terça-feira, 12 de junho de 2012

D. João II e Cristóvão Colon - que relação? (parte 2)


D. João II e Cristóvão Colon - que relação?

Palestra da Profª Doutora Maria Manuela Mendonça 
Cuba, 19 Maio 2012

(continuação, parte 2)

E depois, no regresso havia conversas. Conversas de como é que se avançava, de como é que era possível avançar mais umas léguas na costa africana, conversas sobre se efectivamente haveria lá um fim ou não haveria e, claramente acredito que possa ter nascido, acredito, que possa ter nascido em Cristóvão Colon a hipótese de se ir para Ocidente.
Essa hipótese pode ter sido conversada. Não foi uma novidade, Cristóvão Colon. Mas sabia-se que havia terras a Ocidente, D. João II tinha inclusivamente autorizado já algumas caravelas que partiriam dos Açores, como sabem muito bem, e que buscavam terras naquela zona. Antes disso e depois disso; portanto não era propriamente uma novidade. Se Cristóvão Colon se entusiasmaria com essa hipótese? É possível. Que ele tivesse um projecto, acabado, que fosse apresentar a D. João II, não sei, não sei.
Agora que ele falava com D. João II nas hipóteses várias, ah, isso certamente!
Ele refere que teve conhecimento da viagem de Diogo Cão e alguns estudiosos colocam como hipótese de ele ter ido…, como hipótese justificativa da partida dele para Castela, exactamente o desaire na sequência dessa viagem de Diogo Cão. A viagem de Diogo Cão, no fundo, sabem, ele convenceu-se de que tinha efectivamente dado a volta ao corno de África, veio dizer a D. João II que tinha. D. João II prepara uma embaixada toda muito bonita, manda dizer ao Papa que nós já lá chegámos e depois disso descobre-se que afinal não era verdade. Diogo Cão cai em desgraça, como é óbvio; outros terão caído em desgraça. Isso poderia justificar a fuga de Cristóvão Colon? Não sei. Porque coloca-se habitualmente essa fuga em 1485. É posterior a informação, porque a embaixada que vai para o Papa vai precisamente em Dezembro de 85. Só depois se tem a informação do erro. Não se afigura muito provável. Agora já se afigura provável que no regresso, no regresso de Diogo Cão e na sequência das discussões com os matemáticos e com os homens do mar, efectivamente Cristóvão Colon tenha estado presente.
Então porque é que ele se foi embora? Se efectivamente o rapaz tinha boa relação com o Monarca, se estava socialmente integrado, se era um marinheiro experimentado e considerado, tanto que tinha sido aceite na família de Viseu, porque é que ele se vai embora?
E é aqui que eu, efectivamente, coloco o acento tónico. Não é novidade, esta tese é a minha também, comungo dela, não é novidade, mas na minha perspectiva, Cristóvão Colon só se foi embora porque alguma tragédia aconteceu que o impediu de ficar em Portugal. E essa tragédia foi com certeza a morte do Duque de Viseu. O Duque de Viseu morre em Agosto de 1484, mas antes, já tinha morrido no ano anterior o Duque de Bragança. E o Duque de Bragança viu toda a sua família … viu, não, coitado que já tinha morrido, mas toda a família do Duque de Bragança se acolhe a Castela, se acolhe à Corte dos Reis Católicos. E Vão-se instalar onde? Na zona de Sevilha. Eu há pouco falava ao Sr. Engenheiro num colega meu que tem estudado muito esta família e a respectiva instalação e ele tem demonstrado como toda aquela gente se instalou; aliás D. Álvaro, de que alguém falou esta manhã, o D. Álvaro vai estar em Sevilha vai ser uma pessoa importantíssima mais tarde na Casa da Contratação, que aliás é uma cópia da Casa da índia portuguesa, mas isso é outra coisa, mas, Sevilha é como que o quartel-general dos foragidos à justiça portuguesa, toda aquela zona, Sevilha, e depois Málaga.
Eu contactei em tempos o responsável do Arquivo Diocesano de Málaga, ele facultou-me uma série de documentos em que nós encontramos todas as terras que, na época, naquela zona, foram doadas a portugueses que ali se foram instalar.
Então, um êxodo muito grande, porque, eu disse há pouco, estas Cortes eram enormes, eram Cortes alternativas. Quantos fugiram? Fugiu quem tinha culpa e fugiu quem não tinha culpa, se acaso algum tinha culpa, … isso é outra coisa.
Mas fugiu quem tinha e quem não tinha, porque sabia-se que toda aquela gente iria ser perseguida.
E se nós formos ver a documentação do tempo de D. João II, sobretudo depois da morte do Duque de Viseu, de Beja/Viseu, nós vemos a quantidade de sentenças que há para toda aquela gente. É impressionante, e portanto as pessoas fugiram, debandaram completamente. Eu, para mim, é aqui que se situa o motivo porque Cristóvão Colon abandonou Portugal. Abandonou …, com outros, não sozinho. Foi-se instalar na zona de Sevilha, pois naturalmente era lá que havia gente conhecida. Sabemos que tinha lá um familiar, mas também sabemos que tinha lá toda a Corte de Viseu, praticamente toda, sobretudo homens. Porque as mulheres eram mais facilmente perdoadas e ficavam. Mas, sobretudo homens, estavam todos lá. E portanto é para ali que ele vai, não vai para outro lado.
Digamos que se acolhe em família, até especificamente ao cunhado, mas até é importante a família do cunhado a quem vai entregar o filho. Mas eu não queria fixar-me aí. Queria fixar-me na viabilização de vida que se deu a todos os foragidos de Portugal naquela mesma zona, a partir de 1483 e com intensidade maior agora, em 1484. Portanto, esta é a minha opinião para a saída de Cristóvão Colon, de Portugal.
Agora, embora eu tenha dúvidas, sérias, no que se refere ao documento a que muita gente se refere, que foi encontrado posteriormente e de que se fala muito, sobre o regresso ou hipotético regresso a Portugal, de Cristóvão Colon em 1488, embora tenha dúvidas, repito, eu tenho dele uma interpretação e essa interpretação vai claramente, na minha opinião, a favor da minha …, da aceitação da hipótese – não digo minha porque ela já existia – da aceitação da hipótese de que Cristóvão Colon tenha partido para Castela na sequência da segunda conspiração e portanto, da morte de D. Diogo.
E se nós pensarmos nesta carta que é escrita a 20 de Março de 1488, registada de Avis, nós temos que a ver toda. Não a podemos ver como uma carta que sabemos que foi escrita. Bom, para já aquela carta é muito curiosa, porque não tem protocolo nem “escritocolo”. Diz-se que é uma carta escrita directamente pelo Rei, mas o Rei não escrevia, tinha sempre um escrivão. E o escrivão, qual ele era, ficava sempre registado. Tanto quanto eu sei não está na cópia que existe desta carta. Mas deixemos isso de lado, porque o seu teor, que é importante porque ela serve-nos. Quer ela seja verdadeira, quer ela seja falsa, ela serve-nos.
Porque, se foi forjada, foi para alguma coisa. No entanto não deixa de ter lá o essencial, e na minha perspectiva o essencial é o registo do Rei quando diz – o Rei está a responder a Cristóvão Colon e curiosamente não apareceu nem a que Cristóvão Colon escreveu nem a que o Rei lhe respondeu; nos registos de Avis, da chancelaria em Avis neste dia, há muitas outras cartas, mas esta não existe; portanto é tudo um bocado enigmático, - mas o que interessa é que o Rei se refere à «…boa vontade e afeição (ele está a falar com Cristóvão Colon) que mostrais terdes ao nosso serviço…».
Portanto há uma “declaração de amor” de Cristóvão Colon, claramente para que o Rei lhe responda e depois «…quanto à vossa vinda cá, certo. Assim pelo que apontais como por outros respeitos (não sabemos quais) nós a desejamos e prazer-nos-á muito de virdes (e agora mais importante do que isso) porque em o que vos toca se dará de tal forma de que vós devais ser contente…».
Portanto o Rei está a garantir-lhe que venha à vontade, porque vai ficar contente, vai ficar contente com a recompensa ou com a maneira como vai ser acolhido. Mas acrescentava esta outra coisa que não podemos esquecer «…e porque porventura tereis algum receio das nossas justiças…».
Mas porque é que Cristóvão Colon teria receio das justiças régias?
Mas o Rei disse «…receio por razão de algumas coisas a que sejais obrigado, nós por esta carta vos seguramos, pela vinda estada e tornada…». Isto é muito importante! Porque ele está a falar-lhe em que o segura na vinda, na estadia e no regresso. Ele está a partir do princípio que ele vem (se a carta for verdadeira) ele está a partir do princípio que ele vem mas que se vai embora. Isto é extremamente importante. Mas ele depois continua «…nós vos seguramos para que não sejais preso, retido, acusado citado nem demandado por nenhuma coisa, civil ou criminal…» É muito curioso; estes termos até não se usavam muito naquela época, mas eles estão cá! Bom …, «…civil ou criminal…».
Alguns dizem: “Ah, pois, é porque Cristóvão Colon devia ter aí algumas dívidas e tal, e era por causa disso”. Ora…, o Rei estava agora a importar-se com algumas dívidas de Cristóvão Colon, se fosse aí um borrabotas qualquer que tivesse aí umas dívidas, agora o Rei ia-lhe perdoar por causa das dívidas?
Alguém está a brincar!? … Não pode! Não pode!! Tem que haver qualquer outra grande justificação para esta segurança que o Rei lhe dá. Então e se ele fosse um rapaz cheio de dívidas era ao mesmo tempo o grande conselheiro, ou o grande marinheiro que privava nos Conselhos de D. João II para a decisão das coisas do mar?
Naquele tempo, como agora, a massa humana é a mesma. Se ele fosse grande, por muitas dívidas que ele tivesse nunca ia preso. A massa humana é a mesma, é a mesma coisa, o filme é o mesmo; temos de ter isso presente.
Ora agora o Rei diz-lhe outra coisa que também não pode deixar de ser interessante «…vem depressa (ao nosso serviço)». Vem depressa – ora que carta é esta? O que é que então esta carta a mim me diz? Diz-me que Colon privara com D. João II, que conhecia os projectos de D. João II, certamente terá sido entusiasta dessas hipóteses para Ocidente, que o rei não aceitava. Porque não vamos dizer que ele lhe apresentou um projecto! Porque o Rei conhecia muito bem a carta de Toscanelli, por exemplo, não é? Então o Rei conhecia, tinha os matemáticos, tinha aquela gente toda, o Rei conhecia, sabia, tinha autorizado gente já a ir. As coisas não tinham funcionado muito bem, isso não era prioritário para o Rei, que estava efectivamente muito mais centrado na rota do Cabo. Mas portanto admitimos que ele privou com o Rei, que foi entusiasta desta hipótese, mas a sua carreira de grande navegador em Portugal parou com a tragédia da Casa de Viseu, como eu disse já há bocadinho. Portanto, ele não podia fazer outra coisa senão fugir. E por isso foi-se embora. Só por isso!
O Rei deu por isso, que ele se foi embora? Talvez, mas também não foi atrás dele; eles eram tantos … Agora que sabia onde ele estava, talvez, efectivamente talvez soubesse.

(continua)

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