sexta-feira, 17 de dezembro de 2021

Colombo genovês, o tio errado #13 ('Prova' 25)

'Prova'  {25} - pág. 149:

A aterragem fortuita de Colombo em Portugal pareceu a Bartolomé de las Casas ... um misteriosos desígnio: Dios nuestro Señor milagrosamente me enbió acá por que yo serviese a Vuestra Alteza; dixe milagrosamente porque fui aportar a Portugal, adonde el rey de allí entendía en el descubrir más que otro; El le atajó la vista, oído y todos los sentidos, que en catorce años no le pude hazer entender lo que yo dixe. {25}


ACC: 

A frase que o autor escolheu como prova nº 25 do Colombo Genovês não apresenta efectivamente nada que o comprove. Já todo o contexto do capítulo em que se insere merece a maior atenção porque é bem representativo das deturpações que permitiram gizar a história oficial (págs. 149-155):

“É sabido que D. Hernando Colón, que Las Casas reproduz, narra em pormenor as circunstâncias inesperadas em que Colombo chegou a Portugal a nado, salvando-se da batalha naval do Cabo de S. Vicente. …

Seja como for, é óbvio que D. Hernando, e sobre as suas pegadas Las Casas, misturam duas coisas: por um lado a batalha de 13.VIII.1476 em que os navios franceses que tinham ido em socorro de Ceuta, sitiada pelos mouros, comandados por Guillaume Casenove ou Coulon le Vieux, travaram batalha com cinco vasos de comércio genoveses; por outro lado a batalha de 21.VIII.1485 em que uma frota francesa de sete navios, comandada por Jorge Paleólogo Bissipat, por alcunha Coulon le Jeune (ou Colombo o Moço) … atacou nas mesmas paragens algarvias uma urca flamenga e quatro galés venezianas. É evidente que não foi nesta segunda batalha, que se travou quando Cristóvão Colombo passara já sete anos em Portugal e estava aparentemente já de partida para Castela, que ele se salvou a nado, mas da primeira. Sabe-se aliás que foi em 1485 e não em 1476 que veio a Portugal o primeiro embaixador veneziano de que há notícia, Jerónimo Donato, a que H. Colón e Las Casas erroneamente aludem neste passo, colocando portanto a sua vinda em 1476. A mera análise interna da Vida do Almirante torna evidente um anacronismo de que D. Hernando se não parece ter apercebido: depois de no capítulo V, datar o combate de vicino al tempo nel quale Massimiliano, figliolo di Federico terzo imperatore fu eletto re dei Romani (o que teve lugar a 16.II.1486 e é portanto grosso modo contemporâneo da segunda batalha) afirma no capítulo XII que seu pai nel fine dell’anno 1483, col suo figliolino don Diego, si partí segretamente di Portogallo; teria, por conseguinte, deixado Portugal antes de aí ter chegado.” 

Insistindo na opinião oficial de que D. Hernando misturou e confundiu duas batalhas navais, o Prof. Thomaz vai mais longe e afirma:

 “Colombo vinha certamente a bordo da armada que o governo de Génova decidira organizar a 24 de Maio de 1476 (….) Sobre a batalha naval que se seguiu … nada achei que contradiga o testemunho de D. Hernando e de Bartolomeu de las Casas sobre o salvamento de Colombo a nado, nem qualquer nova razão para o pôr em dúvida, embora contenham o erro histórico que acabo de referir.(…) Nem um único dos quinze relatos da batalha naval de 13.VIII.1476 que compulsei alude de perto ou de longe nem à presença de Jorge Bissipat nem à de Cristóvão Colombo a bordo da armada francesa. (…) Aliás, imaginando que a batalha (de 1485) se travou entre franceses e venezianos, não podia logicamente dar o seu progenitor como embarcado num vaso genovês, já que na sua história não há genoveses em cena. (…) É certamente a bordo desta frota (genovesa), que como vimos incluía três vasos que haviam integrado a expedição a Xío em que participou Colombo, que este navegava. É impossível discernir se é propositadamente, para insistir no parentesco e amizade entre seu pai e Jorge Bissipat, se por mero equívoco, que D. Hernando o diz embarcado ao lado deste na armada corsária francesa … Com efeito, nem é provável que Jorge Bissipat tenha tomado parte na aventura de 1476, nem podia Cristóvão Colombo, recém-chegado de Xío, ter tido tempo para com ele ter entretanto “navegado longamente”; nem o próprio Bissipat deve ter começado a navegar muito antes dessa data, pois vimos já que é em 1475 que, pela primeira vez, é designado em documentos oficiais por capitaine de la nef du Roy.”

Veja-se, sinteticamente, o que disse D. Hernando sobre o episódio:

“Ma, tornando al principal proposito, dico che mentre in compagnia del detto Colombo giovane l'Ammiraglio navigava, il che fece lungamente, avvenne che intendendo che le dette quattro galee grosse veneziane tornavano di Fiandra, andarono a cercarle e le trovarono tra Lisbona e il capo di San Vincenzo, che è in Portogallo, dove venuti alle mani combattettero fieramente…” 

Ou seja, que o Almirante já navegava há bastante tempo com o corsário Colombo-o-Jovem e que atacaram quatro galeras venezianas que regressavam da Flandres, perto de Cabo S. Vicente e que: 

“ … che vicino al tempo nel quale Massimiliano, figliuolo di Federico terzo imperatore, fu eletto re dei Romani, fu mandato da Venezia in Portogallo ambasciatore Hieronimo Donato, acciò che in nome pubblico di quella Signoria rendesse grazie al re don Giovanni Secondo, perciocché tutta la ciurma e uomini di dette galee grosse, che tornavano di Fiandra, egli aveva vestiti e sovvenuti, dandogli aiuto con che potessero tornare a Venezia, dato che essi presso a Lisbona erano stati superati dal Colombo giovane, corsale famoso, che li aveva spogliati e messi in terra.”

 Cerca da altura em que Maximiliano, filho do Imperador Frederico III foi escolhido para Rei dos Romanos, foi enviado de Veneza a Portugal o embaixador Jerónimo Donato para agradecer ao Rei D. João II por este ter ajudado para que pudessem regressar a Veneza todos os que vinham nessas galeras porque tinham sido atacados e despojados pelo corsário Colombo-o-Jovem. 

Ou seja, o Almirante, e Colombo-o-Jovem atacaram quatro galeras venezianas na batalha naval de 1485, pois para essa data apontam a vinda do embaixador de Veneza e o facto do Rei ser já D. João II.

E qual a artimanha do Prof. Thomaz?

"Não pode ter sido 1485 porque nessa data já o Almirante cá estava há vários anos e que partira para Castela em 1483."

"Que D. Hernando se enganou na batalha, e que portanto foi em 1476 e não em 1485 que o Almirante esteve envolvido."

"Como foi em 1476 não foi o corsário Colombo-o-Jovem mas sim Colombo-o-Velho."

"Como não foi Colombo-o-Jovem, então o Almirante não acompanhava Colombo-o-Jovem."

"Como não acompanhava Colombo-o-Jovem nem acompanharia Colombo-o-Velho (porque D. Hernando não diz isso), então o Almirante não era corsário e vinha na frota genovesa."

"Só podia vir mesmo na frota genovesa porque tinha estado com a mesma no ano anterior em Xío" (o que, não passa de uma afirmação do autor, sem suporte)

 Diz ainda o Prof. Thomaz:

“Nem um único dos quinze relatos da batalha naval de 13.VIII.1476 que compulsei alude de perto ou de longe nem à presença de Jorge Bissipat nem à de Cristóvão Colombo a bordo da armada francesa.”

 O que é óbvio, pois D. Hernando relata a participação do pai na batalha de 1485. Se o Prof. Thomaz tivesse então compulsado documentos sobre este ataque corsário de 1485 teria encontrado o seguinte, que demonstra não só a participação de Jorge Bissipat nesse ataque, como também o envolvimento de um familiar:

Venezia, 20 agosto 1485.

[DOMENICO MALIPIERO, Annali veneti nell'Archivio storico italiano, vol, VII, par. II, pp.

621-22]

A .20. d'avosto, de notte, Colombo corsaro, el zovene, fio de Colombo corsaro, capetanio de sette nave francese armade, s' ha scontrá sora cao San Vincenzo, ne i mari di Spagna, in le quattro galeazze de Fiandra…

 Venezia, 21 agosto 1485.

[Bibliot. Marciana, V I I it. cccxxi, Cronaca Savina, c. 212]

Se havé anche in Venetia un altro notabil danno; erano uscide .4. galie per condur mercantie d' Inghilterra, delle qual era capitano Bortolamio Minio, le qual essendo carghe, et passando dal cavo di San Vicenzo, furono assaltate da un famoso corsaro chiamado Colombo el zovene con .7. nave ben armade,

1485.

[M. ANTONII COCCEI SABELLICI Rerum venetarum, decad. IV, lib.111]

Ad hec negocia de more exierant triremes quatuor: earum imperium penes Bartholomeum [Minium fuit. sed cum he Ibericum navigarent oceanum, Columbus iunior, Columbi pirate illustris, ut aiunt, nepos, cum septem navibus ad pugnam instructis, circa Sacrum promontorium, hodie Vincentii caput appellant, sub noctem factus est Véneto obvius.

 Venezia, 17 settembre 1485.

[Bibliot. Marciana in Venezia, VII it. cccxxm, Crónica de Venetia traduta de verbo ad verbum.]

Del .1485. adi .17. settembrio vene nove a Venetia come era stade prese le galie del viazo de Fiandra de 1' andar in lá apreso .4. iornade a Fiandra da uno nevodo de Colombo e uno Zorzi Griego i qual era com .6. barche grose, i qual le haveva tegnude a mente e tristamente le prese, le qual iera mal armade de boni homeni, ch' el non iera pur homo che savese dar fuoco a una bombarda, fo de gram daño a Venitiani;

O relato feito por D. Hernando terá algumas imprecisões, mas é tão detalhado e minucioso que não se pode colocar em dúvida que quis referir-se à batalha naval de 1485.

O Prof. Thomaz, tal como muitos outros autores, exclui a possibilidade de se tratar da batalha naval de 1485 por considerar que nessa data já o Almirante teria partido para Castela depois de ter vivido em Portugal vários anos.

Ora este acontecimento que D. Hernando presumiu corresponder ao surgimento do Almirante em Portugal, pode ter sido apenas uma atribulada chegada, mas não a primeira.

E a ida do Almirante para Castela em 1484 (o Prof. Thomaz indica 1483 mas isso deve-se a erro na versão da Historia del Almirante que terá consultado) não corresponde a uma partida definitiva. Com efeito, D. Hernando menciona 1484, várias testemunhas nos Pleitos Colombinos referem que o viram chegar com o filho em 1484, mas o Almirante, numa das suas apostilhas, indica que estava em Portugal em 1485, em data que se pode situar posterior a 11 de Março:

. . . quod . . . rex Portugalie misit in Guinea anno Domini .1485. magister Ihosepius, fixicus eius & astrologus, [ad com]piendum altitudinem solis in totta Guinea; qui omnia adinplevit, & renunciavit dito serenissimo regi, me presente, quod . . . alliis in die .xi. marcii invenit se distare ab equinoxiali gradus .v. minute in insula vocata " de los Ydolos," que est prope [sierrja Lioa. & hoc cum maxima diligencia procuravit. postea vero sepe ditus serenissimus rex misit in Guinea in alliis locis. postea . . . & semper invenit concordan com ipso magistro Iosepio, quare sertum habeo esse castrum Mine sub linea equinoxiali.

 (Raccolta Colombiana, Parte I, Vol. II, postile alla Historia de Pio II, nº 860).

 Pode assim, face à conjugação de documentos, admitir-se que o Almirante se deslocou a Castela com o filho em 1484, para o deixar com sua cunhada Briolanja Moniz, provavelmente porque Filipa Moniz tinha falecido, e regressou para Portugal, continuando a navegar com Colombo-o-Jovem até ao naufrágio do ataque naval de Agosto 1485, tendo posteriormente partido definitivamente para Castela.

Na frase, importante também são os 14 anos que o põem a viver em Portugal, segundo as suas próprias palavras, pelo menos desde cerca de 1471 e não a chegar em 1476, o que obviamente o Prof. Thomaz não analisa pois tem um método científico particular…

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