'Prova' {110} - pág
751:
Escreveu ao Banco S. Jorge de Génova, de que se
conserva o original autógrafo, hoje exposto na municipalidade genovesa: yo
deso a Don Diego, mi hijo, que de la renta toda que se obiere, que os
acuda ali con el diezmo de toda ella, cada um año para siempre, para [ser] en
descuento de la renta del trigo y bino y otras bitualias comederas.
Significativamente a carta começava assim: Muy
nobles Señores: bien que el coerpo ande acá, el coraçón está alí de
continuo.
ACC:
Na Raccolta, P. I, Vol. III, série A, Tav. XIIII,
com transcrição na pág. 14, encontra-se publicada a carta da qual o Prof.
Thomaz salientou um trecho. Embora só seja reproduzido o interior e não o
reverso da folha, no qual estaria o nome do destinatário, é apresentada como
destinada ao Banco di San Giorgio. É considerada autógrafa, isto é, escrita
pela mão de Colon.
O que o Prof. Thomaz não refere aqui e só na pág.
756 menciona de forma que passe despercebido quando refere uma segunda carta do
Almirante a Oderigo, é que para o Ufficio di San Giorgio o Almirante não enviou
apenas a carta destacada pelo Prof. Thomaz, mas sim duas cartas em simultâneo.
Primeiro motivo a considerar é o facto de terem sido
enviadas pelo Almirante duas cartas para o mesmo destinatário. Se enviou duas
cartas e não apenas uma é porque tratavam de assuntos distintos, embora pudesse
haver algum ponto de contacto ou relação entre eles.
Segundo motivo a considerar, e neste caso também a
estranhar, é que só se tenha conhecimento público de uma das cartas.
Como menciona Henry Harrisse, o Ufficio di San
Giorgio in Genoa, a que ele chama Bank of St. George (embora só tenha tomado a
designação de Banca di San Giorgio em 1673) tinha uma excelente reputação e um
arquivo organizado.
A correspondência que chegava, depois de comunicada
aos directores, era arquivada, sendo cada folha dobrada ao meio verticalmente,
feitos dois furos e passado um cordel no qual se enfiavam todas as cartas
recebidas, sendo depois arrumadas em fileiras.
Tendo sido enviadas duas cartas pelo Almirante Colon
e só havendo uma no arquivo, apenas podemos supor dois motivos: ou a outra
carta se teria extraviado ou foi propositadamente subtraída do arquivo.
Mui nobres
senhores
Se bem que o
corpo ande aqui o coração está continuamente ali.
Nosso Senhor
fez-me a maior mercê que depois de David ele tenha feito a alguém.
As coisas da
minha empresa já brilham e fariam grande luz se a escuridão do governo não a
encobrisse.
Eu volto às
Índias em nome da santa Trindade para regressar em breve.
E porque eu
sou mortal, eu deixo a Dom Diogo meu filho que da renda toda que se tiver que
vos acuda ali com o dízimo de toda ela em cada ano para sempre para em desconto
da renda do trigo e vinho e outras vitualhas alimentícias.
Se este
dízimo for algo recebei-o, e se não recebei a vontade que eu tenho.
A este filho
meu vos peço por mercê que tenhais encomendado.
O senhor
Nicolo de Oderigo sabe dos meus privilégios e cartas para que os ponha em boa
guarda.
Folgaria que
os vísseis.
O Rei e a
Rainha meus Senhores querem honrar-me mais que nunca.
A santa
trindade guarde vossas nobres pessoas e acrescente o mui magnífico ofício.
Feita em
Sevilha a dois de Abril de 1502
A frase que nos
importa não é de interpretação fácil, mas uma coisa é certa: O dízimo da renda
[rendimento] com que o Almirante, e depois o seu filho, se propõe acudir ao Ufficio
di San Giorgio não é uma oferta. É uma garantia de entregas anuais que ele
apresenta ‘para desconto na renda dos géneros alimentícios’, o que parece
indicar que serão descontadas nas quantias que tiver a pagar para custear
géneros alimentícios.
Relembremos uma das
alíneas do contrato celebrado entre Don Christoval Colon e os Reis Católicos.
“O Almirante terá
direito ao oitavo dos rendimentos obtidos nas Índias desde que tenha investido
um oitavo nas despesas de armação e viagem”.
Ora o Almirante,
que ainda não tinha conseguido ganhos relevantes com o décimo a que tinha
direito sobre os lucros das suas viagens, provavelmente pretendia financiamento
para antecipar esse oitavo dos custos e dava como garantia uma parte, o dízimo,
dos rendimentos futuros do décimo (o qual não dependia da comparticipação nos
custos de armação dos navios).
Por esse motivo
enfatizava que a sua empresa já luzia e que os Reis o queriam honrar.
E preparava o
caminho para o seu filho, pedindo ao Ufficio que o tenha ‘encomendado’.
A presença do
embaixador de Génova em Castela (que ali se deslocara para que os Reis
Católicos impedissem os ataques dos seus homens do mar aos navios genoveses)
naqueles meses do início de 1502 e já estava de regresso para Génova, terá
servido para abordar oportunidades de negócio com o Almirante.
Como demonstração
de confiança, Christoval Colon entregava o Livro dos seus Privilégios à guarda
de Oderigo e na carta ao Ufficio di San Giorgio pedia para que vissem esses
seus privilégios. Ou seja, apresentava aqueles documentos para demonstrar que
eram válidas as garantias que dava para o negócio que pretendia.
Obviamente que o
seu coração estava lá, pois desejava ardentemente que se concretizasse o que
propunha ao Ufficio di San Giorgio.
O ‘desaparecimento’
da outra carta pode ter impedido os historiadores de interpretarem
completamente esse negócio?