quinta-feira, 10 de fevereiro de 2022

Colombo genovês, o tio errado # 46 ('Provas' 74 - 77)

 'Provas' {74}, {75}, {76} e {77} - págs. 484 e 485:

{74} –

Foi só mais tarde, já depois da morte de Domenico Colombo, que Sebastiano, filho de Corrado (de Cuneo) e portanto, ao que parece, irmão de Michele (de Cuneo), veio exigir de Cristóvão e de Giacomo ou Diego Colombo o pagamento da dívida paterna - o que lhes foi intimado por notificação judicial de 8.IV.1500 {74}.

{75} –

foram dados por ausentes, "nas partes de Espanha, como foi e é notório", foram a 26.I.1501 responsabilizados seus vizinhos de Savona, como era norma aí. {75}

{76} –

O relato (da segunda viagem colombina) de (Michele da) Cuneo consta de uma carta escrita em Savona entre 15 e 28 de Outubro de 1495, e endereçada ao nobre genovês Gerolamo Annari, grande amigo de Bartolomeu Colombo, de quem insistentemente pedira notícias {76};

{77} –

tem por título "Sobre as novidades das ilhas do Oceano Hesperico descobertas por D. Cristóvão Colombo genovês" {77}

 

ACC:

No contraditório à ‘prova’ {21} já nos referimos, extensamente, a partes do texto das págs.483 a 485, que aqui se volta a escalpelizar.

Estas alegações apresentadas como provas pelo Prof. Thomaz, bem como todo o texto onde estão inseridas, são bem um paradigma da construção ou montagem da narrativa histórica do Colombo tecelão genovês: 

* Começa por afirmar que Miguel de Cuneo era amigo do descobridor.

- Sem nada que o comprove. Dos actos notariais referentes à família Colombo conclui-se que viveu permanentemente em Génova até finais de 1471, em que começam a surgir indicações de que Domenico é habitante de Savona. De igual modo, Cristoforo surge ainda referido como tecelão de Génova num acto notarial de que é testemunha em Savona, em 20/03/1472. E em 26/08/1472 encontra-se o último acto notarial publicado na Raccolta onde participa Cristoforo, em que Domenico é designado como habitante de Savona e Cristoforo apenas como seu filho.

Não é provável, embora tal não seja impossível, que Cristoforo e Michele pudessem ser amigos, visto que não tiveram oportunidade, documentada, para conviverem ou sequer habitarem na mesma localidade o tempo suficiente para tal. 

* Continua dizendo que parece que durante os preparativos para a viagem [segunda] Colombo mandara convite a Michele de Cuneo para que o acompanhasse

- Parece ao Prof. Thomaz, mas não está documentado, pelo que não passa de uma suposição infundada.

* Parece-lhe mais provável que Michele fosse filho de Corrado da Cuneo porque este vendera em 1474 a Domenico Colombo dois terrenos em Legine.

- Michele seria filho de Corrado, mas quem vendeu em 1474 dois terrenos em Legine a Domenico não foi Corrado de Cuneo, mas sim um tal Seius, cidadão de Savona. (Cf. Raccolta, Parte II, Vol. I, doc. LVI)

* Embora Domenico, já em más condições financeiras não tivesse pago a compra, Corrado, magnanimamente, deixou-o até à morte na posse da propriedade, que ele pôde assim arrendar a terceiros em 1481.

– Duvidoso, pois o acto notarial de arrendamento por Domenico a Giovanni Picasso, datado de 17/8/1481 não está suportado documentalmente, sendo apenas referido por G.T. Belloro. (Cf. Raccolta, Parte II, Vol. I, doc. LXVI). Mas se Domenico tivesse arrendado essa casa em 1481 e regressado para Génova como indicam os actos notariais subsequentes, não poderia usar o valor da renda para ir honrando o pagamento da dívida da compra? 

* Foi por se sentir moralmente em dívida, que não estava em condições de saldar, que o Almirante convidou Michele, compensando-o assim da insolvência de Domenico.

- Não está comprovado que o Almirante tenha convidado Michele e é infundado que tal, a ter acontecido, se devesse a compensação pela dívida, pois Domenico não devia nada a Corrado de Cuneo, mas sim a um cidadão de nome Seius. (Cf. Raccolta, Parte II, Vol. I, doc. LVII)

* Que já depois da morte de Domenico, Sebastiano, filho de Corrado e ao que parece, irmão de Michele, veio a exigir de Cristoforo e de Giacomo ou Diego Colombo o pagamento da dívida paterna.

- Falso. Quem veio a exigir o pagamento da dívida foi Titius, filho de Seius, em 08/04/1500. Estranhamente não é mencionado Bartolomeu como co-responsável pela dívida paterna. Ainda mais estranhamente, se diz que Giacomo é dito Diego pois em nenhum acto notarial tal é referido e o argumento conhecido para justificar que eram a mesma pessoa é que o nome Diego seria o nome de Giacomo em Castela.

Tendo Corrado de Cuneo falecido em 1483, será que o seu filho e herdeiro Sebastiano esperaria 17 anos para exigir o pagamento de uma dívida ou para exigir a reversão da venda a Domenico? E como Domenico Colombo terá falecido c. 1494, não tentaria Sebastiano, no mínimo, resolver as questões com os respectivos herdeiros logo nessa altura?

* Que foram dados por ausentes, nas partes de Espanha e responsabilizados os vizinhos.

- É o que consta no texto do acto. No entanto desde 1481 que a família já não habitaria em Savona, pois teria arrendado a casa a terceiros, mas sim novamente em Génova. Em 25/08/1487 Giacomo é tecelão em Génova. (Cf. Raccolta, Parte II, Vol. I, doc. LXVIIII). Os vizinhos teriam em 1501 já sabido do boato que correra sobre o Almirante Colon de Espanha ser um Colombo genovês e sabiam que os Colombos já não habitavam em Legine de Savona, pelo que assumiram tratar-se dos mesmos personagens. Daí acharem que os Colombos, que eles já não viam há vinte anos, estavam ausentes nas partes de Espanha. 

* E que o relato de Michele de Cuneo sobre a segunda viagem consta de uma carta escrita em Savona ao nobre genovês Gerolamo Annari, grande amigo de Bartolomeu Colombo, de quem insistentemente pedira notícias.

- É na carta de Michele de Cuneo impressa pelo editor Giulio Einaudi na obra Nuovo Mondo – Gli Italiani 1492-1565, que Michele se refere a messe Bartolomeo como amigo de Annari (na verdade Aimari), a quem Michele trata por ‘Nobili Domino’  e ‘Nobilis domine honorande’ indicando assim que Annari pertencerá à nobreza, o que suscita algumas dúvidas quanto à efectiva relação de amizade

Para continuar a construção da narrativa refira-se que numa biografia de Michele de Cuneo, (AIRALDI, Gabriela – Dizionario Biografico degli Italiani, Vol. 74 – 2010) se menciona a amizade entre Gerolamo Aimari e Bartolomeu Colombo.

E que o pretensioso título da carta de Michele de Cuneo pode não ser mais do que um destaque inserido pelo editor, não constando nessa forma no manuscrito original e só com ele podendo ser comprovado. Tal como a amizade entre Annari e o tecelão Bartolomeo.

Porque, estranhamente, no corpo da carta nem uma única vez é escrito o nome do Almirante, sendo sempre referido como Senhor Almirante e Bartolomeo é mencionado por duas vezes, mas sem apelido.

O cúmulo de toda esta montagem de narrativa é que não existem os documentos dos actos notariais sobre a venda, dívida e processos referentes às parcelas de terreno em Legine acima mencionados e publicados na Raccolta.

O que existe são descrições desses alegados actos, publicadas um século depois, em 1602 por Julius Salinerius (Annotationes Ivlii Salinerii Ivreconsvl savonensis. Ad Cornelivm Tacitvm). E é numa nota à margem do livro, na pág. 342, que se diz que Seius e Titius não são os verdadeiros nomes. Por seu lado, na Raccolta, Parte II, Vol. I, em nota de rodapé ao doc. LVI se refere que num exemplar existente numa Biblioteca de Génova está manuscrito na margem, com letra do séc. XVII, que Seius era Corrado de Cuneo e Titius era o seu filho Sebastiano.

Será razoável aceitar que alguém interviesse em actos notariais de compra e venda e não se identificasse pelo próprio nome?

Será cientificamente aceitável identificar o cidadão Seius, que é o nome que consta nos actos notariais, com Corrado de Cuneo, só porque alguém escreveu à mão, num livro publicado um século depois, que Seius era Corrado de Cuneo?

E como se deve classificar a atitude dos autores da Raccolta Colombiana,Parte II, Vol. I, que no Doc. LVIII, de 19.08.1474 em que o cónego de Savona transfere para Dominico de Columbo o contrato de enfiteuse que mantinha com Conradus da Cunio, anotam em rodapé que este documento está indicado confusamente por Belloro, juntamente com os dois anteriores (compra por Domenico e reconhecimento da dívida) e apresentam também como referência a obra Annotationes de Julius Salinerius?

Mas na obra Annotationes de Julius Salinerius onde se descrevem os actos notariais da compra das parcelas de terreno, verifica-se que também neste contrato de enfiteuse a Domenico, se refere que anteriormente era seu titular o cidadão Seius e não Corrado de Cuneo

Ou seja, não existe nada referente a Corrado de Cuneo e G.T. Belloro foi iludido pela anotação manuscrita no livro de Salinerius.

Será ainda, razoável admitir que estes actos notariais existiram e que não foram o resultado de um exercício de elucubração desenvolvido por Julius Salinerius?

Ou pode fazer-se uma leitura menos benigna de tudo isto e adicionar estes papéis a vários outros, problemáticos, apócrifos, deturpados, falsos ou contrafeitos que pululam no rol dos pretensos documentos do Colombo tecelão genovês?

Convém não esquecer que Salinerius publicou em 1602, fase em que ainda decorriam os Pleitos Sucessórios onde Baldassare Colombo se apresentara com pretensões aos direitos, que beneficiariam Génova devido ao Mayorazgo contrafeito de 1498. Esta obra de Salinerius ajudaria assim a confirmar a tese fraudulenta.

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