispo Primaz de Toledo que, a título de compensação por ter tido Cristóbal Colomo em sua casa dois anos, assim evitando que ele fosse fazer o seu descobrimento por conta del-rei de França, receba licença para mandar todos os anos às terras por ele descobertas algumas das suas caravelas? {48}

 ACC:

Este documento é descrito por Martin Fernández de Navarrete, que indica estar o original no Arquivo de Simancas. O facto ou mesmo a simples possibilidade de a carta do Duque de Medinaceli se referir a Cristobal Colomo não pode ser encarado como uma prova de que o Almirante era o genovês Colombo.


´Prova' {49} – pág. 258:

 Por outro lado ainda: se, como afirmam os nossos cubistas, ele sempre se chamou Colón, por que motivo nenhum documento castelhano lhe chama assim antes das Capitulaciones de Santa Fé a 27.IV.1492? e por que motivo, logo em Fevereiro de 1493, o diarista Alegretto degli Alegretti, de Sena, ao registar a sua viagem, designa o descobridor da América por Cristoforo Colombo? {49}

 

ACC:

Antes das Capitulaciones de Santa Fé os únicos documentos castelhanos conhecidos, que se limitam a quatro relações de pagamentos e uma cédula real, tratá-lo-iam por Cristobal Colomo, o que pode ter acontecido por deturpação ou má percepção do nome que usava, até para se conformar com o género masculino pois, como salienta o Prof. Thomaz, não existia em castelhano.

Note-se que nenhum desses documentos se destina ao próprio Colon. Todos eles são apenas inscritos em registos de pagamentos ou dirigidos a outras pessoas, sem que Colon tivesse forma de se aperceber de qual o nome escrito.

Esses documentos são descritos por Martin Fernández de Navarrete, que indica ter sido Don Tomás Gonzalez, do Conselho de Sua Majestade, quem em 15 de Novembro de 1824 transcreveu esses registos do Arquivo de Simancas. Não se trata dos documentos originais, os quais foram, no entanto, publicados em fac-simile por António Rumeu de Armas.

Não se pode ignorar, por outro lado, que o Rei D. João II escreveu para Sevilha em carta datada de 20 de Março de 1488, endereçada a Cristovam Colon. Tendo essa carta chegado ao destinatário, como se comprova pela vinda de Colon a Portugal na sua sequência, e tendo os documentos castelhanos desde as Capitulaciones e mesmo as Bulas Papais registado o nome Colon, torna-se evidente que era este o nome usado pelo navegador.

Quanto ao registo do diarista de Sena, apenas se pode classificar como impressionante. Na verdade, duplamente impressionante!

Por um lado, a argúcia do Prof. Thomaz que lhe permitiu elencar mais esta pérola do argumentário genovista.

Por outro lado, a capacidade premonitória do diarista, que lhe permitiu antever, um mês antes de ter sido revelado, o desfecho da viagem do Almirante.

Não deixam de nos surpreender os genovistas mais inveterados.

Como poderia o diarista de Siena publicar em Fevereiro de 1493 a notícia sobre a descoberta das novas terras, levada pelo embaixador genovês em Barcelona se o Almirante só chegou a Lisboa em 4 de Março, só escreveu para a corte em Barcelona no dia da chegada e pode ter remetido a carta mais tarde, só regressou a Palos de la Frontera a 15 de Março e só chegou a Barcelona em finais de Abril, tendo a sua carta sido recebida em Barcelona no dia 30 de Março?

E o teor da notícia, escrita apenas com referência ao ano 1493, inserida aleatoriamente e sem ordenação cronológica rigorosa entre um registo de 13 de Junho e um de fim de Maio, num conjunto de efemérides dos anos 1450 a 1496 preparado, segundo prefácio de Muratori, antes de 1500, é o seguinte, onde o diarista indica como teve dela conhecimento – e não é verdade que tenha sido pelo Embaixador genovês em Barcelona:  

“Quest’Anno il Re di Spagna ha trovate molte isole di nuovo, cioè in Canaria, oltre alle Colonne d’Ercole, nelle quali il suo Capitano Cristoforo Colombo Capitano delle Galere ha trovato di varie generazione d’huomini com diversi costumi; … E questo abbiamo per più Lettere de’ nostri Mercatanti di Spagna, e a bocca da più Persone. … “

Ou seja:

“Nesse ano, o Rei de Espanha encontrou muitas ilhas de novo, isto é nas Canárias, outras nas colunas de Hércules, nas quais o seu capitão Cristoforo Colombo, comandante das galeras, encontrou vários tipos de homens com diferentes costumes; ... E isto soubemos por várias cartas de Mercadores nossos em Espanha, e pela boca de mais pessoas. …”

(Diarj scritti da Allegretto Allegretti delle cose sanesi del suo tempo in MURATORI, Ludovico - Rerum italicarum scriptores, Vol. XXIII, 1733, pág. 827)

Portanto, quando o diarista escreveu as suas efemérides, o que terá acontecido entre 1497 e 1500, já o nome do navegador tinha sido deturpado para Colombo.

domingo, 23 de janeiro de 2022

Colombo genovês, o tio errado # 29 ('Prova' 47)

'Prova' {47} – pág. 258: 

Por outro lado: se o Cristóbal Colomo dos pagamentos não era o futuro descobridor, por que motivo quando em 1489 Isabel a Católica, na sequência de uma diligência do Duque de Medinaceli, mandou chamar Colombo a Córdova, ordenou aos concelhos, justiças, regedores, cavaleiros, escudeiros, oficiais e homens bons de todas as vilas e lugares de seus reinos que aposentem Christoual Colomo, quando for a tratar de algunas cosas cumplideras a nuestro servicio? {47}


ACC:

Numa manobra tentativa de diversão, o Prof. Thomaz procura confundir o leitor com uma pergunta traiçoeira. Obviamente que o Cristóbal Colomo, sendo esse o nome nos pagamentos, viria a ser o futuro descobridor. Mas antecedendo esta pergunta, o Prof. Thomaz tinha preparado a armadilha, colocando outra questão: “Se era Cristóvão Colombo na folha de pagamentos o português de nome em branco, quem era o Cristóbal Colomo das outras verbas?”

Tentou assim o Prof. Thomaz fazer crer que o português que estava no Real de Málaga não era o mesmo Cristóbal Colomo que recebeu um pagamento para se deslocar ao Real de Málaga e que viria a ser o Almirante Christoval Colon.

Faltou também ao Prof. Thomaz justificar a sua afirmação de que foi uma diligência do Duque de Medinaceli a dar origem à convocação para o futuro Almirante ir a Córdova e faltou-lhe descrever um pouco mais completamente a cédula de 1489 dos Reis Católicos, e não apenas da Rainha Isabel, pois é bem elucidativa:

“El Rey é la Reina: Concejos, Justicias, Regidores, Caballeros, Escuderos, Oficiales, é Homes-Buenos de todas las Ciudades, é Villas, é Lugares de los nuestros Reinos é Señorios: Cristobal Colomo ha de venir á esta nuestra Corte, é á otras partes é logares destos dichos nuestros Reinos, á entender en algunas cosas cumplideras á nuestro servicio… Córdoba é doce de Mayo de ochenta y nueve años…”

Como se pode ler, a cédula tem data de 12 de Maio de 1489, ou seja, poucos meses depois de Cristóvão Colon ter participado na reunião em que Bartolomeu Dias relatou ao Rei D. João II os resultados da sua viagem bem-sucedida com a dobragem do Cabo da Boa Esperança, e que decorreu em Dezembro de 1488 em Beja, onde o Rei se manteve até Junho. É provável que Colon estivesse então para regressar a Castela, desejoso por mostrar mais uma vez aos Reis Católicos que fazia sentido tentar chegar à Índia pelo Ocidente pois os portugueses já tinham conseguido contornar África.

De qualquer forma, o facto de a cédula dos Reis Católicos se referir a Cristobal Colomo não pode ser encarado como uma prova de que o futuro Almirante era o genovês Colombo.

sexta-feira, 21 de janeiro de 2022

Colombo genovês, o tio errado - # 28 ('Prova' 46)

 {46} - pág. 252:

Tem-se a impressão de que a metonomásia do descobridor em potência não terá tido lugar imediatamente, no momento da mudança para Castela, mas a pouco e pouco. De facto, nos raros documentos castelhanos anteriores às Capitulaciones de Santa Fé, de Abril de 1492, que nos chegaram ocorre sempre a forma intermédia Colomo;

 

ACC:

A designação Colomo terá ocorrido nalguns poucos documentos castelhanos, nomeadamente em relações de pagamentos e na carta do Duque de Medinaceli.

Mas o mais relevante no desenvolvido texto do Prof. Thomaz sobre estas relações de pagamentos, é que transcreve o primeiro do total de quatro, datado de 5 Maio 1487, dizendo que os outros são idênticos pelo que basta citar um. (pág. 252)

Com essa habilidade, o Prof. Thomaz monta um expediente que lhe permite seguidamente negar que Colon tenha sido chamado de “portugués” num desses registos.

Na verdade, esses quatro registos de pagamento são muito semelhantes, mas aquele que está datado de 27 Agosto 1487 tem a particularidade de especificar que os quatro mil maravedies lhe são entregues para “ir al Real”. O Real era o acampamento régio, corte itinerante, que se encontrava nessa altura em Málaga, como Navarrete indica na publicação do documento.

Só na pág. 254 é que o Prof. Thomaz refere que o pagamento de 27 de Agosto é dos mais significativos, pois é feito para que Colombo (sic) se desloque ao Real de Málaga. Na verdade, o nome que constaria no documento é Colomo.

Segue-se no livro mais um desenvolvido texto sobre as moedas em curso e o seu valor equivalente em ouro e só na página 256 é que o Prof. Thomaz argumenta que o facto de haver um pagamento a um português anónimo (datado de 18 Outubro 1487) é uma pescadinha de rabo-na-boca dizendo, talvez sarcasticamente, que

“prova-se que Colombo era considerado português porque há um pagamento a um anónimo que é qualificado de português; e prova-se que o português anónimo era Colombo … porque o anónimo é qualificado de português”

Para que o sarcasmo do Prof. Thomaz não deslustre o seu prestígio, transcrevemos os dois registos em causa:

1487-08-27 – “En 27 de dicho mes di a Cristóbal Colomo cuatro mil maravedís para ir al Real [de Málaga] por mandado de Sus Altezas; por cédula del obispo. Son siete mil maravedís, con tres mil que se le mandaron, para ayuda de su costa, por otra partida de 3 de julio.”

1487-10-18 – “Dj mas a [espaço em branco], portugues, este dia treynta doblas castellanas, que Su Altesa le mando dar presente el dotor de Talauera; dioselas por mj Alonso de Qujntanjlla; este es el portogues que estaua en el Real; esto fue a la partida de Linares, et su altesa me lo mando en persona …”

Faltou ao Prof. Thomaz olhar seriamente para os dois registos, em lugar de tentar ocultar a relação entre eles. Cristóbal Colomo recebeu quatro mil maravedis no dia 27 Agosto expressamente para ir ao Real de Málaga e o português que recebeu as trinta dobras em 18 Outubro era aquele que tinha estado no Real de Málaga.

Como o Prof. Thomaz fez questão de registar o valor das moedas e cada dobra castelhana valia 480 maravedis, então o pagamento de 18 de Outubro foi equivalente a 14400 maravedis, valor bastante superior ao dos outros pagamentos feitos ao designado Colomo. Tal soma poderia ser paga a um qualquer anónimo, fosse ele português ou de outra nacionalidade?

O facto de o nome ter sido ou deixado por preencher ou raspado, apenas permite admitir que o pagador ou não sabia o nome se ficou o espaço, ou que se pretendeu ocultar o nome daquele português que tinha estado no Real, se foi raspado depois de escrito. Note-se que este português não acompanhava a Corte, senão não teria sido designado da forma que foi, mas esteve em Málaga. Colon também não acompanhava a Corte, mas recebeu um pagamento expressamente para se deslocar a Málaga.

Compraz-se ainda o Prof. Thomaz a refutar que ‘el dotor Talavera’ fosse Frei Hernando de Talavera, Presidente da Junta de Letrados, mas sim que era o Dr. Rodrigo Maldonado de Talavera, membro do Conselho Régio, rebatendo assim a possível associação daquele pagamento à apresentação do projecto de Colon à Junta de Letrados, acrescentando:

“ainda que, por hipótese, tivesse sido feito a mando de Frei Hernando de Talavera, bastaria isso para provar que o pagamento foi feito a Colombo?”

“Teriam então os Reis deputado um homem da craveira do primeiro arcebispo de Granada devolvida à cristandade apenas para apajear um estrangeiro desconhecido, pobre e mal vestido, que por ali aparecera com a idéia peregrina de alcançar as Índias pelas traseiras do Globo?”

Na verdade não foi à Junta de Letrados, presidida por Frei Hernando de Talavera, então recentemente nomeado Bispo de Ávila, pois só foi nomeado Arcebispo de Granada em 1493, que Cristóvão Colon, e não um qualquer estrangeiro desconhecido pobre e mal vestido, esse sim o tal Colombo genovês a quem o Prof. Thomaz chama tio, apresentou por mais do que uma vez, o seu projecto?

Acrescenta o Prof. Thomaz (pág. 253) que esta forma Colomo resulta provavelmente do apelido ter sido interpretado como sendo a forma masculina do nome castelhano de Santa Coloma e que embora a forma colomo não esteja atestada em castelhano nem como substantivo nem como antropónimo, em catalão existe o termo colom, que, como seria de esperar, significa “pombo”, e que, à semelhança do italiano colombo ou do português pombo, facilmente se pode tornar apelido.

A esta questão onomástica nos referiremos oportunamente, quando se abordar a carta de Colon a Santángel quando chegou a Lisboa.