sábado, 5 de março de 2022

Colombo genovês, o tio errado #66 ('Prova' 110)

'Prova' {110} - pág 751:

Escreveu ao Banco S. Jorge de Génova, de que se conserva o original autógrafo, hoje exposto na municipalidade genovesa: yo deso a Don Diego, mi hijo, que de la renta toda que se obiere, que os acuda ali con el diezmo de toda ella, cada um año para siempre, para [ser] en descuento de la renta del trigo y bino y otras bitualias comederas.

Significativamente a carta começava assim: Muy nobles Señores: bien que el coerpo ande acá, el coraçón está alí de continuo.


ACC:

Na Raccolta, P. I, Vol. III, série A, Tav. XIIII, com transcrição na pág. 14, encontra-se publicada a carta da qual o Prof. Thomaz salientou um trecho. Embora só seja reproduzido o interior e não o reverso da folha, no qual estaria o nome do destinatário, é apresentada como destinada ao Banco di San Giorgio. É considerada autógrafa, isto é, escrita pela mão de Colon.

O que o Prof. Thomaz não refere aqui e só na pág. 756 menciona de forma que passe despercebido quando refere uma segunda carta do Almirante a Oderigo, é que para o Ufficio di San Giorgio o Almirante não enviou apenas a carta destacada pelo Prof. Thomaz, mas sim duas cartas em simultâneo.

Primeiro motivo a considerar é o facto de terem sido enviadas pelo Almirante duas cartas para o mesmo destinatário. Se enviou duas cartas e não apenas uma é porque tratavam de assuntos distintos, embora pudesse haver algum ponto de contacto ou relação entre eles.

Segundo motivo a considerar, e neste caso também a estranhar, é que só se tenha conhecimento público de uma das cartas.

Como menciona Henry Harrisse, o Ufficio di San Giorgio in Genoa, a que ele chama Bank of St. George (embora só tenha tomado a designação de Banca di San Giorgio em 1673) tinha uma excelente reputação e um arquivo organizado.

A correspondência que chegava, depois de comunicada aos directores, era arquivada, sendo cada folha dobrada ao meio verticalmente, feitos dois furos e passado um cordel no qual se enfiavam todas as cartas recebidas, sendo depois arrumadas em fileiras.

Tendo sido enviadas duas cartas pelo Almirante Colon e só havendo uma no arquivo, apenas podemos supor dois motivos: ou a outra carta se teria extraviado ou foi propositadamente subtraída do arquivo.

Mui nobres senhores

Se bem que o corpo ande aqui o coração está continuamente ali.

Nosso Senhor fez-me a maior mercê que depois de David ele tenha feito a alguém.

As coisas da minha empresa já brilham e fariam grande luz se a escuridão do governo não a encobrisse.

Eu volto às Índias em nome da santa Trindade para regressar em breve.

E porque eu sou mortal, eu deixo a Dom Diogo meu filho que da renda toda que se tiver que vos acuda ali com o dízimo de toda ela em cada ano para sempre para em desconto da renda do trigo e vinho e outras vitualhas alimentícias.

Se este dízimo for algo recebei-o, e se não recebei a vontade que eu tenho.

A este filho meu vos peço por mercê que tenhais encomendado.

O senhor Nicolo de Oderigo sabe dos meus privilégios e cartas para que os ponha em boa guarda.

Folgaria que os vísseis.

O Rei e a Rainha meus Senhores querem honrar-me mais que nunca.

A santa trindade guarde vossas nobres pessoas e acrescente o mui magnífico ofício.

Feita em Sevilha a dois de Abril de 1502

A frase que nos importa não é de interpretação fácil, mas uma coisa é certa: O dízimo da renda [rendimento] com que o Almirante, e depois o seu filho, se propõe acudir ao Ufficio di San Giorgio não é uma oferta. É uma garantia de entregas anuais que ele apresenta ‘para desconto na renda dos géneros alimentícios’, o que parece indicar que serão descontadas nas quantias que tiver a pagar para custear géneros alimentícios.

Relembremos uma das alíneas do contrato celebrado entre Don Christoval Colon e os Reis Católicos.

“O Almirante terá direito ao oitavo dos rendimentos obtidos nas Índias desde que tenha investido um oitavo nas despesas de armação e viagem”.

Ora o Almirante, que ainda não tinha conseguido ganhos relevantes com o décimo a que tinha direito sobre os lucros das suas viagens, provavelmente pretendia financiamento para antecipar esse oitavo dos custos e dava como garantia uma parte, o dízimo, dos rendimentos futuros do décimo (o qual não dependia da comparticipação nos custos de armação dos navios).

Por esse motivo enfatizava que a sua empresa já luzia e que os Reis o queriam honrar.

E preparava o caminho para o seu filho, pedindo ao Ufficio que o tenha ‘encomendado’.

A presença do embaixador de Génova em Castela (que ali se deslocara para que os Reis Católicos impedissem os ataques dos seus homens do mar aos navios genoveses) naqueles meses do início de 1502 e já estava de regresso para Génova, terá servido para abordar oportunidades de negócio com o Almirante.

Como demonstração de confiança, Christoval Colon entregava o Livro dos seus Privilégios à guarda de Oderigo e na carta ao Ufficio di San Giorgio pedia para que vissem esses seus privilégios. Ou seja, apresentava aqueles documentos para demonstrar que eram válidas as garantias que dava para o negócio que pretendia.

Obviamente que o seu coração estava lá, pois desejava ardentemente que se concretizasse o que propunha ao Ufficio di San Giorgio.

O ‘desaparecimento’ da outra carta pode ter impedido os historiadores de interpretarem completamente esse negócio? 

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