D. João II e Cristóvão Colon - que relação?
Palestra da Profª Doutora Maria Manuela Mendonça
Cuba, 19 Maio 2012
(continuação, parte 2)
E depois, no regresso havia conversas. Conversas de
como é que se avançava, de como é que era possível avançar mais umas léguas na
costa africana, conversas sobre se efectivamente haveria lá um fim ou não
haveria e, claramente acredito que possa ter nascido, acredito, que possa ter
nascido em Cristóvão Colon a hipótese de se ir para Ocidente.
Essa hipótese pode ter sido conversada. Não foi uma
novidade, Cristóvão Colon. Mas sabia-se que havia terras a Ocidente, D. João II
tinha inclusivamente autorizado já algumas caravelas que partiriam dos Açores,
como sabem muito bem, e que buscavam terras naquela zona. Antes disso e depois
disso; portanto não era propriamente uma novidade. Se Cristóvão Colon se
entusiasmaria com essa hipótese? É possível. Que ele tivesse um projecto,
acabado, que fosse apresentar a D. João II, não sei, não sei.
Agora que ele falava com D. João II nas hipóteses
várias, ah, isso certamente!
Ele refere que teve conhecimento da viagem de Diogo
Cão e alguns estudiosos colocam como hipótese de ele ter ido…, como hipótese
justificativa da partida dele para Castela, exactamente o desaire na sequência
dessa viagem de Diogo Cão. A viagem de Diogo Cão, no fundo, sabem, ele
convenceu-se de que tinha efectivamente dado a volta ao corno de África, veio
dizer a D. João II que tinha. D. João II prepara uma embaixada toda muito
bonita, manda dizer ao Papa que nós já lá chegámos e depois disso descobre-se
que afinal não era verdade. Diogo Cão cai em desgraça, como é óbvio; outros
terão caído em desgraça. Isso poderia justificar a fuga de Cristóvão Colon? Não
sei. Porque coloca-se habitualmente essa fuga em 1485. É posterior a
informação, porque a embaixada que vai para o Papa vai precisamente em Dezembro
de 85. Só depois se tem a informação do erro. Não se afigura muito provável.
Agora já se afigura provável que no regresso, no regresso de Diogo Cão e na
sequência das discussões com os matemáticos e com os homens do mar,
efectivamente Cristóvão Colon tenha estado presente.
Então porque é que ele se foi embora? Se efectivamente
o rapaz tinha boa relação com o Monarca, se estava socialmente integrado, se
era um marinheiro experimentado e considerado, tanto que tinha sido aceite na
família de Viseu, porque é que ele se vai embora?
E é aqui que eu, efectivamente, coloco o acento
tónico. Não é novidade, esta tese é a minha também, comungo dela, não é
novidade, mas na minha perspectiva, Cristóvão Colon só se foi embora porque alguma
tragédia aconteceu que o impediu de ficar em Portugal. E essa tragédia foi com certeza
a morte do Duque de Viseu. O Duque de Viseu morre em Agosto de 1484, mas antes,
já tinha morrido no ano anterior o Duque de Bragança. E o Duque de Bragança viu
toda a sua família … viu, não, coitado que já tinha morrido, mas toda a família
do Duque de Bragança se acolhe a Castela, se acolhe à Corte dos Reis Católicos.
E Vão-se instalar onde? Na zona de Sevilha. Eu há pouco falava ao Sr.
Engenheiro num colega meu que tem estudado muito esta família e a respectiva
instalação e ele tem demonstrado como toda aquela gente se instalou; aliás D.
Álvaro, de que alguém falou esta manhã, o D. Álvaro vai estar em Sevilha vai
ser uma pessoa importantíssima mais tarde na Casa da Contratação, que aliás é
uma cópia da Casa da índia portuguesa, mas isso é outra coisa, mas, Sevilha é
como que o quartel-general dos foragidos à justiça portuguesa, toda aquela
zona, Sevilha, e depois Málaga.
Eu contactei em tempos o responsável do Arquivo
Diocesano de Málaga, ele facultou-me uma série de documentos em que nós encontramos
todas as terras que, na época, naquela zona, foram doadas a portugueses que ali
se foram instalar.
Então, um êxodo muito grande, porque, eu disse há
pouco, estas Cortes eram enormes, eram Cortes alternativas. Quantos fugiram?
Fugiu quem tinha culpa e fugiu quem não tinha culpa, se acaso algum tinha
culpa, … isso é outra coisa.
Mas fugiu quem tinha e quem não tinha, porque sabia-se
que toda aquela gente iria ser perseguida.
E se nós formos ver a documentação do tempo de D. João
II, sobretudo depois da morte do Duque de Viseu, de Beja/Viseu, nós vemos a
quantidade de sentenças que há para toda aquela gente. É impressionante, e
portanto as pessoas fugiram, debandaram completamente. Eu, para mim, é aqui que
se situa o motivo porque Cristóvão Colon abandonou Portugal. Abandonou …, com
outros, não sozinho. Foi-se instalar na zona de Sevilha, pois naturalmente era
lá que havia gente conhecida. Sabemos que tinha lá um familiar, mas também
sabemos que tinha lá toda a Corte de Viseu, praticamente toda, sobretudo
homens. Porque as mulheres eram mais facilmente perdoadas e ficavam. Mas,
sobretudo homens, estavam todos lá. E portanto é para ali que ele vai, não vai
para outro lado.
Digamos que se acolhe em família, até especificamente
ao cunhado, mas até é importante a família do cunhado a quem vai entregar o
filho. Mas eu não queria fixar-me aí. Queria fixar-me na viabilização de vida
que se deu a todos os foragidos de Portugal naquela mesma zona, a partir de
1483 e com intensidade maior agora, em 1484. Portanto, esta é a minha opinião para
a saída de Cristóvão Colon, de Portugal.
Agora, embora eu tenha dúvidas, sérias, no que se
refere ao documento a que muita gente se refere, que foi encontrado
posteriormente e de que se fala muito, sobre o regresso ou hipotético regresso
a Portugal, de Cristóvão Colon em 1488, embora tenha dúvidas, repito, eu tenho
dele uma interpretação e essa interpretação vai claramente, na minha opinião, a
favor da minha …, da aceitação da hipótese – não digo minha porque ela já
existia – da aceitação da hipótese de que Cristóvão Colon tenha partido para
Castela na sequência da segunda conspiração e portanto, da morte de D. Diogo.
E se nós pensarmos nesta carta que é escrita a 20 de
Março de 1488, registada de Avis, nós temos que a ver toda. Não a podemos ver
como uma carta que sabemos que foi escrita. Bom, para já aquela carta é muito
curiosa, porque não tem protocolo nem “escritocolo”. Diz-se que é uma carta
escrita directamente pelo Rei, mas o Rei não escrevia, tinha sempre um
escrivão. E o escrivão, qual ele era, ficava sempre registado. Tanto quanto eu
sei não está na cópia que existe desta carta. Mas deixemos isso de lado, porque
o seu teor, que é importante porque ela serve-nos. Quer ela seja verdadeira,
quer ela seja falsa, ela serve-nos.
Porque, se foi forjada, foi para alguma coisa. No
entanto não deixa de ter lá o essencial, e na minha perspectiva o essencial é o
registo do Rei quando diz – o Rei está a responder a Cristóvão Colon e
curiosamente não apareceu nem a que Cristóvão Colon escreveu nem a que o Rei
lhe respondeu; nos registos de Avis, da chancelaria em Avis neste dia, há
muitas outras cartas, mas esta não existe; portanto é tudo um bocado
enigmático, - mas o que interessa é que o Rei se refere à «…boa vontade e afeição (ele está a falar com Cristóvão Colon) que mostrais terdes ao nosso serviço…».
Portanto há uma “declaração de amor” de Cristóvão Colon,
claramente para que o Rei lhe responda e depois «…quanto à vossa vinda cá, certo. Assim pelo que apontais como por
outros respeitos (não sabemos quais)
nós a desejamos e prazer-nos-á muito de virdes (e agora mais importante do
que isso) porque em o que vos toca se
dará de tal forma de que vós devais ser contente…».
Portanto o Rei está a garantir-lhe que venha à
vontade, porque vai ficar contente, vai ficar contente com a recompensa ou com
a maneira como vai ser acolhido. Mas acrescentava esta outra coisa que não
podemos esquecer «…e porque porventura
tereis algum receio das nossas justiças…».
Mas porque é que Cristóvão Colon teria receio das
justiças régias?
Mas o Rei disse «…receio
por razão de algumas coisas a que sejais obrigado, nós por esta carta vos
seguramos, pela vinda estada e tornada…». Isto é muito importante! Porque
ele está a falar-lhe em que o segura na vinda, na estadia e no regresso. Ele
está a partir do princípio que ele vem (se a carta for verdadeira) ele está a
partir do princípio que ele vem mas que se vai embora. Isto é extremamente
importante. Mas ele depois continua «…nós
vos seguramos para que não sejais preso, retido, acusado citado nem demandado
por nenhuma coisa, civil ou criminal…» É muito curioso; estes termos até
não se usavam muito naquela época, mas eles estão cá! Bom …, «…civil ou criminal…».
Alguns dizem: “Ah, pois, é porque Cristóvão Colon
devia ter aí algumas dívidas e tal, e era por causa disso”. Ora…, o Rei estava
agora a importar-se com algumas dívidas de Cristóvão Colon, se fosse aí um
borrabotas qualquer que tivesse aí umas dívidas, agora o Rei ia-lhe perdoar por
causa das dívidas?
Alguém está a brincar!? … Não pode! Não pode!! Tem que
haver qualquer outra grande justificação para esta segurança que o Rei lhe dá.
Então e se ele fosse um rapaz cheio de dívidas era ao mesmo tempo o grande
conselheiro, ou o grande marinheiro que privava nos Conselhos de D. João II
para a decisão das coisas do mar?
Naquele tempo, como agora, a massa humana é a mesma.
Se ele fosse grande, por muitas dívidas que ele tivesse nunca ia preso. A massa
humana é a mesma, é a mesma coisa, o filme é o mesmo; temos de ter isso
presente.
Ora agora o Rei diz-lhe outra coisa que também não
pode deixar de ser interessante «…vem
depressa (ao nosso serviço)». Vem
depressa – ora que carta é esta? O que é que então esta carta a mim me diz?
Diz-me que Colon privara com D. João II, que conhecia os projectos de D. João
II, certamente terá sido entusiasta dessas hipóteses para Ocidente, que o rei
não aceitava. Porque não vamos dizer que ele lhe apresentou um projecto! Porque
o Rei conhecia muito bem a carta de Toscanelli, por exemplo, não é? Então o Rei
conhecia, tinha os matemáticos, tinha aquela gente toda, o Rei conhecia, sabia,
tinha autorizado gente já a ir. As coisas não tinham funcionado muito bem, isso
não era prioritário para o Rei, que estava efectivamente muito mais centrado na
rota do Cabo. Mas portanto admitimos que ele privou com o Rei, que foi
entusiasta desta hipótese, mas a sua carreira de grande navegador em Portugal
parou com a tragédia da Casa de Viseu, como eu disse já há bocadinho. Portanto,
ele não podia fazer outra coisa senão fugir. E por isso foi-se embora. Só por
isso!
O Rei deu por isso, que ele se foi embora? Talvez, mas
também não foi atrás dele; eles eram tantos … Agora que sabia onde ele estava,
talvez, efectivamente talvez soubesse.
(continua)
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