domingo, 17 de junho de 2012

D. João II e Cristóvão Colon - que relação? (parte 3)


Palestra da Profª Doutora Maria Manuela Mendonça
Cuba, 19 Maio 2012 

(parte 3)

E Cristóvão Colon o que é que faz no exílio? Procura a sua sorte! Ele sabia que não havia projecto de expansão marítima no sentido da descoberta, em Castela, nem em Aragão, nem em nenhum outro reino. Não havia! Não havia especialistas, deixem-me passar a expressão, como em Portugal. Nós sabemos que os homens do mar que existiam, não se esqueçam, estamos no final do séc. XV, muitos deles, muitos dos que ensinaram coisas em Castela foram fugidos de Portugal, ou emigrantes, mas de um modo geral, fugidos. Nomeadamente nesta altura. Não havia projecto em Castela. Seria uma lança em África se Cristóvão Colon fosse oferecer os seus préstimos aos Reis Católicos. No fundo ele ia oferecer alguma coisa que era nova. Ali sim, era novo! E é isso que Cristóvão Colon procura fazer. E como se dizia há pouco, não se zangou por os Reis não terem … é curioso que os Reis receberam-no logo em 1486, em Alcalá de Henares, portanto não demorou muito tempo a receberem-no. Mas depois ele leva uma vida de humilhações, de dificuldades, como se diz, foi ridicularizado nas Juntas de Cosmógrafos, de matemáticos, as pessoas riam-se um bocado daquilo e tanto quanto se sabe, tanto quanto se diz também, mesmo quando mais tarde o autorizaram a ir, ele teve dificuldade em encontrar quem lhe financiasse a aventura, digamos assim.
Os Reis Católicos não investiram muito naquilo, deixaram-no ir; mas não havia claramente um projecto em Castela, ao contrário do que acontecia em Portugal.
Aquilo que ele via em Portugal de entusiasmo, ele não encontrou em Castela. A questão que se pode colocar é que se esse desânimo vivido em Castela terá motivado a tal carta, se eventualmente ele terá pedido ao Rei para lhe dar segurança para voltar a Portugal. Isto não é de admirar, porque nesta altura muitos voltaram. Nós encontramos muitos registos, na chancelaria, de perdão e segurança a muitas pessoas que tinham fugido e que neste … Tinham acalmado os ânimos, D. João II tem um reinado muito interessante, eu costumo dizer que ele tem três fases no reinado: tem aquela fase em que ele limpa o campo, que vai até 1484, tem depois a fase do apogeu, da estabilidade, do crescimento e da glória, que vai até 1491/92. Em 91 morre o filho, depois ainda consegue as Ordens de Cristo e de Santiago para o filho bastardo em 92, mas a partir de 92 é a fase de decadência e do crescimento da oposição. Ora o reinado de D. João II em 88 está no seu ponto auge e ele já não teme traições. Já podem voltar muitos. Até os próximos das Casas e de Viseu e de Bragança voltaram, são perdoados. Portanto eles já não querem traições, porque agora é ele que manda!
Então enquadra-se perfeitamente esta hipótese de Cristóvão Colon ter pensado em voltar. Pensou? -Acredito! Escreveu? -Talvez! O Rei respondeu-lhe? -Tenho dúvidas!
Mas ele tinha necessidade, no seu projecto, ou ele ou alguém depois por ele, para legitimar a continuidade em Castela e o serviço subsequente, ele precisava também, de se dar como benquisto em Portugal.
E portanto esta carta oferece muitas dúvidas mas tem claramente uma explicação. Agora, aquilo que eu não posso aceitar, e que enfim, não posso aceitar com a minha cabeça a pensar, como é óbvio, respeito muito o que os outros dizem, mas com a minha cabeça a pensar eu não aceito é a ideia da tal nota à margem que está …[no livro], em que está escrito que ele, Cristóvão Colon, estava em Portugal quando regressou Bartolomeu Dias, quando estiveram a estudar os avanços que se sucediam à viragem do cabo da Boa Esperança por Bartolomeu Dias.
Se esta carta for mentira, Cristóvão Colon nunca voltou a Portugal!
Se esta carta for verdade, ele poderá ter voltado. Mas o Rei sabia que ele vinha, mas ia. Porque o Rei deu-lhe autorização para vir, estar, até ir. Agora a questão que se coloca é esta: então D. João II, sabendo que o homem vinha e que se ia embora, sabendo que ele estava a oferecer os seus serviços, porque sabia, aos Reis de Castela, era tão ingenuozinho que o fosse meter dentro dos segredos da rota do Cabo?
É evidente que os defensores da tese do espião dizem assim: “não, não, porque isso é que prova, porque ele deixa-o ir embora também”.
Mas eu colocaria uma pergunta: então qual era o interesse, nesta altura do campeonato, em que claramente D. João II sabia que ia até à Índia pela rota do Cabo, qual era já o interesse em ir distrair os castelhanos, que nunca tinham manifestado o menor interesse pela oferta de serviços que Cristóvão Colon lhes estava a fazer?
São interrogações que ficam. Não é certo portanto, há muitas dúvidas sobre esta segunda vinda, e mesmo se se quisesse admitir essa vinda, ele tornava-se, de alguma maneira, difícil de interpretar, considerando a chancelaria dos Reis católicos, conhecendo os itinerários dos Reis Católicos e sabendo onde Colon se movimentou logo na sequência desta “pseudo” carta.
Sabe-se que ele acompanhou a Corte, inclusivamente um dos seus filhos nasceu lá, da tal Beatriz, logo em 1488 e enfim, sabe-se da sua presença por aquelas zonas. Portanto não é de crer que ele tenha voltado, mas, como digo, apenas quero deixar aqui as interrogações.
Aquilo de que não há dúvida é que ele voltou quando regressou da sua primeira viagem, aah disso é que não há dúvida concerteza. E podemos dizer que esse regresso pode, de alguma maneira, ser chave para o entendimento de um Colon ao serviço, ou não, do Rei de Portugal.
E a questão que se coloca é saber, toda a gente pergunta, portanto também não vou dizer nenhuma novidade, … eu já não pergunto porque é que ele veio aportar a Portugal, vamos imaginar que sim, que houve uma tempestade e tudo isso vamos deixar; mas a questão é esta: ele vai a Cascais e depois vem ao Restelo; vem ao Restelo e depois vai visitar o Rei de Portugal – porquê? É ele que quer ir visitar o Rei de Portugal ou é o Rei de Portugal que lhe determina que ele o vá visitar?
E para pensarmos um pouco nessa questão que eu coloco, recorremos ao Diário em que se diz que «o Rei o mandou chamar» - o Rei é que teve a iniciativa – o mandou chamar!
E ele escreveu que “…assim fez para que não houvesse suspeita, posto que não quisesse ir”.
É evidente que ele pode ter escrito isto aqui para não levar na cabeça, dos Reis Católicos, porque em vez de se ir embora foi visitar o Rei de Portugal. Podem dizer isso, claramente podem dizer isso, mas a verdade é que ele foi e a verdade é que ele não foi preso e a verdade é que ele ficou lá três dias.
Mais - quem é a pessoa que D. João II manda para o acompanhar? D. Martinho de Noronha! - Quem é D. Martinho de Noronha? D. Martinho de Noronha é um homem da confiança, claramente, de D. João II. É dos poucos que o acompanhou até à hora da morte no Alvor. Mas é também um homem ligado à família de Viseu. É um homem que certamente Colon, nos seus tempos de presença junto da Casa de Viseu, terá conhecido, ou a ele directamente ou aos seus familiares. É um homem que para si é uma referência - D. Martinho de Noronha é uma segurança para Cristóvão Colon, porque Cristóvão Colon diz no seu Diário: «para tirar suspeitas».
Portanto quer dizer que havia aqui no meio algum receio e portanto D. Martinho pode ser uma carta de segurança se efectivamente Cristóvão Colon teve receio de, neste seu regresso, ser acusado da tal traição. É uma segurança.
Podíamos discorrer agora mais um pouco sobre esta viagem, podíamos confrontar aquilo que Cristóvão Colon escreveu com aquilo que os cronistas portugueses escreveram - é diferente. De facto, enquanto que os cronistas portugueses disseram que D. João II não lhe achou graça nenhuma e até que ele tinha um bocado de fama de “alevantado”, ele diz que foi tudo muito bom, que o Rei o mandou sentar … Não é de somenos importância ele escrever ali que o Rei o mandou sentar, porque, como saberão, no protocolo régio falava-se com o Rei, de pé. Quando o Rei manda sentar é um privilégio muito especial, o Rei mandar sentar. Porque é que ele insiste que o Rei o mandou sentar? Concerteza é porque falou de pé! Ou não ..
Muitas vezes, quando se escreve, quando se tem necessidade de dizer, isso pode ser sintomático de alguma coisa. Eu continuo sempre na minha perspectiva de um Colon fugido à justiça régia e portanto, que agora estava diante de D. João II. E quando ele diz que o Rei o tratou muito bem quando o mandou buscar, mandou que se arranjassem as caravelas e se fornecessem todos os mantimentos possíveis e que não se recebesse dinheiro, quando nós abordamos este tipo de informação pensamos: mas que grande consideração que ele tinha por Cristóvão Colon – deu-lhe tudo! Mas importa saber que esta era uma prática corrente entre os Reis – quanto mais “eu” queria manifestar a “minha” importância, menos “eu” queria reciprocidade.
Ora, o Rei D. João II não encheu a caravela e arranjou aquilo tudo, (ou mandou encher …), de Cristóvão Colon, por deferência ao navegador, mas para manifestar a sua riqueza e poder frente aos Reis Católicos. Posso-vos contar que, por exemplo, durante o cerco a Granada, os Reis católicos viram-se aflitos: faltou-lhes a pólvora e mandaram pedir a D. João II se podia arranjar. E o cronista diz-nos que «ele mandou-lhes não só aquilo que eles pediram, como muito mais, e não quis nenhum dinheiro por isso». Tal era o poder do Rei de Portugal! É realmente uma mentalidade; isto não pode servir para nos dizer da importância que ele dava a Cristóvão Colon. Serve sim para nos dizer da importância que ele próprio, o Rei, queria manifestar de si e do seu reino.

(continua)

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