quinta-feira, 10 de março de 2022

Colombo genovês, o tio errado #71 ('Prova' 115)

 'Prova' {115} - pág. 756:

 A ligação do descobridor a Génova é, alem disso, ainda que indirectamente, confirmada pelos codicilos deste seu derradeiro testamento, em que institui seis legados, dos quais cinco a favor de genoveses {115}


ACC:

O que aqui se invoca é um apenso ao Codicilo e Testamento de 1506, geralmente conhecido como Memorial das Dívidas ou Memorial dos Pagos, cujo texto é o seguinte:

Relacion de ciertas personas a quien yo quiero que se den de mis bienes lo contenido en este memorial, sin que se le quite cosa alguna dello.— Hasele de dar en tal forma que no sepa quien se las manda dar.

Primeramente, a los herederos de Geronimo del Puerto, padre de Benito del Puerto, Chanceller en Genova, veinte ducados

o su valor. A Antonio Vazo, mercader Ginoves, que solia vivir en Lisboa, dos mil e quinientos reales de Portugal, que son siete ducados poco mas, a razon de trescientos e setenta y cinco reales el ducado.

A un judio que moraba a la puerta de la juderia en Lisboa, o a quien mandare un Sacerdote, el valor de medio marco de plata.

A los herederos de Luis Centurion Escolo, mercader Ginoves treinta mil reales de Portugal, de los cuales vale un ducado trescientos ochenta y cinco reales, que son setenta y cinco ducados poco mas o menos.

A esos mismos herederos y a los herederos de Paulo de Negro, Ginoves, cien ducados o su valor. Han de ser la mitad a los unos herederos y la otra a los otros. A Baptisla Espindola, o a sus herederos, si es muerto, veinte ducados. Este Baptista Espindola es yerno del sobredicho Luis Centurion era hijo de Micer Nicolao Espindola de Locoli de Ronco, y por senas el fue estante en Lisboa el ano de mil cuatrocientos ochenta y dos.


Não há dúvida de que quase todos os destinatários são genoveses.  As quantias a entregar são referidas na moeda Ducado, à excepção do meio marco de prata, e são muito distintas e detalhadas, de valores pouco elevados.

O Ducado era uma das moedas de Castela, onde o Almirante faleceu e onde teria mandado escrever esse Memorial dos Pagos. Quando o Almirante redigiu ou fez redigir o Memorial encontrava-se em Castela e naturalmente indicou os valores em Ducados. Seria não apenas uma moeda castelhana mas também uma moeda usada no comércio internacional, nomeadamente pela República de Veneza. 

No entanto, algumas quantias são referidas primeiramente em Reais de Portugal, depois convertidos para Ducados.

A generalidade dos personagens a quem o Almirante manda entregar as quantias, mesmo sendo genoveses, está referenciada a Lisboa. Sabe-se que Génova detinha na época uma forte presença comercial e financeira na península ibérica.

Um dos destinatários em Lisboa está inclusivamente referenciado cronologicamente a 1482.

Tudo parece apontar, portanto, para situações ocorridas em Lisboa/Portugal antes da ida para Castela. A data de 1482 aponta para o período em que o Almirante navegava para a Mina e Guiné, nos navios portugueses.

Curiosamente, no chamado Documento Assereto, independentemente da questão da sua fiabilidade, que se refere a um litígio comercial entre personagens genoveses, as quantias são mencionadas assim: xxx Ducados ou xxx Cruzados (sempre em simultâneo - e com o mesmo valor). Para o negócio de compra de açúcar que deveria decorrer na Madeira, as quantias são mencionadas em reais portugueses e explicitada a conversão para Ducados / Cruzados.

O Cruzado seria uma moeda usada na República de Génova nessa altura (1478).

O que é certo, pelas actas publicadas na Raccolta, é que a Lira era uma moeda  corrente em Génova, pois todas as quantias mencionadas em actos de dívidas ou outros negócios, são expressas em Liras.

Se as quantias do Memorial correspondessem a dívidas contraídas por Cristoforo Colombo em Génova, os valores estariam expressos em Liras (e não em Ducados ou Reais portugueses); ou eventualmente expressos em Liras com indicação do valor equivalente em Ducados.

Há no entanto um aspecto a destacar, referente à razão pela qual o Almirante não queria que se soubesse quem mandava dar essas quantias.

Se eram dívidas que Cristoforo Colombo não tinha pago, como foi larga opinião dos genovistas, não se encontraria motivo para que tal acontecesse. Poderiam mesmo ter sido pagas em vida do Almirante, mas assim não aconteceu e ficaram postergadas para o testamento. Que seu filho D. Diogo Colon não cumpriu, inscrevendo-as também no seu testamento de 1509, de forma muito vaga, e depois no seu testamento final de 1523.

Haveria uma razão para protelar por mais de quarenta anos a satisfação de umas dívidas, porque quem tinha contraído essas dívidas não era Cristoforo Colombo! Era o navegador X, que não se chamava Colombo. 

E o Almirante quereria continuar a manter a sua verdadeira identidade em segredo, tal como fez o filho Diogo! (o que terminaria se mandassem pagar as dívidas do navegador X).

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