Pela Profª
Doutora Maria Manuela Mendonça, Presidente da Academia Portuguesa da História
Cuba, 19 de
Maio de 2012
Senhora Vereadora da Cultura da Câmara Municipal de
Cuba, cumprimento antes de mais Vª Exª e na sua pessoa também o Senhor
Presidente com quem tive o prazer de estar durante a manhã e agora mesmo,
almoçar. É com muito agrado que estou entre vós e foi para mim uma alegre
surpresa conhecer esta vila que, efectivamente, vergonha minha, não conhecia.
Senhor Engº Carlos Calado, Presidente da Associação
Cristóvão Colon, dizer-lhe que foi com gosto que acedi ao seu convite para
estar aqui hoje, agradeço-lhe também a si, especialmente como anfitrião da
Associação, o caloroso acolhimento aqui sentido.
Provavelmente não irei trazer aqui nenhuma novidade,
não irei concerteza ajudar a avançar a história, mas irei procurar clarificar
alguns aspectos pelo menos naqueles pontos em que posso diferir ou ser mais
exigente na interpretação histórica.
Minhas senhoras e meus senhores e outros membros da
Associação, é um gosto estar aqui convosco.
Confesso também que estou um pouco atrapalhada, aliás
já o tinha feito à laia de desabafo durante a manhã, com as pessoas que têm
estado mais perto de mim, porque vou falar para gente que sabe tudo sobre
Cristóvão Colon. Decidi então dizer o que toda a gente sabe, procurando uma
interpretação pessoal e comungando também um bocadinho das minhas dúvidas.
Sobre Colon não há nada com que eu os consiga admirar,
nem com a carta de Diogo Moniz, de que falei ao Sr. Presidente [da ACC] esta
manhã.
O tema que demos a este Colóquio é «D. João II e
Cristóvão Colon – que relação?». É uma grande pergunta. É a principal pergunta
realmente. A mim venderam-me, quando era aluna da escola primária, tal e qual
como o Engº Calado acabou de dizer à bocadinho, esta coisa simples e linear: D.
João II rejeitou, Colon, na altura Colombo, foi embora, e foi conseguir esse
brilharete ao serviço dos Reis Católicos. À medida que nós vamos avançando, à
medida que vamos estudando, à medida que as questões se nos colocam, nós
percebemos que as coisas não são lineares, tal como hoje, mas também não são
complicadas; nós às vezes temos um bocado a tendência para complicar a
História. A História não é complicada e se alguma dúvida às vezes eu coloco
nessas teorias várias que têm sido apresentadas sobre Cristóvão Colon é
exactamente esta – se não estaremos a complicar a História?
Eu costumo dizer muitas vezes aos meus alunos que para
entender a História basta entendermo-nos a nós, porque a massa humana é a
mesma. Esta massa humana de homens e mulheres que constroem a história foi a
mesma ao longo dos tempos; portanto, o melhor, se calhar, é olhar para as
coisas de um modo simples. E no que se viu, no que se refere à relação entre D.
João II e Cristóvão Colon, a questão principal que se coloca é saber se,
efectivamente, houve alguma relação entre os dois antes do regresso do
navegador, do Almirante de Castela, da sua primeira e grande viagem.
Penso que, talvez, nessa grande interrogação possamos
encontrar algumas respostas naquilo que buscamos: seria Cristóvão Colon tão
conhecido assim de D. João II? Sem ofensa, ponho a pergunta de outra maneira:
será que D. João II lhe dava assim tanta importância? Será que nós podemos colocar
a ida de Cristóvão Colon para Castela como uma vingança efectiva do Rei? E o
Rei deixava-o ir?
São questões que se me colocam. E nós conhecemos D.
João II. Aliás, o Sr. Engenheiro disse, e eu agradeço, que eu tenho estudado
muito D. João II. D. João II, uma espécie de Maquiavel "avant la lettre", como toda
a gente sabe, mas não era um homem para brincadeiras.
Eu permito-me recordar que na primeira fase do seu
reinado ele teve uma preocupação grande: foi acabar com tudo o que fosse
oposição ao seu projecto político, ao seu projecto de governo. E a oposição da
época eram os grandes senhores, os grandes poderes, que eu designo por
neo-senhoriais - alguns ainda lhes
chamam feudais, mas isso é outro problema que não vamos trazer agora para aqui.
Mas a grande questão para ele foi esta, foi ver-se
livre deles porque eles eram tão poderosos como o próprio Rei. Ou era possível
derrubá-los ou o Rei jamais seria Rei, com o projecto político de D. João II
que comunga já, permitam-me a expressão – cheira já – a construção de um Estado
moderno.
E portanto, o Rei não hesitou. Rapidamente, nos três
primeiros anos do seu reinado – recordo que ele começa a reinar em 1481 em
Setembro e precisamente três anos depois, em Agosto de 1484 - ele tinha
resolvido o seu problema.
E o seu problema foi destruir as duas principais Casas
do Reino. Essas duas principais Casas são a Casa de Bragança e a Casa de Viseu,
ou se quiserem, a Casa de Beja/Viseu.
Eu reparei aqui, nomeadamente na Associação, que D.
Fernando aparece sempre como Duque de Beja. Está correcto! Ele é Duque de Beja
e de Viseu. A Casa depois passa à História com o nome de Casa de Viseu. Nós
temos aqui uma grande especialista da Casa de Viseu, a Drª Odete Sequeira, que
eu vi ali à bocadinho entrar e que não me vai deixar dizer asneiras porque é a
grande especialista dessa Casa. E portanto está de facto correcto dizer
inicialmente Casa de Beja porque a Casa só passa a ser conhecida como Casa de
Viseu depois da morte do Duque D. Diogo, quando D. João II chamou o futuro D.
Manuel e lhe disse esta coisa – D. João II era bom rapaz – e portanto disse
esta coisa extraordinária (e eu costumo dizer às vezes a brincar, numa certa
mistura de carinho):
«Oh Manelito (porque era novito, era uma criança),
olha meu menino, é assim: o teu irmão foi um malandro, foi um traidor. Eu tive
que o matar. Portanto, tu agora “põe-te a pau”. Se ficares comigo, se fores bom
rapazinho, ficas com tudo o que é dele (mas na sua estratégia disse-lhe logo):
tudo, tudo, … não. Há ali umas coisitas que eu vou trocar (porque lhe
interessava), mas de um modo geral tu ficas com tudo. E olha, sou tão teu
amigo, tão teu amigo, que até nem quero que tu te chames mais Duque de Beja.
Quero que te chames Duque de Viseu».
Para quê? Para fazer esquecer a traição que tinha sido,
de facto digamos que liderada pelo Duque, então designado de Beja, que era o
próprio D. Diogo. Portanto esta “generosidade” levou a que a Casa de Beja/Viseu
ficasse conhecida como Casa de Viseu.
Mas eu voltaria um bocadinho atrás e, portanto sabemos
como na sequência … (O Sr. Engenheiro, há bocadinho estava a dizer que o
Tratado das Alcáçovas era muito do meu agrado). E é efectivamente muito do meu
agrado porque o Tratado das Alcáçovas é o grande segredo de muita política do
reinado de D. João II. Como sabem, o Rei … (eu vou tentar não me perder em D.
João II, daqui a pouco chega Cristóvão Colon), o Rei é aclamado, enfim, na
sequência da morte do pai e também na sequência de uma guerra que tinha oposto
Portugal e Castela. E na sequência dessa guerra tinha-se feito uma paz. Essa
paz garantia que todas as navegações, ou melhor, o mar, abaixo do paralelo das
Canárias ficava livre para Portugal e o que ficasse acima desse paralelo ficava
livre para o comércio castelhano. Garantia-se também as pescarias contra-Bojador
para Portugal, o que era muito importante na época. Mas mais, neste Tratado
acordaram-se mais algumas coisas; uma das coisas que se acordou foi que seria
feito o casamento, quando chegassem à idade adulta, do filho do próprio D. João
II, que na altura era príncipe, com a filha dos Reis Católicos, Isabel. Viriam,
efectivamente, a casar, mas muitos anos mais tarde, em 1490. Para garantir este
acordo e como garantia de paz, estes dois miúdos iriam viver juntos sob a
protecção da velha Duquesa de Viseu, a mãe de D. Manuel, a mãe de D. Diogo, a
mulher do Duque de Beja, Dª Brites, a grande matriarca, como eu costumo
chamar-lhe, a mulher de ferro, como lhe chamou a Drª Odete, desde o séc. XV;
iriam viver sob a protecção dela, para Moura. Chamou-se então, como sabem, as
Tercerias de Moura.
Porque é que eu estou a dizer isto? Porque D. João II,
ao começar a governar, e retomo o que dizia à bocadinho, tem necessidade, portanto,
de mostrar a estas famílias quem é que manda.
Mas ele tem uma grande preocupação e a grande
preocupação é: «Quem está a guardar o meu filho é a minha sogra, …», que também
era tia da Rainha Católica, «… como é que vai ser? O que vai acontecer ao meu
filho se eu for desferir um golpe de misericórdia nestas famílias que se tocam
fortemente?», porque a Casa de Bragança e a Casa de Viseu eram fortemente
unidas, até por laços familiares, e de interesses, «bom, o que é que eu vou
fazer?»
Eu estou a dizer-vos isto porquê? Para mostrar que D.
João II não descurava nada. E portanto ele vai travar aquilo que costumo chamar
de “uma batalha diplomática com os Reis Católicos”, até conseguir anular
rapidamente as Terçarias, que neste momento já não lhe interessavam. E quando o
consegue, imediatamente ele desfere o golpe de misericórdia nas grandes Casas:
primeiro, a de Bragança.
A Casa de Viseu era economicamente mais forte, e no
entanto ele destrói primeiro a Casa de Bragança. E a pergunta que se coloca é:
porquê? Porque a Casa de Viseu, ou se quiserem, a Casa de Beja/Viseu não tinha
líder. D. Fernando tinha morrido, já; morreu em 70, antes mesmo do casamento
[acordo de casamento do príncipe D. Afonso]. O filho mais velho, que também era
muito miúdo, mas também tinha morrido. Restava um miúdo de 20 anos que era D.
Diogo. D. Diogo era uma criança. Tinha, de facto, poder, mas não tinha
liderança. O grande líder era D. Fernando, outro D. Fernando, o Duque de
Bragança, esse era o grande líder e daí que matar primeiro este ou dar primeiro
um exemplo, enfim, um castigo exemplar por crime de lesa-majestade a esta
pessoa, seria de facto, um exemplo.
E é por isso que logo …, vejam bem, é tudo tão
rápido…, os embaixadores voltam na Páscoa, na Páscoa faz-se o acordo, ou se
quiserem, o desacordo das Terçarias, vai-se buscar o menino à fronteira,
regressa-se com o menino, o Rei está em Évora, quando eu digo o menino é o
príncipe filho de D. João II, o Rei está em Évora para o receber, o Duque de
Bragança acompanha-o, em Évora há grandes festas, o Duque de Bragança que já
andava um bocado desconfiado que o Rei não gostava assim muito dele, mas
sentiu-se bem, sentiu-se á vontade porque havia grandes festas e … tão à
vontade que resolveu, no dia de Corpo de Deus à tarde, ir despedir-se de D.
João II para voltar para as suas terras. Isto tudo numa sequência, isto tudo
não demora três meses. D. João II disse-lhe esta coisa simples: «Está bem, está
bem, olha sobe ali ao primeiro andar que eu já vou ter contigo». E … o Duque de
Bragança já não saiu. A seguir deu-se toda aquela encenação do julgamento e o
Duque de Bragança, a pessoa com mais prestígio do Reino, é condenada, enfim,
com “muito desgosto” do Rei, é condenado e lá ficou sem cabeça.
Claro que depois poderíamos falar da segunda dita
conspiração também. Aliás, o processo das conspirações é muito engraçado, … mas
não podemos ir agora por aí, mas podemos falar na segunda, que acaba por levar
D. João II a apunhalar, ou ele ou alguém por ele, junto dele, o próprio
cunhado, o Duque de Beja/Viseu, D. Diogo.
Porque é que eu estou a chamar a atenção para estes
pormenores? Porque estamos diante de um monarca que não só conhece as pessoas,
como se preocupa com a respectiva acção e como não hesita em agir no tempo
certo.
Agora estamos a imaginar o nosso amigo Cristóvão Colon,
que era um rapaz, enfim, bom rapaz, bom marinheiro, bom tudo, muito
interessante, que vai dizer a D. João II que quer ir à Índia por Ocidente. D.
João II diz-lhe não. Ele bate o pé e diz: «então vou-me embora». E D. João II
deixa-o ir? No mínimo ficava sem cabeça! No mínimo ficava sem cabeça!
Se efectivamente D. João II tem tido conhecimento …,
duas coisas: se D. João II lhe interessava muito Cristóvão Colon e se sabe ou
desconfia, porque dizer que ele partiu às escondidas, bom …talvez não se
encaixe aqui muito bem. Portanto, se ele desconfia, porque ele sabia de tudo o
que se passava, que ele ia, ele não ia!
Porque nós sabemos como D. João II foi perseguir todos
aqueles que eram acusados da Casa de Viseu, foi persegui-los até onde foi
preciso. Um, foi matá-lo a Avinhão, outros, D. Garcia de Meneses, coitado, bem
foi lá para a cisterna, mas mesmo assim, três dias depois estava morto. E
outros por aí fora: o Marquês de Montemor lá morreu em efígie em Abrantes, e
outros como ele. O Conde de lá de cima, [de Penamacor], lá fugiu para Castela e
depois foi para França, mesmo assim foi preso na Torre de Londres, depois
fugiu, mas enfim …. Isto, portanto, para dizer que, quando D. João II queria,
não brincavam com ele. Ele perseguia! Portanto, a minha primeira grande dúvida
que se coloca relativamente a estes primeiros momentos de Cristóvão Colon é
exactamente relativamente à sua ida para Castela. Eu não acredito que D. João
II tivesse conhecimento, efectivo, daquele projecto [de Colombo chegar às
Índias pelo Ocidente] e, se não quisesse, que Cristóvão Colon, por muito que se
escondesse, tivesse conseguido chegar a Castela!
Portanto, aquilo que eu queria dizer é que se D. João
II quisesse que Cristóvão Colon ficasse em Portugal, ele não teria partido. Se
ele não quisesse, sabendo que Colon iria apresentar o seu projecto aos Reis
Católicos, ele não chegaria lá! Conhecendo-se, portanto, o homem que é D. João
II.
Agora, outra questão se coloca relativamente à relação
que o Rei poderia, eventualmente, ter com este homem. E há um momento em que
ele vai para Castela. É por demais conhecido, fala-se muito, na importância que
terá tido o casamento de Cristóvão Colon com uma menina portuguesa, filha de
Bartolomeu Perestrelo e de Isabel Moniz. Isabel Moniz era uma mulher muito
próxima da Casa de Viseu. Eu acredito que Isabel Moniz poderá ter sido dama …
(a Drª Odete não a encontrou na tese de doutoramento, eu sei, eu estive a ver,
estive à procura, não a encontrou na tese de doutoramento quando elenca todas
as damas da casa de Dª Brites). No entanto eu acredito que ela possa ter sido
uma das damas de Dª Brites ou, se não foi (Isabel, estou a referir-me à mãe de
Filipa, antes do casamento portanto), poderá ter sido mais cedo, antes da nossa
amiga Brites se ter alcandorado a uma glória maior com a liderança da Casa de
Viseu. Mas, se não foi, estava muito perto de quem era da Casa de Viseu. Basta
lembrar, por exemplo, que um homem chamado Diogo Gil Moniz foi Vedor da Fazenda
e Reposteiro-Mor, que é no fundo o cargo máximo de confiança, do Duque de Beja,
D. Fernando. Ora este Diogo Gil Moniz é irmão de Isabel Moniz, portanto tio de
Filipa Moniz, que casa com Cristóvão Colon. Mais ainda, uma familiar sua,
Isabel de Sousa, é a mulher de confiança de Dª Brites, esta Duquesa de Viseu de
quem temos estado a falar e que é a mulher mais espectacular do séc. XV, é uma
política feroz, é uma mulher que mexe os cordelinhos todos da Casa de Viseu.
Ela é uma mulher que consegue, quando o filho é morto, o D. Diogo, ela
consegue, como diz o cronista “manter-se
muito inteira”. Como senhora que era! E não se desmancha. Ela sabia que ali
agora quem mandava era o Rei, e o Rei era D. João II. E ela era a mãe da
rainha, porque D. Diogo era irmão da rainha, da Dª Leonor. São coisas que
realmente não lembram… E portanto ela manteve-se e liderou a sua Casa duma forma
espectacular. Como tinha liderado ela própria, se calhar, e fica aqui a
interrogação, a conspiração que levou à morte do filho. Mas isso seria tema
para outra Conferência.
Mas, portanto, esta mulher tinha um poder imenso:
pessoal, económico, político e de adaptação. Ela vai viver, ele vai, a partir
do momento em que lhe morre o filho, ela vai defender o futuro de Manuel. Vai
defender-lhe o futuro! E mais ainda quando morre o filho legítimo de D. João
II. Quando D. Manuel é o potencial herdeiro do trono, mas se sabe que D. João
II tem um bastardo que quer legitimar. E esta é uma mulher que nós vamos
acompanhar até 1492, sensivelmente, sossegadinha na sua Casa, mas que vai
renascer das cinzas na época de decadência de D. João II e vai conseguir vencer
politicamente. Ela é realmente uma mulher fenomenal, excepcional para a época.
Isto tudo para dizer que estas pessoas muito perto de Isabel Moniz, mãe de
Filipa, eram portanto, claramente, da Corte dos Duques de Viseu.
E deixem-me dizer que nestes neo-senhorialismos,
quando fazemos investigação histórica, nós encontramos, em Portugal duas Cortes
alternativas. Uma Corte alternativa é a Casa de Bragança, que há-de depois ter
a sua sede, enfim, mais portentosa, em Vila Viçosa, mas que já o é! E é a Casa
de Viseu que tem a sua sede precisamente na residência desta Dª Brites. São
Cortes de tal maneira alternativas, quando eu digo alternativas é no sentido de
que elas se levantam quase ao nível da Corte régia – elas têm os seus
cavaleiros, elas têm os seus escudeiros, elas têm uma Casa organizada tal como
a Corte régia. Dª Brites lidera uma destas Casas. Ora, Isabel Moniz pertence a
esta Casa, com os seus familiares mais próximos. Ora Filipa Moniz, necessariamente,
pertence também a esta Casa. A situação de Filipa Moniz estar nas Donas de Santos,
nas Donas de Santiago, não tem nada de especial. Porque para ali, de facto, iam,
não eram as pobres e órfãs como se disse durante muito tempo. Não, não! Eram de
facto as grandes gentes, que a mão régia ou a mão de algum grande destas Cortes
alternativas ali colocava, nomeadamente, como é óbvio, a Duquesa de Viseu,
profundamente ligada à Ordem de Santiago, que por sua vez está muito ligada aqui
às Donas. Portanto, nós temos aqui uma proximidade muito grande, e era isto que
eu queria fazer realçar, temos aqui uma proximidade muito grande, da família
Moniz com esta Corte, que é a Corte de Viseu.
Quando se coloca o problema do casamento de Cristóvão Colon,
a questão que se coloca é esta: como é que ele lá chegou?
Como é que ele se alcandorou ao nível desta grande
Corte, a ponto de ir casar com uma menina que, no fundo, estava, digamos que
protegida por esta entourage, por esta grande Corte, por esta grande Casa de
Viseu?
Só se pode explicar se, e aliás não estou a dizer
nenhuma novidade, os senhores têm-no dito e escrito, se de facto Cristóvão Colon
for alguém conhecido dentro da Casa de Viseu. E dentro da Casa de Viseu, de
facto, só pode ser um homem do mar, um homem do mar e um homem considerado.
Acreditamos que sim. Nós não nos podemos esquecer que esta Casa de Viseu é a
Casa do Infante D. Henrique, e precisamente que o Duque de Beja, D. Fernando,
era seu sobrinho, mas não só! Era adoptado, era perfilhado. Foi o herdeiro! Com
ele, o mundo da navegação, com a morte do Infante D. Henrique, a partir de
1460, veio para as mãos da Casa de Viseu. Já não muito tempo para ele, porque
D. Fernando morre em 1470 e também porque se interessava mais pela guerra no
Norte de África, mas para esta família. E se nós formos analisar, por exemplo,
a exploração da Madeira, a exploração dos Açores, as ilhas de Cabo Verde, estão
todas na mão – os donatários são os grandes senhores da Casa de Viseu. Portanto
a Casa de Viseu é, como sabem, a Casa por excelência ligada às navegações, ao projecto
que depois é adoptado e liderado por D. João II.
E portanto aparece-nos aqui um Cristóvão Colon claramente
pertencente à Casa de Viseu, claramente acarinhado na Casa de Viseu e, em
consequência disso e do seu saber marítimo, claramente acarinhado também por D.
João II. Não tenho grandes dúvidas sobre isso. Agora … é um entre os outros!
Que provavelmente D. João II terá tido junto de si nalguns momentos? Acredito
que sim! Aliás há uma coisa curiosa: segundo os estudiosos Cristóvão Colon ter-se-á
instalado em Lisboa mais ou menos em 80/81. Antes teria estado no Porto Santo e
no Funchal. É o ano em que D. João II começa a governar. D. João II tinha
começado a liderança do projecto africano já a partir de 70, mas realmente é
agora, quando ele começa a governar, que ele faz coisas interessantes e vai-se
rodear de gente interessante.
E há aqui uma coisa muito interessante. Quando começa
a governar, a primeira coisa que D. João II faz, em termos de projecto atlântico,
é mandar construir o castelo de S. Jorge da Mina. Não é por acaso! Nós sabemos
que ele acredita que pode fazer ali um entreposto que vai ser fundamental, por
um lado à exploração comercial, que lhe interessa, da costa africana e do
interior, e do ouro de Tombuctu que havia de sair por ali também.
Mas por outro lado ele vai ser um ponto importante
para a prossecução dos seus objectivos, para a recolha de informações, etc,
etc.
Como sabem, a política desenvolvida por D. Afonso V e
por aqueles que o rodeavam e que, sim o [incentivavam?], e por isso tiveram de
morrer, foi a Casa de Bragança e a Casa de Viseu. No tempo de D. Afonso V era
de somenos importância o projecto africano, o projecto de exploração da costa
africana. Era mais a ocupação de castelos no interior de Marrocos. Ora bem, D.
João II tentou, enquanto era príncipe, a construção de S. Jorge da Mina. E o
Conselho Régio, que então não era o seu Conselho, era o Conselho do pai, não
autorizou. A primeira coisa que ele faz quando começa a governar, eu agora não
tenho aqui a data, mas sei que a construção se iniciou logo em Outubro,
portanto ele começa a governar em princípios de Setembro. O pai morre em 28 de
Agosto e um mês depois ele já está a enviar os seus navios para a construção de
S. Jorge da Mina. E o cronista diz-nos "mesmo
contra Conselho". Os do Conselho ainda foram contra. Só que agora era ele
que mandava, e portanto, ao Conselho já não adiantava ser contra – os navios
foram mesmo. Quem é que D. João II manda? Sabem que esta construção se revestiu
de muito, muito sigilo. Sabem que estávamos ainda – eu não estou aqui a
defender a política de sigilo que Jaime Cortesão criou assim como dogma de fé,
não totalmente – mas há algum sigilo efectivamente; não pode deixar de haver:
hoje também temos polícia secreta, não é? E somos uma democracia, portanto não
pode deixar de haver, tem que haver algum sigilo e neste caso concreto também o
havia.
Portanto D. João II manda lá as tais carracas velhas
que depois manda afundar, para dizer que não havia como voltar, precisamente
para desencorajar os castelhanos e os aragoneses de tentarem ir lá também e portanto,
olhem, manda homens da sua confiança. Isso é que é o mais importante. Ele manda
Diogo da Azambuja e manda outros homens da sua confiança. E não sei se
Cristóvão Colon também não terá ido. Quando ele nos diz isso, é bem possível
que tenha sido um dos homens.
(continua)
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