terça-feira, 21 de dezembro de 2021

Colombo genovês, o tio errado #17 ('Prova' 31)

 

'Prova' {31} - pág. 161:

O que Colombo diz das enormes marés que na zona (ultra Tile) se registavam corresponde ao natural espanto de um homem do Mediterrâneo, onde a sua amplitude se escalona entre os 20 e os 50 cm, consoante os lugares - e coaduna-se assim inteiramente com a origem genovesa do futuro achador do Novo Mundo.

 

ACC:

O Prof. Thomaz reproduz na pág. 160 o texto que afirma estar anotado num escólio à margem do exemplar da Historia Rerum … de Eneas Sílvio. No entanto, em nenhuma das 861 anotações autógrafas do Almirante na Historia Rerum, publicadas na Raccolta, se encontra esse texto. Tal como não se encontra em nenhuma das 898 anotações autógrafas no Tratado Imago Mundi, de Pierre d’Ailly, nem em nenhuma das 366 anotações no Livro ‘Viagens’ de Marco Polo, nem nas 24 na Historia de Plínio, tampouco nas 436 no Vidas Paralelas, de Plutarco. Não consta assim de nenhuma anotação autógrafa publicada, mas é mencionado por Hernando Colon, no capítulo IV da Historie, como tendo sido visto numa memória ou anotação de seu pai, sendo repetido por Las Casas.

D. Hernando pode ter ou não trocado a unidade de medida, substituindo pés por braças. Se fossem pés, então a amplitude daquelas marés seria efectivamente idêntica às máximas amplitudes observadas no planeta, de 16,3 metros.

Se D. Hernando, porém, escreveu correctamente a unidade, certamente que o Almirante exagerou, o que não era raro, ao referir a amplitude das marés que presenciou. Mesmo que ele fosse um homem do Mediterrâneo como crê o autor, sabe-se que navegou no Atlântico nos navios dos descobrimentos, e as marés atlânticas são incomparavelmente de maior amplitude que as mediterrânicas. Como tal, quem só tiver observado as minúsculas marés mediterrânicas fica admirado com marés relativamente grandes no Atlântico. Mas quem já estiver familiarizado com estas, será levado a ficar espantado e a exagerar a amplitude de outras ainda maiores como as que terá visto o Almirante.

Fica por determinar até onde chegou a expedição mencionada na Historie por D. Hernando, embora o Prof. Thomaz se esmere na tentativa de apoucar o relatado. Presume que se trata da mesma expedição comercial armada em Génova em Dezembro de 1476 com destino às Ilhas Britânicas e assim conclui (pág.160) que:

“Uma vez que para lá da Islândia não havia praticamente terra alguma povoada com que se pudesse traficar, não se compreende porque razão andaria uma expedição comercial e não de exploração geográfica a fazer cem léguas mais além, em pleno inverno … É verdade que a 73º N e a c. 100 léguas para lá da Islândia se situa um ponto da costa da Gronelândia; não se vê razão para que o objectivo de uma viagem de comércio fosse a Gronelândia, ao tempo apenas povoada de esquimós.”

 Embora aflore o tema, o Prof. Thomaz rapidamente descarta a hipótese de se ter tratado efectivamente de uma expedição de exploração geográfica, desvalorizando relatos e crónicas que mencionam uma expedição luso-dinamarquesa promovida pelo rei Cristiano I da Dinamarca por solicitação do rei português D. Afonso V, comandada por Johannes Scolvus e que se iniciou em 1476.

Amarrado à narrativa do envolvimento do seu Colombo nos navios genoveses atacados em 1476, o Prof. Thomaz efabula os acontecimentos que se seguiram de modo a tentar manter de pé a sua história, o que o leva a desprezar outros factos que melhor se adequam e melhor reflectem a realidade.

segunda-feira, 20 de dezembro de 2021

Colombo genovês, o tio errado #16 ('Provas' 29, 30)

'Provas' {29} e {30} - pág. 158:

Cristóvão Colombo viera para Portugal em 1476, nas circunstâncias fortuitas que há pouco vimos. Só não resulta claro se se fixou em Lisboa por seu irmão Bartolomeu aí residir já ao tempo, exercendo o mester de cartógrafo. Assim o afirmam tanto Bartolomeu Senarega como Agostino Giustiniani {29}, aparentemente na trilha de Antonio Gallo, notário em Génova entre c. 1491 e 1510 e chanceler do Uffício di San Giorgio, a quem, além de três comentários sobre história genovesa, se deve um Comentariolus datado de 1506 sobre a descoberta da América {30}

 

ACC:

Uma frase do próprio Almirante Colon, em que diz que andou 14 anos a servir esse rei (D. João II), demonstra que tal aconteceu desde c. 1471, pois em 1485 foi para Castela.

O que vimos, em {25} foi que a chegada do Almirante a Portugal em 1476 não é senão a deturpação propositada do que foi escrito por D. Hernando Colón, de forma a fazer crer que ele se enganou na batalha naval ao situá-la num período que corresponde a 1485. Deturpa-se e insiste-se em 1476 para conseguir encaixar Colombo em navios genoveses.

Pois se Bartolomeo Senarega e Agostino Giustiniani afirmam que Bartolomeu, irmão do Cristoforo, já residia em Lisboa quando Cristoforo aí se fixou, estão ambos errados e é o próprio D. Hernando que o afirma, dizendo que Giustiniani mentiu, pois o Almirante já ali habitava antes e ensinou tudo ao irmão:

La prima adunque è, che l'Ammiraglio andò a Lisbona ad imparare la cosmografia da un suo fratello che quivi aveva: il che è il contrario, perché egli abitava in quella città avanti, ed insegnò al fratello quel che quegli seppe.

O Prof. Thomaz admite que:

“recentemente foi encontrado nos Arquivos notariais de Valência um contrato de 23.VIII.1479 pelo qual um tal “Bartolomeo Colom”, genovês, é recebido como aprendiz de Antonio di Piero, mestre tecelão de seda florentino residente em Valência, por cinco anos … é bem possível que se trate do irmão do nosso Cristóvão; mas isso não impediria que antes ou depois de ir residir em Valência tenha morado em Lisboa. A priori, o percurso mais lógico seria dedicar-se primeiro ao mister tradicional da família em Valência e reconverter-se em seguida à cartografia em Lisboa, onde a sua presença apenas está atestada c. 1485, quando Cristóvão o enviou a Inglaterra, a oferecer a Henrique VII o seu projecto de descobrimento”

 

Portanto, o autor aceita que pode tratar-se do irmão do Cristoforo Colombo aquele Bartolomeo genovês que foi para Valência. Já lhe será mais difícil demonstrar que este tecelão Bartolomeo Colom era o irmão do Almirante. De facto, após cinco anos de aprendizagem na arte de confeccionar damascos, o Bartolomeu teria vindo direitinho para Lisboa e logo de seguida enviado como emissário de alto estatuto para fazer uma proposta a Henrique VII.

Na realidade este Bartolomeo Colom genovês, aprendiz em Valência, não sendo o irmão do Almirante pode também não ser o irmão de Cristoforo, pois o Bartolomeo Colombo, filho de Domenico, consta numa procuração feita por seu pai em 16.VI.1480 em Savona (Raccolta Colombiana, Parte II, Vol. I, doc. LXV). Estando em Valência na aprendizagem  de confecção de damascos, não poderia estar ao mesmo tempo em Savona para ser procurador de seu pai.

D. Hernando terá, obviamente, razão pois quer a correspondência do Almirante com Toscanelli, que se pode datar de 1474-1475, quer uma carta do Almirante ao Rei Fernando o Católico (de que o Autor reproduz um extracto em {25}, em que ele afirma que durante 14 anos andou a tentar que o Rei D. João II concordasse com o que dizia), e que conduz até 1471, demonstram que o Almirante vivia em Portugal bem antes de qualquer data atribuída pelas diferentes visões genovistas.

domingo, 19 de dezembro de 2021

Colombo genovês, o tio errado #15 ('Provas' 27, 28)

'Provas' {27} e {28} - pág. 157:

Os legados constam igualmente da cópia autenticada existente no arquivo dos Duques de Verágua, publicada por Navarrete. Seja como for, D. Diego Colón sentiu-se moralmente obrigado a satisfazer os legados estabelecidos por seu progenitor; e como não o fizera no primeiro testamento, encomendou genericamente a seus herdeiros que o fizessem. E, como catorze anos depois continuava vivo mas não se lembrara ainda de pagar a maioria deles, num segundo testamento feito em Santo Domingo em 8.IX.1523, volta a encomendar a seus herdeiros que satisfaçam os legados, explicitando {28}:

Primeramente a los herederos de Geronimo del Puerto... Antonio Tobaço... herederos de Luís Centurión e Secondo ... herederos de Paulo de Negrón ... 

 

ACC:

Pelo teor do memorial na sua versão completa, que é reproduzida na pág. 156 do livro, não é nada evidente que se trate de pequenas dívidas de Cristóvão Colombo para com a família dos seus antigos patrões.

Com efeito inicia-se assim:

Relación de ciertas personas a quien yo quiero que se den de mis bienes, sin que se le quite cosa alguna d’ello. Hásele de dar en tal forma que no se sepa quién se las manda dar:

E num outro item:

A un judio que morava a la puerta de la judería en Lisboa, o a quien mandare un sacerdote, el valor de médio marco.


Não é evidente, nem demonstrável, que os destinatários fossem da família de antigos patrões de Cristóvão Colombo, simplesmente porque não se conhece nenhuma prova documental sobre essa relação de dependência laboral.

Até aqui, essa alegada dependência laboral, foi invocada pelo autor na pág. 147, a propósito da expedição a Xío:

“Outra hipótese é ter partido na expedição imediata, que largou de Génova em Setembro seguinte, transportando reforços para a ilha, ameaçada pelos Otomanos. Nesta se integrou um navio de Paolo di Negro, de que Colombo seria mais tarde agente em Lisboa, e outro de Nicoló Spinola, talvez o mesmo a cujo bordo viajaria Colombo no ano imediato, quando adergou naufragar ao largo do Cabo S. Vicente e assim aterrar em Portugal; daí que nos pareça ser mais provável que tenha tomado parte nesta segunda expedição, já como agente destes seus patrões.

É, de facto, provável que o jovem Cristóvão estivesse já em 1474-75 ao serviço daquelas firmas, pois data de 1472 o último documento conhecido que o classifica de laneiro.”

 

Alude assim a Paolo di Negro, de quem um Cristoforo Colombo seria mais tarde agente enviado à Madeira, baseando-se no chamado Documento Assereto, altamente duvidoso e que se abordará oportunamente no lugar respectivo {32}; e a Nicoló Spinola, cuja hipotética relação com o Almirante só existe na interpretação especulativa do autor, como se mostrou anteriormente.

As quantias a entregar são referidas na moeda Ducado, à excepção do meio marco de prata. O Ducado era uma das moedas de Castela, onde o Almirante faleceu e onde teria escrito esse Memorial dos Pagos.

No entanto, algumas quantias são referidas primeiramente em Reais de Portugal, depois convertidos para Ducados.

A generalidade dos personagens a quem o Almirante manda entregar as quantias está referenciada a Lisboa.

Um dos personagens em Lisboa está inclusivamente referenciado cronologicamente a 1482.

Tudo parece apontar, portanto, para situações ocorridas em Lisboa/Portugal antes da ida para Castela. A data de 1482 aponta para o período em que o Almirante navegava para a Mina e Guiné.

Naturalmente que quase todos os legados poderiam corresponder a dívidas contraídas, exceptuando o destinado ao judeu ou a quem mandasse um sacerdote.

A principal questão que se suscita porque é que o Almirante não queria que se soubesse quem mandava dar essas quantias se eram dívidas que Cristoforo Colombo não tinha pago?

Não haveria motivos para que o Almirante, se fosse ele o autor das frases insertas no alegado Mayorazgo de 1498 que o transformam num Cristoforo Colombo cidadão natural de Génova e circulando já notícias sobre as origens humildes deste personagem, escondesse neste memorial que estava a honrar as suas dívidas.

Pelo contrário, não tendo sido o Almirante o autor do Mayorazgo (na versão que se conhece), nem tendo nenhuma relação com a família que lhe inventaram, poderia ter fortes razões para não revelar.

Porque quem tinha contraído essas dívidas não era Cristoforo Colombo! Era o navegador X que mais tarde veio a ser o Almirante.

E o Almirante queria continuar a manter a sua verdadeira identidade em segredo! O que terminaria se mandasse pagar as dívidas do navegador X.

sábado, 18 de dezembro de 2021

Colombo genovês, o tio errado #14 ('Prova' 26)

 

'Prova' {26} - pág. 155:

Mas se o futuro descobridor só chegou a Portugal nesta batalha (1476) porque deixou ele em codicilos apensos ao seu último testamento, exarado na antevéspera da sua morte, legados a favor de dosi genoveses da frota de 1476 que provavelmente o ajudaram a salvar-se ou a instalar-se em Lisboa, Paolo di Negro, irmão de Gian António di Negro, comandante da galeaça Bettinella, e Battista Spínola, filho de Nicolò Spínola, comandante de um barinel da mesma frota?


ACC:

Se, tal como Hernando Colón relata, o milagroso salvamento a nado nas águas do Cabo de S. Vicente ocorreu em sequência da batalha naval de 1485 entre a armada corsária a que pertencia o Almirante e quatro galeras venezianas, não há nenhum envolvimento desses genoveses citados pelo autor.

Se, pelo contrário, tivesse ocorrido em 1476 como defendem o Prof. Thomaz e os genovistas, ninguém o ajudou a salvar-se, pois o filho relata que nadou duas léguas até alcançar terra, agarrando-se por vezes a um remo.

Ora nessa refrega de 1476, arderam as embarcações genovesas de Nicoló Spinola e de Teramo Squarciafico, bem como a urca flamenga Bechalla. As duas outras embarcações genovesas, ou seja, as galeaças de Gioffredo Spinola e de Gian Antonio di Negro conseguiram fugir para Cádiz. Como poderiam então ter ajudado o Almirante a salvar-se se este chegou a nado até à costa portuguesa e depois se dirigiu para Lisboa, segundo o relato do filho e as referidas galeaças integraram nova expedição comercial genovesa em Dezembro, com destino às Ilhas Britânicas, retomando a expedição desastrosamente interrompida em Agosto? (conforme THOMAZ, L.F. Op. Cit., pág. 160).

Os legados não têm, portanto, nenhuma relação com alegada ajuda para salvar-se ou instalar-se em Lisboa.

Todas as pessoas referidas, menos uma, que não se sabe, viviam em Portugal, tal como Colon.

Quanto ao facto de serem destinados a dois genoveses, é um aspecto que se aborda seguidamente em {27} e {28}.

sexta-feira, 17 de dezembro de 2021

Colombo genovês, o tio errado #13 ('Prova' 25)

'Prova'  {25} - pág. 149:

A aterragem fortuita de Colombo em Portugal pareceu a Bartolomé de las Casas ... um misteriosos desígnio: Dios nuestro Señor milagrosamente me enbió acá por que yo serviese a Vuestra Alteza; dixe milagrosamente porque fui aportar a Portugal, adonde el rey de allí entendía en el descubrir más que otro; El le atajó la vista, oído y todos los sentidos, que en catorce años no le pude hazer entender lo que yo dixe. {25}


ACC: 

A frase que o autor escolheu como prova nº 25 do Colombo Genovês não apresenta efectivamente nada que o comprove. Já todo o contexto do capítulo em que se insere merece a maior atenção porque é bem representativo das deturpações que permitiram gizar a história oficial (págs. 149-155):

“É sabido que D. Hernando Colón, que Las Casas reproduz, narra em pormenor as circunstâncias inesperadas em que Colombo chegou a Portugal a nado, salvando-se da batalha naval do Cabo de S. Vicente. …

Seja como for, é óbvio que D. Hernando, e sobre as suas pegadas Las Casas, misturam duas coisas: por um lado a batalha de 13.VIII.1476 em que os navios franceses que tinham ido em socorro de Ceuta, sitiada pelos mouros, comandados por Guillaume Casenove ou Coulon le Vieux, travaram batalha com cinco vasos de comércio genoveses; por outro lado a batalha de 21.VIII.1485 em que uma frota francesa de sete navios, comandada por Jorge Paleólogo Bissipat, por alcunha Coulon le Jeune (ou Colombo o Moço) … atacou nas mesmas paragens algarvias uma urca flamenga e quatro galés venezianas. É evidente que não foi nesta segunda batalha, que se travou quando Cristóvão Colombo passara já sete anos em Portugal e estava aparentemente já de partida para Castela, que ele se salvou a nado, mas da primeira. Sabe-se aliás que foi em 1485 e não em 1476 que veio a Portugal o primeiro embaixador veneziano de que há notícia, Jerónimo Donato, a que H. Colón e Las Casas erroneamente aludem neste passo, colocando portanto a sua vinda em 1476. A mera análise interna da Vida do Almirante torna evidente um anacronismo de que D. Hernando se não parece ter apercebido: depois de no capítulo V, datar o combate de vicino al tempo nel quale Massimiliano, figliolo di Federico terzo imperatore fu eletto re dei Romani (o que teve lugar a 16.II.1486 e é portanto grosso modo contemporâneo da segunda batalha) afirma no capítulo XII que seu pai nel fine dell’anno 1483, col suo figliolino don Diego, si partí segretamente di Portogallo; teria, por conseguinte, deixado Portugal antes de aí ter chegado.” 

Insistindo na opinião oficial de que D. Hernando misturou e confundiu duas batalhas navais, o Prof. Thomaz vai mais longe e afirma:

 “Colombo vinha certamente a bordo da armada que o governo de Génova decidira organizar a 24 de Maio de 1476 (….) Sobre a batalha naval que se seguiu … nada achei que contradiga o testemunho de D. Hernando e de Bartolomeu de las Casas sobre o salvamento de Colombo a nado, nem qualquer nova razão para o pôr em dúvida, embora contenham o erro histórico que acabo de referir.(…) Nem um único dos quinze relatos da batalha naval de 13.VIII.1476 que compulsei alude de perto ou de longe nem à presença de Jorge Bissipat nem à de Cristóvão Colombo a bordo da armada francesa. (…) Aliás, imaginando que a batalha (de 1485) se travou entre franceses e venezianos, não podia logicamente dar o seu progenitor como embarcado num vaso genovês, já que na sua história não há genoveses em cena. (…) É certamente a bordo desta frota (genovesa), que como vimos incluía três vasos que haviam integrado a expedição a Xío em que participou Colombo, que este navegava. É impossível discernir se é propositadamente, para insistir no parentesco e amizade entre seu pai e Jorge Bissipat, se por mero equívoco, que D. Hernando o diz embarcado ao lado deste na armada corsária francesa … Com efeito, nem é provável que Jorge Bissipat tenha tomado parte na aventura de 1476, nem podia Cristóvão Colombo, recém-chegado de Xío, ter tido tempo para com ele ter entretanto “navegado longamente”; nem o próprio Bissipat deve ter começado a navegar muito antes dessa data, pois vimos já que é em 1475 que, pela primeira vez, é designado em documentos oficiais por capitaine de la nef du Roy.”

Veja-se, sinteticamente, o que disse D. Hernando sobre o episódio:

“Ma, tornando al principal proposito, dico che mentre in compagnia del detto Colombo giovane l'Ammiraglio navigava, il che fece lungamente, avvenne che intendendo che le dette quattro galee grosse veneziane tornavano di Fiandra, andarono a cercarle e le trovarono tra Lisbona e il capo di San Vincenzo, che è in Portogallo, dove venuti alle mani combattettero fieramente…” 

Ou seja, que o Almirante já navegava há bastante tempo com o corsário Colombo-o-Jovem e que atacaram quatro galeras venezianas que regressavam da Flandres, perto de Cabo S. Vicente e que: 

“ … che vicino al tempo nel quale Massimiliano, figliuolo di Federico terzo imperatore, fu eletto re dei Romani, fu mandato da Venezia in Portogallo ambasciatore Hieronimo Donato, acciò che in nome pubblico di quella Signoria rendesse grazie al re don Giovanni Secondo, perciocché tutta la ciurma e uomini di dette galee grosse, che tornavano di Fiandra, egli aveva vestiti e sovvenuti, dandogli aiuto con che potessero tornare a Venezia, dato che essi presso a Lisbona erano stati superati dal Colombo giovane, corsale famoso, che li aveva spogliati e messi in terra.”

 Cerca da altura em que Maximiliano, filho do Imperador Frederico III foi escolhido para Rei dos Romanos, foi enviado de Veneza a Portugal o embaixador Jerónimo Donato para agradecer ao Rei D. João II por este ter ajudado para que pudessem regressar a Veneza todos os que vinham nessas galeras porque tinham sido atacados e despojados pelo corsário Colombo-o-Jovem. 

Ou seja, o Almirante, e Colombo-o-Jovem atacaram quatro galeras venezianas na batalha naval de 1485, pois para essa data apontam a vinda do embaixador de Veneza e o facto do Rei ser já D. João II.

E qual a artimanha do Prof. Thomaz?

"Não pode ter sido 1485 porque nessa data já o Almirante cá estava há vários anos e que partira para Castela em 1483."

"Que D. Hernando se enganou na batalha, e que portanto foi em 1476 e não em 1485 que o Almirante esteve envolvido."

"Como foi em 1476 não foi o corsário Colombo-o-Jovem mas sim Colombo-o-Velho."

"Como não foi Colombo-o-Jovem, então o Almirante não acompanhava Colombo-o-Jovem."

"Como não acompanhava Colombo-o-Jovem nem acompanharia Colombo-o-Velho (porque D. Hernando não diz isso), então o Almirante não era corsário e vinha na frota genovesa."

"Só podia vir mesmo na frota genovesa porque tinha estado com a mesma no ano anterior em Xío" (o que, não passa de uma afirmação do autor, sem suporte)

 Diz ainda o Prof. Thomaz:

“Nem um único dos quinze relatos da batalha naval de 13.VIII.1476 que compulsei alude de perto ou de longe nem à presença de Jorge Bissipat nem à de Cristóvão Colombo a bordo da armada francesa.”

 O que é óbvio, pois D. Hernando relata a participação do pai na batalha de 1485. Se o Prof. Thomaz tivesse então compulsado documentos sobre este ataque corsário de 1485 teria encontrado o seguinte, que demonstra não só a participação de Jorge Bissipat nesse ataque, como também o envolvimento de um familiar:

Venezia, 20 agosto 1485.

[DOMENICO MALIPIERO, Annali veneti nell'Archivio storico italiano, vol, VII, par. II, pp.

621-22]

A .20. d'avosto, de notte, Colombo corsaro, el zovene, fio de Colombo corsaro, capetanio de sette nave francese armade, s' ha scontrá sora cao San Vincenzo, ne i mari di Spagna, in le quattro galeazze de Fiandra…

 Venezia, 21 agosto 1485.

[Bibliot. Marciana, V I I it. cccxxi, Cronaca Savina, c. 212]

Se havé anche in Venetia un altro notabil danno; erano uscide .4. galie per condur mercantie d' Inghilterra, delle qual era capitano Bortolamio Minio, le qual essendo carghe, et passando dal cavo di San Vicenzo, furono assaltate da un famoso corsaro chiamado Colombo el zovene con .7. nave ben armade,

1485.

[M. ANTONII COCCEI SABELLICI Rerum venetarum, decad. IV, lib.111]

Ad hec negocia de more exierant triremes quatuor: earum imperium penes Bartholomeum [Minium fuit. sed cum he Ibericum navigarent oceanum, Columbus iunior, Columbi pirate illustris, ut aiunt, nepos, cum septem navibus ad pugnam instructis, circa Sacrum promontorium, hodie Vincentii caput appellant, sub noctem factus est Véneto obvius.

 Venezia, 17 settembre 1485.

[Bibliot. Marciana in Venezia, VII it. cccxxm, Crónica de Venetia traduta de verbo ad verbum.]

Del .1485. adi .17. settembrio vene nove a Venetia come era stade prese le galie del viazo de Fiandra de 1' andar in lá apreso .4. iornade a Fiandra da uno nevodo de Colombo e uno Zorzi Griego i qual era com .6. barche grose, i qual le haveva tegnude a mente e tristamente le prese, le qual iera mal armade de boni homeni, ch' el non iera pur homo che savese dar fuoco a una bombarda, fo de gram daño a Venitiani;

O relato feito por D. Hernando terá algumas imprecisões, mas é tão detalhado e minucioso que não se pode colocar em dúvida que quis referir-se à batalha naval de 1485.

O Prof. Thomaz, tal como muitos outros autores, exclui a possibilidade de se tratar da batalha naval de 1485 por considerar que nessa data já o Almirante teria partido para Castela depois de ter vivido em Portugal vários anos.

Ora este acontecimento que D. Hernando presumiu corresponder ao surgimento do Almirante em Portugal, pode ter sido apenas uma atribulada chegada, mas não a primeira.

E a ida do Almirante para Castela em 1484 (o Prof. Thomaz indica 1483 mas isso deve-se a erro na versão da Historia del Almirante que terá consultado) não corresponde a uma partida definitiva. Com efeito, D. Hernando menciona 1484, várias testemunhas nos Pleitos Colombinos referem que o viram chegar com o filho em 1484, mas o Almirante, numa das suas apostilhas, indica que estava em Portugal em 1485, em data que se pode situar posterior a 11 de Março:

. . . quod . . . rex Portugalie misit in Guinea anno Domini .1485. magister Ihosepius, fixicus eius & astrologus, [ad com]piendum altitudinem solis in totta Guinea; qui omnia adinplevit, & renunciavit dito serenissimo regi, me presente, quod . . . alliis in die .xi. marcii invenit se distare ab equinoxiali gradus .v. minute in insula vocata " de los Ydolos," que est prope [sierrja Lioa. & hoc cum maxima diligencia procuravit. postea vero sepe ditus serenissimus rex misit in Guinea in alliis locis. postea . . . & semper invenit concordan com ipso magistro Iosepio, quare sertum habeo esse castrum Mine sub linea equinoxiali.

 (Raccolta Colombiana, Parte I, Vol. II, postile alla Historia de Pio II, nº 860).

 Pode assim, face à conjugação de documentos, admitir-se que o Almirante se deslocou a Castela com o filho em 1484, para o deixar com sua cunhada Briolanja Moniz, provavelmente porque Filipa Moniz tinha falecido, e regressou para Portugal, continuando a navegar com Colombo-o-Jovem até ao naufrágio do ataque naval de Agosto 1485, tendo posteriormente partido definitivamente para Castela.

Na frase, importante também são os 14 anos que o põem a viver em Portugal, segundo as suas próprias palavras, pelo menos desde cerca de 1471 e não a chegar em 1476, o que obviamente o Prof. Thomaz não analisa pois tem um método científico particular…

quinta-feira, 16 de dezembro de 2021

Colombo genovês, o tio errado #12 ('Prova' 24)

 'Prova' {24} - pág. 148:

Inversamente, cabe perguntar: se Colombo não era genovês, que andava ele a fazer em Xio? infringindo o estanco da almécega?

ACC:

Como o autor afirma na pág. 147:

“nenhum documento conhecido refere nominalmente a presença de Colombo em qualquer das duas expedições de 1474-75 sendo possível que haja navegado para Xío (Chios) na expedição comercial que zarpou de Savona (onde os Colombos residiam desde c. 1470) a 25 de Maio de 1474 … mas o seu nome não consta do rol da tripulação nem de uma nem de outra (embarcação), onde pode contudo ter embarcado como passageiro, mercador, agente comercial ou mesmo barbeiro e não como marinheiro. Outra hipótese é ter partido na expedição imediata, que largou de Génova em Setembro seguinte, transportando reforços para a ilha, ameaçada pelos Otomanos.”

Coitado do Colombo, qualquer profissão lhe pode ser colada para justificar a sua ‘clandestinidade’ nos registos onde era suposto figurar.

Na verdade o Almirante menciona que viu árvores de almécega na ilha de Xío, mas quer a frase em que se insere essa afirmação, quer todo o parágrafo, permitem admitir que se tratou apenas de uma bazófia para que os Reis considerassem que ele descobrira terras muito valiosas para a Coroa. Invoca Plínio para a descrição das árvores e dos seus frutos antes de dizer que as viu em Xío, e seguidamente valoriza também a existência de algodão nas novas terras descobertas:

“… y en este río de Mares, de donde partí esta noche, sin duda hay grandísima cantidad de almáciga y mayor si mayor se quisiere hacer, porque los mismos árboles plantándolos prenden de ligero y hay muchos y muy grandes y tienen la hoja como lentisco y el fruto, salvo que es mayor, así los árboles como la hoja, como dice Plinio, y yo he visto en la isla de Xío, en el Archipiélago,…”

“… Y también aquí se habría grande suma de algodón y creo que se vendería muy bien acá sin le llevar a España, salvo a las grandes ciudades del Gran Can que se des cubrirán sin duda y otras muchas de otros señores que habrán en dicha servir a Vuestras Altezas, y adonde se les darán de otras cosas de España y de las tierras de Oriente, pues éstas son a nos en Poniente….”

 Também não é de excluir a hipótese de o Almirante ter estado efectivamente em Xío, na sua actividade como corsário, que se regista desde o início dessa década, ou mesmo no comércio de açúcar da Madeira numa fase da sua vida, pois Xio era um entreposto que recebia açúcar da Madeira.

Deve ainda ter-se em linha de conta que a sua correspondência com Toscanelli aponta para a sua presença em Portugal já antes das expedições a Xío mencionadas pelo autor.

Seguindo a mesma linha de raciocínio queo Prof. Thomaz, poderia então perguntar-se, se o Almirante não era português o que estava ele a fazer com D. João II quando este recebeu os importantíssimos relatos de Mestre José em 1485 ou de Bartolomeu Dias em 1488? A infringir os segredos estratégicos da Coroa Portuguesa?

quarta-feira, 15 de dezembro de 2021

Colombo genovês, o tio errado #11 ('Provas' 22, 23)

 'Prova' {22} - pág. 108:

Já na primeira metade do séc. XVI o cosmógrafo Jerónimo Girava (c. 149x-1556) o descrevia como Christóval Colón, genoves, gran Marinero y mediocre cosmógrafo {22}

 

ACC:

O problema da aceitação da afirmação deste cosmógrafo como prova das origens do Almirante coloca-se exactamente nos mesmos termos que já foram referidos anteriormente: não conheceu ambas as fases da vida do Almirante, isto é, depois da 1ª viagem e antes da sua alegada chegada a Portugal, ou na sua juventude. Não pode, em tais circunstâncias, asseverar que o Almirante era a mesma pessoa que o Colombo tecelão, nem sequer que era genovês. Limita-se, de facto, a repetir o que antes já constava. Note-se bem que seria ainda uma criança quando o Almirante efectuou as suas viagens.

Considerando que “Se decantó a favor del sistema astronómico geocêntrico y no el heliocêntrico, considerando que cuando publicó la Cosmographia sólo hacía trece años (1543) que Copérnico había publicado la nueva teoría, y el dictamen desfavorable de la Iglesia aconsejaba a los científicos mucha prudencia. (in Wikipedia) o valor do seu testemunho será igual ao valor científico do sistema geocêntrico que defendia.

 

 

'Prova' {23} - págs. 108-109:

Não é impossível que na sua formação tenha influído o mester de livreiro que terá exercido durante os seus primeiros tempos em Castela como o dá a entender Andrés Bernáldez, que foi de 1487 a 1513 cura de Los Palacios, junto a Sevilha:

ovo un hombre de tierra de Génova, mercader de libros de estampa, que trataba en esta tiera de Andalucia, que llamaban de Christobal Colon, hombre de muy alto injenio sin saber muchas letras, muy diestro de la arte de Cosmographia é del repartir del mundo ... {23}

 

ACC

No mesmo capítulo cxviii e logo após a frase invocada pel Prof. Thomaz, Andrés Bernáldez descreve os acontecimentos até à partida para a primeira viagem. A falta de rigor que ali demonstra permite pôr em causa o conhecimento com que escreveu sobre a origem do Almirante e quiçá sobre a sua actividade de mercador de livros de estampa.

 

“… asi que Christoval Colon se vino a la corte del Rey D. Fernando, e la Reyna D.ª Isabel, e les fizo relación de su imaginacioni al qual tampoco no daban mucho crédito, e.el les platicó, e dijo ser cierto lo que les decia, e les enseñó el Mapa-Mundi, de manera pue les puso en deseo el saber de aquellas tierras, e dejando a él llamaron hombres sabios Astrólogos, e astrónomos, e hombres de la corte de la Cosmografia, de quien se informaron, e la opinión, de los mas de ellos oida la plática de Christoval Colon, fué, que decía verdad, de manera que el Rey e la Reyna se afirmaran a él, e le mandaron dar tres Navies en Sevilla vaslecidos por él tiempo que él pidió de genle, de vitualla, e lo embiaron en el nombre de Dios, e de Nuestra Señora a descubrir el qual partió de Palos en el mes de Septiembre de 1492, e tomó su viage por el mar adelante a las islas de Cavoberde …”

(BERNÁLDEZ, Andrés de – Historia de los Reyes Católicos Don Fernando y Doña Isabel, cap. cxviii)

terça-feira, 14 de dezembro de 2021

Colombo genovês, o tio errado #10 ('Prova' 21)

 

{21} - pág. 104:

Segundo o testemunho de Michele de Cuneo de Savona, amigo de sua família e seu companheiro na segunda viagem ao Novo Mundo, Colombo era um navegante exímio mas empírico, dotado de grande intuição náutica ...

"desde que Génova é Génova {21} não nasceu homem tão magnânimo e agudo na arte de navegar como o dito senhor Almirante ..."


ACC:

É simplesmente especulativa a afirmação de que Cuneo era amigo da família do Almirante.

Na pág. 483 do livro, o Prof. Thomaz escreve o seguinte:

“Quanto a Michele da Cuneo, parece que durante os preparativos para a viagem, Colombo lhe mandara convite para que o acompanhasse. A família Da Cuneo, estabelecida em Savona, tornara-se assaz influente na política local, vindo em 1557 a receber armas de nobreza e a ser inscrita no Libro d’Oro, registo da ordem da nobreza savonense. Embora se não possa inteiramente excluir que, como aventa Juan Gil, Michele fosse filho de um Simone da Cuneo, laneiro em Savona (que em 1470 figura com Domenico, pai de Cristóvão, entre os patrões que aprovaram uma tabela salarial para os operários da indústria têxtil da cidade), parece-nos mais provável que, como opinam os compiladores da Raccolta Colombiana e António Núñez Jiménez, fosse filho de Corrado da Cuneo, rico comerciante de tecidos e membro do Conselho dos Anciãos de Savona, e isto pela seguinte razão: Corrado vendera em 1474 a Domenico Colombo dois terrenos em Legine, por 250 libras, que o tecelão deveria pagar em peças de fazenda no prazo de cinco anos; já em más condições financeiras, Domenico não saldou a dívida, mas Corrado, magnanimamente, deixou-o até à morte na posse da propriedade, que o pai do achador do Novo Mundo pôde assim arrendar a terceiros em 1481 por ato notarial… Foi certamente por se sentir moralmente em dívida para com a família Da Cuneo que Cristóvão Colombo convidou Michele a acompanhá-lo na sua expedição de 1493, de que poderia retirar bons lucros e, de certo modo, compensar-se assim da insolvência de Domenico.”

 

Portanto, neste assunto, ao Prof. Thomaz parece que Colombo convidou Michele da Cuneo e parece-lhe mais provável que este Michele fosse filho do rico comerciante Corrado.

Ora vejamos primeiro o que consta nesse tal acto notarial de 1470 que envolve os ‘patrões’ laneiros:

Genova, 28 novembre 1470.

I consoli dei tessitori di pannilani in Genova, per deliberazione dei maestri dell' arte, fra i quali é Domenico Colombo, si commettono in alcuni di essi maestri acció stabiliscano i prezzi giusta i quali dovranno essere rimunerati i loro lavori.

 

Poderá haver alguma relação de conhecimento entre um tecelão de nome Simon de Cunio e o tecelão Dominicus de Columbo. De facto, ambos os nomes figuram, juntamente com cerca de cento e noventa artesãos, representados por sete outros deles, que assumem perante dois cônsules da corporação, num acto notarial de 28 de Novembro de 1470 (Raccolta Colombiana,Parte II, Vol. I, doc. XXXV), a aceitação de um convénio remuneratório dos tecelões de Génova.

Não há nenhuma indicação de que Simon de Cunio seja laneiro de Savona, mas sim de Génova.

Quanto à outra hipótese, de Michele ser filho do rico comerciante Corrado, veja-se o que consta na documentação invocada:

 

Savona, 19 agosto 1474

Domenico Colombo compra due pezze di terra in Legine, nella contrada di Valcalda.

[IULIUS SALINERIUS, Annotationes ad Cornelium Tacitum, Genuae, apud Iosephum Pavone, 1602, p. 342.]

MCCCCLXXIIII. indictione séptima, die . xviiii. augusti.

 

SEIUS civis Saone, sponte et eius certa scientia, per se et suos heredes, titulo et ex causa venditionis, iure proprio et in perpetuum dedit, vendidit ac tradidit seu quasi Dominico de Columbo de Quinto Ianue, lanerio, habitatori Saone, presenti, ementi et acquirenti per se et heredes suos, petiam unam terre vineate, campive et arborate ac boschive, cum una domo supraposita, sitam in villa Legini, in contrata Valcade; cui coherent ab una parte heredes quondam Georgii de Merualdo…

ítem aliam petiam terre vineate et campive et arborate, boschive a parte inferiori, sitam in dicta villa et contrata; cui coherent ab una parte dicta petia terre, ab alia heredes quondam Iohannis da Bene,…

(Raccolta Colombiana,Parte II, Vol. I, doc. LVI)

 

Ou seja, Dominico de Columbo compra duas parcelas de terreno, confinantes entre si, em Legine, a um cidadão de Savona, de nome Seius.

Não foi encontrado o original deste acto notarial. O texto inserto na Raccolta chegou ao conhecimento por ter sido publicado por Julius Salinerius em 1602.

Num exemplar do livro de Salinerius, conservado na Biblioteca Cívica de Savona, encontra-se na margem uma anotação manuscrita referindo que este Seius é Conradus de Cuneo.

O acto notarial de arrendamento a terceiros da propriedade comprada por Domenico a Corrado da Cuneo também não foi encontrado.

 

Savona, 17 agosto 1481.

«Domenico Colombo, laniere, cittadino di Genova, presentemente abitante in Savona, affitta a Giovanni Picasso quondam Odino una sua villa in Valcalda »

[Negli atti del notaro Ansaldo Basso.]

Indicato dai BELLORO, Notizia &c. p.10 , e Revista critica &c. p. 60 , come a rogito di Ansaldo Basso, non si é potuto trovare.

(Raccolta Colombiana,Parte II, Vol. I, doc. LXVI)

 

Tudo indica que o único documento original que inclui Dominico de Columbo e Corradus de Cunio é o seguinte:

Savona, 19 agosto 1474.

«Bartolomeo Viano, canónico della cattedrale di Savona, da in enfiteusi a Domenico Colombo una terra con casa nella villa di Legine, in contrada di Valcalda.»

[Archivio capitulare del Duomo di Savona, Libro delle prebende canonicali, cartaceo sec. xv, c. 217 A .]

 

Em que o cónego de Savona transfere para Dominico de Columbo o contrato de enfiteuse que mantinha com Conradus da Cunio. Ou seja, não existe uma ligação directa entre Columbo e Da Cunio.

(Raccolta Colombiana,Parte II, Vol. I, doc. LVIII)

 ADENDA: Em nota a esta publicação na Raccolta refere-se que este documento está indicado confusamente por BELLORO, juntamente com os dois anteriores (compra por Domenico e reconhecimento da dívida).

Consultada a obra Annotationes de Julius Salinerius onde se descrevem os actos notariais da compra das parcelas de terreno, verifica-se que também neste contrato de enfiteuse a Domenico, se refere que anteriormente era seu titular o cidadão Seius.

Ou seja, não existe nada referente a Corrado de Cuneo.

 

Como se percebe, não tem qualquer substrato documental coevo a afirmação de que Michele da Cuneo era amigo da família Colombo, muito menos que o era da família do Almirante.

O mesmo acontece com a argumentação para a presença de Michele da Cuneo na segunda viagem: Domenico Colombo não tem nenhuma dívida para com Corrado, não havendo razão para que o Almirante, caso fosse o Cristoforo Colombo, filho de Domenico, convidasse Michel para assim o compensar.

Estudos recentes, publicados por Gabriella Airaldi em Dizionario Biografico degli Italiani, registam que Michele era filho de Corrado de Cuneo, sendo detalhada a família alaragada e as actividades a que se dedicavam, mas para a afirmada amizade entre Michelle e o Almirante (Colombo na sua visão), o que se invoca é a gentileza do Almirante para com Michelle, permitindo-lhe atribuir o nome a um cabo e a uma ilha (Saona) que primeiro avistou. Quanto a ter-lhe oferecido essa ilha, como Michele relata na sua carta-relação dirigida a Gerolamo Aimari, publicada por Juan Gil & Consuelo Varela em Cartas de particulares a Colón y Relaciones coetáneas, não pode entender-se no sentido literal pois o Almirante não tinha esses poderes; as terras descobertas ou conquistadas eram-no em nome dos Reis Católicos, e nem o Almirante tinha direito à posse de alguma.

Também a forma reverencial como Michele da Cuneo, se refere ao Senhor Almirante não indica que houvesse qualquer relação de amizade entre eles.

Quanto ao testemunho de Michele que o Prof. Thomaz considera a prova [21], a frase não significa necessariamente que o Almirante nasceu em Génova. Apenas manifesta que em Génova, terra de marinheiros, nunca nasceu alguém tão magnânimo e agudo na arte de navegar como o Almirante.