sexta-feira, 30 de novembro de 2012

A Conferência em Mafra







Decorreu no passado dia 24, na Casa da Cultura D. Pedro V, em Mafra, uma Conferência dedicada à apaixonante temática do navegador a quem o mundo atribui a descoberta da América.
Na Conferência, organizada pela Associação Cristóvão Colon (ACC) com o apoio e colaboração da Câmara Municipal de Mafra, foram oradores a museóloga e investigadora Julieta Marques (ACC) e o convidado Dr. Manuel Gandra.
Perante uma interessada assistência que preencheu quase totalmente os cerca de sessenta lugares do auditório, o Presidente da ACC – Engº Carlos Calado abriu a sessão com uma breve exposição sobre os objectivos, actividades e novos projectos da Associação, uma introdução à temática da conferência e apresentação dos oradores.

Julieta Marques, um dos Membros Fundadores da ACC, apresentou o resultado dos seus estudos sobre a pintura no tecto da Sala das Descobertas ou dos Heróis Portugueses do Palácio de Mafra, inexplicavelmente ignorada e incompletamente descrita, mas onde figura Cristóvão Colon ao lado dos grandes heróis portugueses dos descobrimentos.
Foi anunciada a apresentação para Dezembro de um novo livro de Julieta Marques, intitulado “Cristóvão Colom na encruzilhada de reinos e mares”, tendo a autora disponibilizado antecipadamente e autografado vários exemplares.

O Dr. Manuel Gandra, licenciado em filosofia, professor e grande estudioso do tema, levou ao público uma interessante abordagem ao intrigante “Livro das Profecias” escrito pelo próprio Cristóvão Colon e que nos ajuda a compreender o carácter místico e religioso do navegador.
O texto da exposição do Dr. Manuel Gandra será nos próximos dias disponibilizado em opúsculo a publicar pelo autor, que também anunciou ter em preparação uma edição comentada e anotada da versão original do Livro das Profecias. 

A Conferência terminou com dois períodos de debate, primeiro sobre a pintura da Sala das Descobertas e depois sobre a exposição do Dr. Manuel Gandra, o qual, devido ao entusiasmo da assistência e do próprio orador se prolongou bem para além do horário previsto.





domingo, 4 de novembro de 2012

Conferência em Mafra

A ACC convida todos os interessados na temática Cristóvão Colon a assistir à próxima Conferência que terá lugar no dia 24/11/2012 em Mafra

Julieta Marques, museóloga e Membro Fundador da ACC fará uma palestra sobre a pintura no tecto da Sala dos Heróis portugueses do Palácio de Mafra, na qual está representado Colon.
O Dr. Manuel Gandra, orador convidado,  fará uma palestra sobre o Livro das Profecias, escrito pelo próprio Cristóvão Colon.

Faleceu o Membro Fundador Dr. Luciano da Silva



Inesperadamente, ficou para sempre interrompida a destemida luta do Dr. Manuel Luciano da Silva na defesa da portugalidade de Cristóvão Colon, tal como interrompidas para sempre ficaram as suas outras paixões a que se dedicava de corpo inteiro, nomeadamente o seu empenho em conseguir instalar réplicas da Pedra de Dighton em locais ligados à presença dos navegadores portugueses no continente americano e, mais recentemente, o renascimento das actividades na sua Casa Museu em Cavião.
O seu exemplo de tenacidade e coragem perdurará para sempre.
Para relembrar um trajecto comum que se iniciou há quase uma década, inicialmente por via do Núcleo de Amigos da Cuba (NAC) e depois já pela ACC, dedicamos-lhe este Suplemento Especial do “Nosso Especial Amigo”
O Dr. Manuel Luciano da Silva, um dos Membros Fundadores da ACC, faleceu no dia 21 de Outubro de 2012 em Bristol, EUA, onde residia.

domingo, 24 de junho de 2012

«D. João II e Cristóvão Colon - que relação?» (parte 4)


Palestra da Profª Doutora Maria Manuela Mendonça
Cuba, 19 Maio 2012

(continuação, parte 4)

Isto estará presente em todo o processo subsequente.
Sabe-se que Cristóvão Colon foi recebido pelo Rei naquele dia, já noite. Foi uma viagem atribulada no dia em que chegou, já à noite; sabe-se que foi ainda mais duas vezes e que depois regressou.
E eu, para não vos ocupar muito mais tempo, gostaria apenas de registar que ele regressou e, no seu regresso ele foi, de facto, visitar a Rainha!
Quem era a Rainha? – Dona Leonor! Estava com quem? – Com a sua mãe! Quem era a mãe? – A velha mulher de ferro, a velha Duquesa de Viseu, a mãe de D. Diogo, a mãe de D. Manuel, a líder da Casa de Viseu, que então já se manifestava nos subterrâneos tentando fazer crescer uma oposição a D. João II, que começava a ficar doente.
Não é por acaso que Cristóvão Colon vai visitar e que é recebido pela Rainha e pela sua mãe – as grandes mulheres da Casa de Viseu. Tem que haver necessariamente aqui um encontro muito forte entre este homem e a Casa à qual pertencera e certamente por causa da qual terá saído de Portugal.
Para terminar, eu apenas gostaria de focar aqui um assunto, nós agora poderíamos falar ainda mais do motivo pelo qual D. João II teria mandado chamar Cristóvão Colon, mas não vou já reflectir sobre isso porque o tempo já não me deixa. Vou apenas referir, na minha opinião, que D. João II recebeu Cristóvão Colon três vezes;
E recebeu porquê? - Recebeu porque quis ter a certeza que “o tipo” tinha conseguido lá chegar!
Os cronistas portugueses dizem, e aliás ele também escreveu isso no Diário, que o Rei o censurou no primeiro encontro, dizendo-lhe que aquelas terras lhe pertenciam, pertenciam a Portugal; fez logo uma alusão a isso – Tratado das Alcáçovas.
Fez logo alusão a isso no primeiro encontro! E depois tem mais dois encontros. Para quê? – Só para obter informações! Interessava a D. João II ! A primeira coisa que ele quis, foi saber (deixem-me passar a expressão) - «Deixem-me cá ver se este maluco, por acaso lá chegou. Chegou! Então vamos lá ver o que é que ele me vai dizer!».
Ele recolheu todas as informações que podia recolher de Cristóvão Colon. É que para D. João II o problema já se colocava de outra maneira. Ele estava já no declínio do seu reinado. A ameaça que ele faz de mandar preparar uma armada, capitaneada por D. Francisco de Almeida, para ir tomar aquelas terras, isso foi tudo fogo-de-vista. Ali, o que foi importante para D. João II foi garantir qual a estratégia a seguir; foi o de garantir aquilo que o Rei tinha a certeza que era certo. E o que se tinha a certeza que era certo já, era a rota do Cabo.
E portanto tudo se conjuga para que D. João II, na sequência da informação certa, e esta é que é a importância de Cristóvão Colon neste seu regresso, e neste seu reencontro.
Com a informação certa de que realmente estavam lá aquelas terras, ele não quis reivindicar, D. João II não ia reivindicar numa altura em que se abrira a rota do Cabo. Ele não ia reivindicar aquelas terras do Ocidente que ele sabia que lá estavam. Ele quis foi ter a certeza!
Então, o que era importante agora era negociar. Porque se ele conseguisse negociar, ele assegurava para si aquilo que ele efectivamente queria!
… E negociou-se então o Tratado de Tordesilhas…
... Bom, mas isso já seria um outro tema …
... Para concluir …
Cristóvão Colon ou era português ou veio para Portugal quando era ainda muito novo!

domingo, 17 de junho de 2012

D. João II e Cristóvão Colon - que relação? (parte 3)


Palestra da Profª Doutora Maria Manuela Mendonça
Cuba, 19 Maio 2012 

(parte 3)

E Cristóvão Colon o que é que faz no exílio? Procura a sua sorte! Ele sabia que não havia projecto de expansão marítima no sentido da descoberta, em Castela, nem em Aragão, nem em nenhum outro reino. Não havia! Não havia especialistas, deixem-me passar a expressão, como em Portugal. Nós sabemos que os homens do mar que existiam, não se esqueçam, estamos no final do séc. XV, muitos deles, muitos dos que ensinaram coisas em Castela foram fugidos de Portugal, ou emigrantes, mas de um modo geral, fugidos. Nomeadamente nesta altura. Não havia projecto em Castela. Seria uma lança em África se Cristóvão Colon fosse oferecer os seus préstimos aos Reis Católicos. No fundo ele ia oferecer alguma coisa que era nova. Ali sim, era novo! E é isso que Cristóvão Colon procura fazer. E como se dizia há pouco, não se zangou por os Reis não terem … é curioso que os Reis receberam-no logo em 1486, em Alcalá de Henares, portanto não demorou muito tempo a receberem-no. Mas depois ele leva uma vida de humilhações, de dificuldades, como se diz, foi ridicularizado nas Juntas de Cosmógrafos, de matemáticos, as pessoas riam-se um bocado daquilo e tanto quanto se sabe, tanto quanto se diz também, mesmo quando mais tarde o autorizaram a ir, ele teve dificuldade em encontrar quem lhe financiasse a aventura, digamos assim.
Os Reis Católicos não investiram muito naquilo, deixaram-no ir; mas não havia claramente um projecto em Castela, ao contrário do que acontecia em Portugal.
Aquilo que ele via em Portugal de entusiasmo, ele não encontrou em Castela. A questão que se pode colocar é que se esse desânimo vivido em Castela terá motivado a tal carta, se eventualmente ele terá pedido ao Rei para lhe dar segurança para voltar a Portugal. Isto não é de admirar, porque nesta altura muitos voltaram. Nós encontramos muitos registos, na chancelaria, de perdão e segurança a muitas pessoas que tinham fugido e que neste … Tinham acalmado os ânimos, D. João II tem um reinado muito interessante, eu costumo dizer que ele tem três fases no reinado: tem aquela fase em que ele limpa o campo, que vai até 1484, tem depois a fase do apogeu, da estabilidade, do crescimento e da glória, que vai até 1491/92. Em 91 morre o filho, depois ainda consegue as Ordens de Cristo e de Santiago para o filho bastardo em 92, mas a partir de 92 é a fase de decadência e do crescimento da oposição. Ora o reinado de D. João II em 88 está no seu ponto auge e ele já não teme traições. Já podem voltar muitos. Até os próximos das Casas e de Viseu e de Bragança voltaram, são perdoados. Portanto eles já não querem traições, porque agora é ele que manda!
Então enquadra-se perfeitamente esta hipótese de Cristóvão Colon ter pensado em voltar. Pensou? -Acredito! Escreveu? -Talvez! O Rei respondeu-lhe? -Tenho dúvidas!
Mas ele tinha necessidade, no seu projecto, ou ele ou alguém depois por ele, para legitimar a continuidade em Castela e o serviço subsequente, ele precisava também, de se dar como benquisto em Portugal.
E portanto esta carta oferece muitas dúvidas mas tem claramente uma explicação. Agora, aquilo que eu não posso aceitar, e que enfim, não posso aceitar com a minha cabeça a pensar, como é óbvio, respeito muito o que os outros dizem, mas com a minha cabeça a pensar eu não aceito é a ideia da tal nota à margem que está …[no livro], em que está escrito que ele, Cristóvão Colon, estava em Portugal quando regressou Bartolomeu Dias, quando estiveram a estudar os avanços que se sucediam à viragem do cabo da Boa Esperança por Bartolomeu Dias.
Se esta carta for mentira, Cristóvão Colon nunca voltou a Portugal!
Se esta carta for verdade, ele poderá ter voltado. Mas o Rei sabia que ele vinha, mas ia. Porque o Rei deu-lhe autorização para vir, estar, até ir. Agora a questão que se coloca é esta: então D. João II, sabendo que o homem vinha e que se ia embora, sabendo que ele estava a oferecer os seus serviços, porque sabia, aos Reis de Castela, era tão ingenuozinho que o fosse meter dentro dos segredos da rota do Cabo?
É evidente que os defensores da tese do espião dizem assim: “não, não, porque isso é que prova, porque ele deixa-o ir embora também”.
Mas eu colocaria uma pergunta: então qual era o interesse, nesta altura do campeonato, em que claramente D. João II sabia que ia até à Índia pela rota do Cabo, qual era já o interesse em ir distrair os castelhanos, que nunca tinham manifestado o menor interesse pela oferta de serviços que Cristóvão Colon lhes estava a fazer?
São interrogações que ficam. Não é certo portanto, há muitas dúvidas sobre esta segunda vinda, e mesmo se se quisesse admitir essa vinda, ele tornava-se, de alguma maneira, difícil de interpretar, considerando a chancelaria dos Reis católicos, conhecendo os itinerários dos Reis Católicos e sabendo onde Colon se movimentou logo na sequência desta “pseudo” carta.
Sabe-se que ele acompanhou a Corte, inclusivamente um dos seus filhos nasceu lá, da tal Beatriz, logo em 1488 e enfim, sabe-se da sua presença por aquelas zonas. Portanto não é de crer que ele tenha voltado, mas, como digo, apenas quero deixar aqui as interrogações.
Aquilo de que não há dúvida é que ele voltou quando regressou da sua primeira viagem, aah disso é que não há dúvida concerteza. E podemos dizer que esse regresso pode, de alguma maneira, ser chave para o entendimento de um Colon ao serviço, ou não, do Rei de Portugal.
E a questão que se coloca é saber, toda a gente pergunta, portanto também não vou dizer nenhuma novidade, … eu já não pergunto porque é que ele veio aportar a Portugal, vamos imaginar que sim, que houve uma tempestade e tudo isso vamos deixar; mas a questão é esta: ele vai a Cascais e depois vem ao Restelo; vem ao Restelo e depois vai visitar o Rei de Portugal – porquê? É ele que quer ir visitar o Rei de Portugal ou é o Rei de Portugal que lhe determina que ele o vá visitar?
E para pensarmos um pouco nessa questão que eu coloco, recorremos ao Diário em que se diz que «o Rei o mandou chamar» - o Rei é que teve a iniciativa – o mandou chamar!
E ele escreveu que “…assim fez para que não houvesse suspeita, posto que não quisesse ir”.
É evidente que ele pode ter escrito isto aqui para não levar na cabeça, dos Reis Católicos, porque em vez de se ir embora foi visitar o Rei de Portugal. Podem dizer isso, claramente podem dizer isso, mas a verdade é que ele foi e a verdade é que ele não foi preso e a verdade é que ele ficou lá três dias.
Mais - quem é a pessoa que D. João II manda para o acompanhar? D. Martinho de Noronha! - Quem é D. Martinho de Noronha? D. Martinho de Noronha é um homem da confiança, claramente, de D. João II. É dos poucos que o acompanhou até à hora da morte no Alvor. Mas é também um homem ligado à família de Viseu. É um homem que certamente Colon, nos seus tempos de presença junto da Casa de Viseu, terá conhecido, ou a ele directamente ou aos seus familiares. É um homem que para si é uma referência - D. Martinho de Noronha é uma segurança para Cristóvão Colon, porque Cristóvão Colon diz no seu Diário: «para tirar suspeitas».
Portanto quer dizer que havia aqui no meio algum receio e portanto D. Martinho pode ser uma carta de segurança se efectivamente Cristóvão Colon teve receio de, neste seu regresso, ser acusado da tal traição. É uma segurança.
Podíamos discorrer agora mais um pouco sobre esta viagem, podíamos confrontar aquilo que Cristóvão Colon escreveu com aquilo que os cronistas portugueses escreveram - é diferente. De facto, enquanto que os cronistas portugueses disseram que D. João II não lhe achou graça nenhuma e até que ele tinha um bocado de fama de “alevantado”, ele diz que foi tudo muito bom, que o Rei o mandou sentar … Não é de somenos importância ele escrever ali que o Rei o mandou sentar, porque, como saberão, no protocolo régio falava-se com o Rei, de pé. Quando o Rei manda sentar é um privilégio muito especial, o Rei mandar sentar. Porque é que ele insiste que o Rei o mandou sentar? Concerteza é porque falou de pé! Ou não ..
Muitas vezes, quando se escreve, quando se tem necessidade de dizer, isso pode ser sintomático de alguma coisa. Eu continuo sempre na minha perspectiva de um Colon fugido à justiça régia e portanto, que agora estava diante de D. João II. E quando ele diz que o Rei o tratou muito bem quando o mandou buscar, mandou que se arranjassem as caravelas e se fornecessem todos os mantimentos possíveis e que não se recebesse dinheiro, quando nós abordamos este tipo de informação pensamos: mas que grande consideração que ele tinha por Cristóvão Colon – deu-lhe tudo! Mas importa saber que esta era uma prática corrente entre os Reis – quanto mais “eu” queria manifestar a “minha” importância, menos “eu” queria reciprocidade.
Ora, o Rei D. João II não encheu a caravela e arranjou aquilo tudo, (ou mandou encher …), de Cristóvão Colon, por deferência ao navegador, mas para manifestar a sua riqueza e poder frente aos Reis Católicos. Posso-vos contar que, por exemplo, durante o cerco a Granada, os Reis católicos viram-se aflitos: faltou-lhes a pólvora e mandaram pedir a D. João II se podia arranjar. E o cronista diz-nos que «ele mandou-lhes não só aquilo que eles pediram, como muito mais, e não quis nenhum dinheiro por isso». Tal era o poder do Rei de Portugal! É realmente uma mentalidade; isto não pode servir para nos dizer da importância que ele dava a Cristóvão Colon. Serve sim para nos dizer da importância que ele próprio, o Rei, queria manifestar de si e do seu reino.

(continua)

terça-feira, 12 de junho de 2012

D. João II e Cristóvão Colon - que relação? (parte 2)


D. João II e Cristóvão Colon - que relação?

Palestra da Profª Doutora Maria Manuela Mendonça 
Cuba, 19 Maio 2012

(continuação, parte 2)

E depois, no regresso havia conversas. Conversas de como é que se avançava, de como é que era possível avançar mais umas léguas na costa africana, conversas sobre se efectivamente haveria lá um fim ou não haveria e, claramente acredito que possa ter nascido, acredito, que possa ter nascido em Cristóvão Colon a hipótese de se ir para Ocidente.
Essa hipótese pode ter sido conversada. Não foi uma novidade, Cristóvão Colon. Mas sabia-se que havia terras a Ocidente, D. João II tinha inclusivamente autorizado já algumas caravelas que partiriam dos Açores, como sabem muito bem, e que buscavam terras naquela zona. Antes disso e depois disso; portanto não era propriamente uma novidade. Se Cristóvão Colon se entusiasmaria com essa hipótese? É possível. Que ele tivesse um projecto, acabado, que fosse apresentar a D. João II, não sei, não sei.
Agora que ele falava com D. João II nas hipóteses várias, ah, isso certamente!
Ele refere que teve conhecimento da viagem de Diogo Cão e alguns estudiosos colocam como hipótese de ele ter ido…, como hipótese justificativa da partida dele para Castela, exactamente o desaire na sequência dessa viagem de Diogo Cão. A viagem de Diogo Cão, no fundo, sabem, ele convenceu-se de que tinha efectivamente dado a volta ao corno de África, veio dizer a D. João II que tinha. D. João II prepara uma embaixada toda muito bonita, manda dizer ao Papa que nós já lá chegámos e depois disso descobre-se que afinal não era verdade. Diogo Cão cai em desgraça, como é óbvio; outros terão caído em desgraça. Isso poderia justificar a fuga de Cristóvão Colon? Não sei. Porque coloca-se habitualmente essa fuga em 1485. É posterior a informação, porque a embaixada que vai para o Papa vai precisamente em Dezembro de 85. Só depois se tem a informação do erro. Não se afigura muito provável. Agora já se afigura provável que no regresso, no regresso de Diogo Cão e na sequência das discussões com os matemáticos e com os homens do mar, efectivamente Cristóvão Colon tenha estado presente.
Então porque é que ele se foi embora? Se efectivamente o rapaz tinha boa relação com o Monarca, se estava socialmente integrado, se era um marinheiro experimentado e considerado, tanto que tinha sido aceite na família de Viseu, porque é que ele se vai embora?
E é aqui que eu, efectivamente, coloco o acento tónico. Não é novidade, esta tese é a minha também, comungo dela, não é novidade, mas na minha perspectiva, Cristóvão Colon só se foi embora porque alguma tragédia aconteceu que o impediu de ficar em Portugal. E essa tragédia foi com certeza a morte do Duque de Viseu. O Duque de Viseu morre em Agosto de 1484, mas antes, já tinha morrido no ano anterior o Duque de Bragança. E o Duque de Bragança viu toda a sua família … viu, não, coitado que já tinha morrido, mas toda a família do Duque de Bragança se acolhe a Castela, se acolhe à Corte dos Reis Católicos. E Vão-se instalar onde? Na zona de Sevilha. Eu há pouco falava ao Sr. Engenheiro num colega meu que tem estudado muito esta família e a respectiva instalação e ele tem demonstrado como toda aquela gente se instalou; aliás D. Álvaro, de que alguém falou esta manhã, o D. Álvaro vai estar em Sevilha vai ser uma pessoa importantíssima mais tarde na Casa da Contratação, que aliás é uma cópia da Casa da índia portuguesa, mas isso é outra coisa, mas, Sevilha é como que o quartel-general dos foragidos à justiça portuguesa, toda aquela zona, Sevilha, e depois Málaga.
Eu contactei em tempos o responsável do Arquivo Diocesano de Málaga, ele facultou-me uma série de documentos em que nós encontramos todas as terras que, na época, naquela zona, foram doadas a portugueses que ali se foram instalar.
Então, um êxodo muito grande, porque, eu disse há pouco, estas Cortes eram enormes, eram Cortes alternativas. Quantos fugiram? Fugiu quem tinha culpa e fugiu quem não tinha culpa, se acaso algum tinha culpa, … isso é outra coisa.
Mas fugiu quem tinha e quem não tinha, porque sabia-se que toda aquela gente iria ser perseguida.
E se nós formos ver a documentação do tempo de D. João II, sobretudo depois da morte do Duque de Viseu, de Beja/Viseu, nós vemos a quantidade de sentenças que há para toda aquela gente. É impressionante, e portanto as pessoas fugiram, debandaram completamente. Eu, para mim, é aqui que se situa o motivo porque Cristóvão Colon abandonou Portugal. Abandonou …, com outros, não sozinho. Foi-se instalar na zona de Sevilha, pois naturalmente era lá que havia gente conhecida. Sabemos que tinha lá um familiar, mas também sabemos que tinha lá toda a Corte de Viseu, praticamente toda, sobretudo homens. Porque as mulheres eram mais facilmente perdoadas e ficavam. Mas, sobretudo homens, estavam todos lá. E portanto é para ali que ele vai, não vai para outro lado.
Digamos que se acolhe em família, até especificamente ao cunhado, mas até é importante a família do cunhado a quem vai entregar o filho. Mas eu não queria fixar-me aí. Queria fixar-me na viabilização de vida que se deu a todos os foragidos de Portugal naquela mesma zona, a partir de 1483 e com intensidade maior agora, em 1484. Portanto, esta é a minha opinião para a saída de Cristóvão Colon, de Portugal.
Agora, embora eu tenha dúvidas, sérias, no que se refere ao documento a que muita gente se refere, que foi encontrado posteriormente e de que se fala muito, sobre o regresso ou hipotético regresso a Portugal, de Cristóvão Colon em 1488, embora tenha dúvidas, repito, eu tenho dele uma interpretação e essa interpretação vai claramente, na minha opinião, a favor da minha …, da aceitação da hipótese – não digo minha porque ela já existia – da aceitação da hipótese de que Cristóvão Colon tenha partido para Castela na sequência da segunda conspiração e portanto, da morte de D. Diogo.
E se nós pensarmos nesta carta que é escrita a 20 de Março de 1488, registada de Avis, nós temos que a ver toda. Não a podemos ver como uma carta que sabemos que foi escrita. Bom, para já aquela carta é muito curiosa, porque não tem protocolo nem “escritocolo”. Diz-se que é uma carta escrita directamente pelo Rei, mas o Rei não escrevia, tinha sempre um escrivão. E o escrivão, qual ele era, ficava sempre registado. Tanto quanto eu sei não está na cópia que existe desta carta. Mas deixemos isso de lado, porque o seu teor, que é importante porque ela serve-nos. Quer ela seja verdadeira, quer ela seja falsa, ela serve-nos.
Porque, se foi forjada, foi para alguma coisa. No entanto não deixa de ter lá o essencial, e na minha perspectiva o essencial é o registo do Rei quando diz – o Rei está a responder a Cristóvão Colon e curiosamente não apareceu nem a que Cristóvão Colon escreveu nem a que o Rei lhe respondeu; nos registos de Avis, da chancelaria em Avis neste dia, há muitas outras cartas, mas esta não existe; portanto é tudo um bocado enigmático, - mas o que interessa é que o Rei se refere à «…boa vontade e afeição (ele está a falar com Cristóvão Colon) que mostrais terdes ao nosso serviço…».
Portanto há uma “declaração de amor” de Cristóvão Colon, claramente para que o Rei lhe responda e depois «…quanto à vossa vinda cá, certo. Assim pelo que apontais como por outros respeitos (não sabemos quais) nós a desejamos e prazer-nos-á muito de virdes (e agora mais importante do que isso) porque em o que vos toca se dará de tal forma de que vós devais ser contente…».
Portanto o Rei está a garantir-lhe que venha à vontade, porque vai ficar contente, vai ficar contente com a recompensa ou com a maneira como vai ser acolhido. Mas acrescentava esta outra coisa que não podemos esquecer «…e porque porventura tereis algum receio das nossas justiças…».
Mas porque é que Cristóvão Colon teria receio das justiças régias?
Mas o Rei disse «…receio por razão de algumas coisas a que sejais obrigado, nós por esta carta vos seguramos, pela vinda estada e tornada…». Isto é muito importante! Porque ele está a falar-lhe em que o segura na vinda, na estadia e no regresso. Ele está a partir do princípio que ele vem (se a carta for verdadeira) ele está a partir do princípio que ele vem mas que se vai embora. Isto é extremamente importante. Mas ele depois continua «…nós vos seguramos para que não sejais preso, retido, acusado citado nem demandado por nenhuma coisa, civil ou criminal…» É muito curioso; estes termos até não se usavam muito naquela época, mas eles estão cá! Bom …, «…civil ou criminal…».
Alguns dizem: “Ah, pois, é porque Cristóvão Colon devia ter aí algumas dívidas e tal, e era por causa disso”. Ora…, o Rei estava agora a importar-se com algumas dívidas de Cristóvão Colon, se fosse aí um borrabotas qualquer que tivesse aí umas dívidas, agora o Rei ia-lhe perdoar por causa das dívidas?
Alguém está a brincar!? … Não pode! Não pode!! Tem que haver qualquer outra grande justificação para esta segurança que o Rei lhe dá. Então e se ele fosse um rapaz cheio de dívidas era ao mesmo tempo o grande conselheiro, ou o grande marinheiro que privava nos Conselhos de D. João II para a decisão das coisas do mar?
Naquele tempo, como agora, a massa humana é a mesma. Se ele fosse grande, por muitas dívidas que ele tivesse nunca ia preso. A massa humana é a mesma, é a mesma coisa, o filme é o mesmo; temos de ter isso presente.
Ora agora o Rei diz-lhe outra coisa que também não pode deixar de ser interessante «…vem depressa (ao nosso serviço)». Vem depressa – ora que carta é esta? O que é que então esta carta a mim me diz? Diz-me que Colon privara com D. João II, que conhecia os projectos de D. João II, certamente terá sido entusiasta dessas hipóteses para Ocidente, que o rei não aceitava. Porque não vamos dizer que ele lhe apresentou um projecto! Porque o Rei conhecia muito bem a carta de Toscanelli, por exemplo, não é? Então o Rei conhecia, tinha os matemáticos, tinha aquela gente toda, o Rei conhecia, sabia, tinha autorizado gente já a ir. As coisas não tinham funcionado muito bem, isso não era prioritário para o Rei, que estava efectivamente muito mais centrado na rota do Cabo. Mas portanto admitimos que ele privou com o Rei, que foi entusiasta desta hipótese, mas a sua carreira de grande navegador em Portugal parou com a tragédia da Casa de Viseu, como eu disse já há bocadinho. Portanto, ele não podia fazer outra coisa senão fugir. E por isso foi-se embora. Só por isso!
O Rei deu por isso, que ele se foi embora? Talvez, mas também não foi atrás dele; eles eram tantos … Agora que sabia onde ele estava, talvez, efectivamente talvez soubesse.

(continua)

segunda-feira, 4 de junho de 2012

D. João II e Cristóvão Colon – que relação? (parte 1)


Pela Profª Doutora Maria Manuela Mendonça, Presidente da Academia Portuguesa da História

Cuba, 19 de Maio de 2012

Senhora Vereadora da Cultura da Câmara Municipal de Cuba, cumprimento antes de mais Vª Exª e na sua pessoa também o Senhor Presidente com quem tive o prazer de estar durante a manhã e agora mesmo, almoçar. É com muito agrado que estou entre vós e foi para mim uma alegre surpresa conhecer esta vila que, efectivamente, vergonha minha, não conhecia.
Senhor Engº Carlos Calado, Presidente da Associação Cristóvão Colon, dizer-lhe que foi com gosto que acedi ao seu convite para estar aqui hoje, agradeço-lhe também a si, especialmente como anfitrião da Associação, o caloroso acolhimento aqui sentido.
Provavelmente não irei trazer aqui nenhuma novidade, não irei concerteza ajudar a avançar a história, mas irei procurar clarificar alguns aspectos pelo menos naqueles pontos em que posso diferir ou ser mais exigente na interpretação histórica.
Minhas senhoras e meus senhores e outros membros da Associação, é um gosto estar aqui convosco.
Confesso também que estou um pouco atrapalhada, aliás já o tinha feito à laia de desabafo durante a manhã, com as pessoas que têm estado mais perto de mim, porque vou falar para gente que sabe tudo sobre Cristóvão Colon. Decidi então dizer o que toda a gente sabe, procurando uma interpretação pessoal e comungando também um bocadinho das minhas dúvidas.

Sobre Colon não há nada com que eu os consiga admirar, nem com a carta de Diogo Moniz, de que falei ao Sr. Presidente [da ACC] esta manhã.
O tema que demos a este Colóquio é «D. João II e Cristóvão Colon – que relação?». É uma grande pergunta. É a principal pergunta realmente. A mim venderam-me, quando era aluna da escola primária, tal e qual como o Engº Calado acabou de dizer à bocadinho, esta coisa simples e linear: D. João II rejeitou, Colon, na altura Colombo, foi embora, e foi conseguir esse brilharete ao serviço dos Reis Católicos. À medida que nós vamos avançando, à medida que vamos estudando, à medida que as questões se nos colocam, nós percebemos que as coisas não são lineares, tal como hoje, mas também não são complicadas; nós às vezes temos um bocado a tendência para complicar a História. A História não é complicada e se alguma dúvida às vezes eu coloco nessas teorias várias que têm sido apresentadas sobre Cristóvão Colon é exactamente esta – se não estaremos a complicar a História?
Eu costumo dizer muitas vezes aos meus alunos que para entender a História basta entendermo-nos a nós, porque a massa humana é a mesma. Esta massa humana de homens e mulheres que constroem a história foi a mesma ao longo dos tempos; portanto, o melhor, se calhar, é olhar para as coisas de um modo simples. E no que se viu, no que se refere à relação entre D. João II e Cristóvão Colon, a questão principal que se coloca é saber se, efectivamente, houve alguma relação entre os dois antes do regresso do navegador, do Almirante de Castela, da sua primeira e grande viagem.
Penso que, talvez, nessa grande interrogação possamos encontrar algumas respostas naquilo que buscamos: seria Cristóvão Colon tão conhecido assim de D. João II? Sem ofensa, ponho a pergunta de outra maneira: será que D. João II lhe dava assim tanta importância? Será que nós podemos colocar a ida de Cristóvão Colon para Castela como uma vingança efectiva do Rei? E o Rei deixava-o ir?
São questões que se me colocam. E nós conhecemos D. João II. Aliás, o Sr. Engenheiro disse, e eu agradeço, que eu tenho estudado muito D. João II. D. João II, uma espécie de Maquiavel "avant la lettre", como toda a gente sabe, mas não era um homem para brincadeiras.
Eu permito-me recordar que na primeira fase do seu reinado ele teve uma preocupação grande: foi acabar com tudo o que fosse oposição ao seu projecto político, ao seu projecto de governo. E a oposição da época eram os grandes senhores, os grandes poderes, que eu designo por neo-senhoriais -  alguns ainda lhes chamam feudais, mas isso é outro problema que não vamos trazer agora para aqui.
Mas a grande questão para ele foi esta, foi ver-se livre deles porque eles eram tão poderosos como o próprio Rei. Ou era possível derrubá-los ou o Rei jamais seria Rei, com o projecto político de D. João II que comunga já, permitam-me a expressão – cheira já – a construção de um Estado moderno.
E portanto, o Rei não hesitou. Rapidamente, nos três primeiros anos do seu reinado – recordo que ele começa a reinar em 1481 em Setembro e precisamente três anos depois, em Agosto de 1484 - ele tinha resolvido o seu problema.
E o seu problema foi destruir as duas principais Casas do Reino. Essas duas principais Casas são a Casa de Bragança e a Casa de Viseu, ou se quiserem, a Casa de Beja/Viseu.
Eu reparei aqui, nomeadamente na Associação, que D. Fernando aparece sempre como Duque de Beja. Está correcto! Ele é Duque de Beja e de Viseu. A Casa depois passa à História com o nome de Casa de Viseu. Nós temos aqui uma grande especialista da Casa de Viseu, a Drª Odete Sequeira, que eu vi ali à bocadinho entrar e que não me vai deixar dizer asneiras porque é a grande especialista dessa Casa. E portanto está de facto correcto dizer inicialmente Casa de Beja porque a Casa só passa a ser conhecida como Casa de Viseu depois da morte do Duque D. Diogo, quando D. João II chamou o futuro D. Manuel e lhe disse esta coisa – D. João II era bom rapaz – e portanto disse esta coisa extraordinária (e eu costumo dizer às vezes a brincar, numa certa mistura de carinho):
«Oh Manelito (porque era novito, era uma criança), olha meu menino, é assim: o teu irmão foi um malandro, foi um traidor. Eu tive que o matar. Portanto, tu agora “põe-te a pau”. Se ficares comigo, se fores bom rapazinho, ficas com tudo o que é dele (mas na sua estratégia disse-lhe logo): tudo, tudo, … não. Há ali umas coisitas que eu vou trocar (porque lhe interessava), mas de um modo geral tu ficas com tudo. E olha, sou tão teu amigo, tão teu amigo, que até nem quero que tu te chames mais Duque de Beja. Quero que te chames Duque de Viseu».
Para quê? Para fazer esquecer a traição que tinha sido, de facto digamos que liderada pelo Duque, então designado de Beja, que era o próprio D. Diogo. Portanto esta “generosidade” levou a que a Casa de Beja/Viseu ficasse conhecida como Casa de Viseu.
Mas eu voltaria um bocadinho atrás e, portanto sabemos como na sequência … (O Sr. Engenheiro, há bocadinho estava a dizer que o Tratado das Alcáçovas era muito do meu agrado). E é efectivamente muito do meu agrado porque o Tratado das Alcáçovas é o grande segredo de muita política do reinado de D. João II. Como sabem, o Rei … (eu vou tentar não me perder em D. João II, daqui a pouco chega Cristóvão Colon), o Rei é aclamado, enfim, na sequência da morte do pai e também na sequência de uma guerra que tinha oposto Portugal e Castela. E na sequência dessa guerra tinha-se feito uma paz. Essa paz garantia que todas as navegações, ou melhor, o mar, abaixo do paralelo das Canárias ficava livre para Portugal e o que ficasse acima desse paralelo ficava livre para o comércio castelhano. Garantia-se também as pescarias contra-Bojador para Portugal, o que era muito importante na época. Mas mais, neste Tratado acordaram-se mais algumas coisas; uma das coisas que se acordou foi que seria feito o casamento, quando chegassem à idade adulta, do filho do próprio D. João II, que na altura era príncipe, com a filha dos Reis Católicos, Isabel. Viriam, efectivamente, a casar, mas muitos anos mais tarde, em 1490. Para garantir este acordo e como garantia de paz, estes dois miúdos iriam viver juntos sob a protecção da velha Duquesa de Viseu, a mãe de D. Manuel, a mãe de D. Diogo, a mulher do Duque de Beja, Dª Brites, a grande matriarca, como eu costumo chamar-lhe, a mulher de ferro, como lhe chamou a Drª Odete, desde o séc. XV; iriam viver sob a protecção dela, para Moura. Chamou-se então, como sabem, as Tercerias de Moura.
Porque é que eu estou a dizer isto? Porque D. João II, ao começar a governar, e retomo o que dizia à bocadinho, tem necessidade, portanto, de mostrar a estas famílias quem é que manda.
Mas ele tem uma grande preocupação e a grande preocupação é: «Quem está a guardar o meu filho é a minha sogra, …», que também era tia da Rainha Católica, «… como é que vai ser? O que vai acontecer ao meu filho se eu for desferir um golpe de misericórdia nestas famílias que se tocam fortemente?», porque a Casa de Bragança e a Casa de Viseu eram fortemente unidas, até por laços familiares, e de interesses, «bom, o que é que eu vou fazer?»
Eu estou a dizer-vos isto porquê? Para mostrar que D. João II não descurava nada. E portanto ele vai travar aquilo que costumo chamar de “uma batalha diplomática com os Reis Católicos”, até conseguir anular rapidamente as Terçarias, que neste momento já não lhe interessavam. E quando o consegue, imediatamente ele desfere o golpe de misericórdia nas grandes Casas: primeiro, a de Bragança.
A Casa de Viseu era economicamente mais forte, e no entanto ele destrói primeiro a Casa de Bragança. E a pergunta que se coloca é: porquê? Porque a Casa de Viseu, ou se quiserem, a Casa de Beja/Viseu não tinha líder. D. Fernando tinha morrido, já; morreu em 70, antes mesmo do casamento [acordo de casamento do príncipe D. Afonso]. O filho mais velho, que também era muito miúdo, mas também tinha morrido. Restava um miúdo de 20 anos que era D. Diogo. D. Diogo era uma criança. Tinha, de facto, poder, mas não tinha liderança. O grande líder era D. Fernando, outro D. Fernando, o Duque de Bragança, esse era o grande líder e daí que matar primeiro este ou dar primeiro um exemplo, enfim, um castigo exemplar por crime de lesa-majestade a esta pessoa, seria de facto, um exemplo.
E é por isso que logo …, vejam bem, é tudo tão rápido…, os embaixadores voltam na Páscoa, na Páscoa faz-se o acordo, ou se quiserem, o desacordo das Terçarias, vai-se buscar o menino à fronteira, regressa-se com o menino, o Rei está em Évora, quando eu digo o menino é o príncipe filho de D. João II, o Rei está em Évora para o receber, o Duque de Bragança acompanha-o, em Évora há grandes festas, o Duque de Bragança que já andava um bocado desconfiado que o Rei não gostava assim muito dele, mas sentiu-se bem, sentiu-se á vontade porque havia grandes festas e … tão à vontade que resolveu, no dia de Corpo de Deus à tarde, ir despedir-se de D. João II para voltar para as suas terras. Isto tudo numa sequência, isto tudo não demora três meses. D. João II disse-lhe esta coisa simples: «Está bem, está bem, olha sobe ali ao primeiro andar que eu já vou ter contigo». E … o Duque de Bragança já não saiu. A seguir deu-se toda aquela encenação do julgamento e o Duque de Bragança, a pessoa com mais prestígio do Reino, é condenada, enfim, com “muito desgosto” do Rei, é condenado e lá ficou sem cabeça.
Claro que depois poderíamos falar da segunda dita conspiração também. Aliás, o processo das conspirações é muito engraçado, … mas não podemos ir agora por aí, mas podemos falar na segunda, que acaba por levar D. João II a apunhalar, ou ele ou alguém por ele, junto dele, o próprio cunhado, o Duque de Beja/Viseu, D. Diogo.
Porque é que eu estou a chamar a atenção para estes pormenores? Porque estamos diante de um monarca que não só conhece as pessoas, como se preocupa com a respectiva acção e como não hesita em agir no tempo certo.
Agora estamos a imaginar o nosso amigo Cristóvão Colon, que era um rapaz, enfim, bom rapaz, bom marinheiro, bom tudo, muito interessante, que vai dizer a D. João II que quer ir à Índia por Ocidente. D. João II diz-lhe não. Ele bate o pé e diz: «então vou-me embora». E D. João II deixa-o ir? No mínimo ficava sem cabeça! No mínimo ficava sem cabeça!
Se efectivamente D. João II tem tido conhecimento …, duas coisas: se D. João II lhe interessava muito Cristóvão Colon e se sabe ou desconfia, porque dizer que ele partiu às escondidas, bom …talvez não se encaixe aqui muito bem. Portanto, se ele desconfia, porque ele sabia de tudo o que se passava, que ele ia, ele não ia!
Porque nós sabemos como D. João II foi perseguir todos aqueles que eram acusados da Casa de Viseu, foi persegui-los até onde foi preciso. Um, foi matá-lo a Avinhão, outros, D. Garcia de Meneses, coitado, bem foi lá para a cisterna, mas mesmo assim, três dias depois estava morto. E outros por aí fora: o Marquês de Montemor lá morreu em efígie em Abrantes, e outros como ele. O Conde de lá de cima, [de Penamacor], lá fugiu para Castela e depois foi para França, mesmo assim foi preso na Torre de Londres, depois fugiu, mas enfim …. Isto, portanto, para dizer que, quando D. João II queria, não brincavam com ele. Ele perseguia! Portanto, a minha primeira grande dúvida que se coloca relativamente a estes primeiros momentos de Cristóvão Colon é exactamente relativamente à sua ida para Castela. Eu não acredito que D. João II tivesse conhecimento, efectivo, daquele projecto [de Colombo chegar às Índias pelo Ocidente] e, se não quisesse, que Cristóvão Colon, por muito que se escondesse, tivesse conseguido chegar a Castela!
Portanto, aquilo que eu queria dizer é que se D. João II quisesse que Cristóvão Colon ficasse em Portugal, ele não teria partido. Se ele não quisesse, sabendo que Colon iria apresentar o seu projecto aos Reis Católicos, ele não chegaria lá! Conhecendo-se, portanto, o homem que é D. João II.
Agora, outra questão se coloca relativamente à relação que o Rei poderia, eventualmente, ter com este homem. E há um momento em que ele vai para Castela. É por demais conhecido, fala-se muito, na importância que terá tido o casamento de Cristóvão Colon com uma menina portuguesa, filha de Bartolomeu Perestrelo e de Isabel Moniz. Isabel Moniz era uma mulher muito próxima da Casa de Viseu. Eu acredito que Isabel Moniz poderá ter sido dama … (a Drª Odete não a encontrou na tese de doutoramento, eu sei, eu estive a ver, estive à procura, não a encontrou na tese de doutoramento quando elenca todas as damas da casa de Dª Brites). No entanto eu acredito que ela possa ter sido uma das damas de Dª Brites ou, se não foi (Isabel, estou a referir-me à mãe de Filipa, antes do casamento portanto), poderá ter sido mais cedo, antes da nossa amiga Brites se ter alcandorado a uma glória maior com a liderança da Casa de Viseu. Mas, se não foi, estava muito perto de quem era da Casa de Viseu. Basta lembrar, por exemplo, que um homem chamado Diogo Gil Moniz foi Vedor da Fazenda e Reposteiro-Mor, que é no fundo o cargo máximo de confiança, do Duque de Beja, D. Fernando. Ora este Diogo Gil Moniz é irmão de Isabel Moniz, portanto tio de Filipa Moniz, que casa com Cristóvão Colon. Mais ainda, uma familiar sua, Isabel de Sousa, é a mulher de confiança de Dª Brites, esta Duquesa de Viseu de quem temos estado a falar e que é a mulher mais espectacular do séc. XV, é uma política feroz, é uma mulher que mexe os cordelinhos todos da Casa de Viseu. Ela é uma mulher que consegue, quando o filho é morto, o D. Diogo, ela consegue, como diz o cronista “manter-se muito inteira”. Como senhora que era! E não se desmancha. Ela sabia que ali agora quem mandava era o Rei, e o Rei era D. João II. E ela era a mãe da rainha, porque D. Diogo era irmão da rainha, da Dª Leonor. São coisas que realmente não lembram… E portanto ela manteve-se e liderou a sua Casa duma forma espectacular. Como tinha liderado ela própria, se calhar, e fica aqui a interrogação, a conspiração que levou à morte do filho. Mas isso seria tema para outra Conferência.
Mas, portanto, esta mulher tinha um poder imenso: pessoal, económico, político e de adaptação. Ela vai viver, ele vai, a partir do momento em que lhe morre o filho, ela vai defender o futuro de Manuel. Vai defender-lhe o futuro! E mais ainda quando morre o filho legítimo de D. João II. Quando D. Manuel é o potencial herdeiro do trono, mas se sabe que D. João II tem um bastardo que quer legitimar. E esta é uma mulher que nós vamos acompanhar até 1492, sensivelmente, sossegadinha na sua Casa, mas que vai renascer das cinzas na época de decadência de D. João II e vai conseguir vencer politicamente. Ela é realmente uma mulher fenomenal, excepcional para a época. Isto tudo para dizer que estas pessoas muito perto de Isabel Moniz, mãe de Filipa, eram portanto, claramente, da Corte dos Duques de Viseu.
E deixem-me dizer que nestes neo-senhorialismos, quando fazemos investigação histórica, nós encontramos, em Portugal duas Cortes alternativas. Uma Corte alternativa é a Casa de Bragança, que há-de depois ter a sua sede, enfim, mais portentosa, em Vila Viçosa, mas que já o é! E é a Casa de Viseu que tem a sua sede precisamente na residência desta Dª Brites. São Cortes de tal maneira alternativas, quando eu digo alternativas é no sentido de que elas se levantam quase ao nível da Corte régia – elas têm os seus cavaleiros, elas têm os seus escudeiros, elas têm uma Casa organizada tal como a Corte régia. Dª Brites lidera uma destas Casas. Ora, Isabel Moniz pertence a esta Casa, com os seus familiares mais próximos. Ora Filipa Moniz, necessariamente, pertence também a esta Casa. A situação de Filipa Moniz estar nas Donas de Santos, nas Donas de Santiago, não tem nada de especial. Porque para ali, de facto, iam, não eram as pobres e órfãs como se disse durante muito tempo. Não, não! Eram de facto as grandes gentes, que a mão régia ou a mão de algum grande destas Cortes alternativas ali colocava, nomeadamente, como é óbvio, a Duquesa de Viseu, profundamente ligada à Ordem de Santiago, que por sua vez está muito ligada aqui às Donas. Portanto, nós temos aqui uma proximidade muito grande, e era isto que eu queria fazer realçar, temos aqui uma proximidade muito grande, da família Moniz com esta Corte, que é a Corte de Viseu.
Quando se coloca o problema do casamento de Cristóvão Colon, a questão que se coloca é esta: como é que ele lá chegou?
Como é que ele se alcandorou ao nível desta grande Corte, a ponto de ir casar com uma menina que, no fundo, estava, digamos que protegida por esta entourage, por esta grande Corte, por esta grande Casa de Viseu?
Só se pode explicar se, e aliás não estou a dizer nenhuma novidade, os senhores têm-no dito e escrito, se de facto Cristóvão Colon for alguém conhecido dentro da Casa de Viseu. E dentro da Casa de Viseu, de facto, só pode ser um homem do mar, um homem do mar e um homem considerado. Acreditamos que sim. Nós não nos podemos esquecer que esta Casa de Viseu é a Casa do Infante D. Henrique, e precisamente que o Duque de Beja, D. Fernando, era seu sobrinho, mas não só! Era adoptado, era perfilhado. Foi o herdeiro! Com ele, o mundo da navegação, com a morte do Infante D. Henrique, a partir de 1460, veio para as mãos da Casa de Viseu. Já não muito tempo para ele, porque D. Fernando morre em 1470 e também porque se interessava mais pela guerra no Norte de África, mas para esta família. E se nós formos analisar, por exemplo, a exploração da Madeira, a exploração dos Açores, as ilhas de Cabo Verde, estão todas na mão – os donatários são os grandes senhores da Casa de Viseu. Portanto a Casa de Viseu é, como sabem, a Casa por excelência ligada às navegações, ao projecto que depois é adoptado e liderado por D. João II.
E portanto aparece-nos aqui um Cristóvão Colon claramente pertencente à Casa de Viseu, claramente acarinhado na Casa de Viseu e, em consequência disso e do seu saber marítimo, claramente acarinhado também por D. João II. Não tenho grandes dúvidas sobre isso. Agora … é um entre os outros! Que provavelmente D. João II terá tido junto de si nalguns momentos? Acredito que sim! Aliás há uma coisa curiosa: segundo os estudiosos Cristóvão Colon ter-se-á instalado em Lisboa mais ou menos em 80/81. Antes teria estado no Porto Santo e no Funchal. É o ano em que D. João II começa a governar. D. João II tinha começado a liderança do projecto africano já a partir de 70, mas realmente é agora, quando ele começa a governar, que ele faz coisas interessantes e vai-se rodear de gente interessante.
E há aqui uma coisa muito interessante. Quando começa a governar, a primeira coisa que D. João II faz, em termos de projecto atlântico, é mandar construir o castelo de S. Jorge da Mina. Não é por acaso! Nós sabemos que ele acredita que pode fazer ali um entreposto que vai ser fundamental, por um lado à exploração comercial, que lhe interessa, da costa africana e do interior, e do ouro de Tombuctu que havia de sair por ali também.
Mas por outro lado ele vai ser um ponto importante para a prossecução dos seus objectivos, para a recolha de informações, etc, etc.
Como sabem, a política desenvolvida por D. Afonso V e por aqueles que o rodeavam e que, sim o [incentivavam?], e por isso tiveram de morrer, foi a Casa de Bragança e a Casa de Viseu. No tempo de D. Afonso V era de somenos importância o projecto africano, o projecto de exploração da costa africana. Era mais a ocupação de castelos no interior de Marrocos. Ora bem, D. João II tentou, enquanto era príncipe, a construção de S. Jorge da Mina. E o Conselho Régio, que então não era o seu Conselho, era o Conselho do pai, não autorizou. A primeira coisa que ele faz quando começa a governar, eu agora não tenho aqui a data, mas sei que a construção se iniciou logo em Outubro, portanto ele começa a governar em princípios de Setembro. O pai morre em 28 de Agosto e um mês depois ele já está a enviar os seus navios para a construção de S. Jorge da Mina. E o cronista diz-nos "mesmo contra Conselho". Os do Conselho ainda foram contra. Só que agora era ele que mandava, e portanto, ao Conselho já não adiantava ser contra – os navios foram mesmo. Quem é que D. João II manda? Sabem que esta construção se revestiu de muito, muito sigilo. Sabem que estávamos ainda – eu não estou aqui a defender a política de sigilo que Jaime Cortesão criou assim como dogma de fé, não totalmente – mas há algum sigilo efectivamente; não pode deixar de haver: hoje também temos polícia secreta, não é? E somos uma democracia, portanto não pode deixar de haver, tem que haver algum sigilo e neste caso concreto também o havia.
Portanto D. João II manda lá as tais carracas velhas que depois manda afundar, para dizer que não havia como voltar, precisamente para desencorajar os castelhanos e os aragoneses de tentarem ir lá também e portanto, olhem, manda homens da sua confiança. Isso é que é o mais importante. Ele manda Diogo da Azambuja e manda outros homens da sua confiança. E não sei se Cristóvão Colon também não terá ido. Quando ele nos diz isso, é bem possível que tenha sido um dos homens.

(continua)