quarta-feira, 12 de janeiro de 2022

Colombo genovês, o tio errado #20 ('Provas' 34-37)

‘Prova’ {34} - pág. 201:

A ideia de que foi na Madeira que Colombo juntou os indícios da existência de terras a oeste e arquitectou o seu plano era no século XVI consensual; Francisco López de Gómara (1511-66) que não pode ter conhecido nem a obra de D. Hernando nem a de Las Casas, dá da génese do projecto colombino uma versão romanesca:

...(relato de caravela que se perdeu e o único sobrevivente foi morrer na casa de Cristóbal Colón na Madeira)

Parésceme que si Colon alcanzara por esciencia [i.e. por leituras] donde las Indias estaban, que mucho antes, y sin venir á España {i.e. à Península Ibérica}, tratara con genoveses, que corren todo el mundo por ganar algo, de ir á descubrillas.{34}

 ACC:

Não é apenas de agora nem tampouco desde há uma centena de anos que os mais atentos e exigentes consideram inaceitável, por inverosímil, a versão oficializada da história do Colombo genovês, tecelão numa família de tecelões, que se transformou em grande navegador e se tornou Almirante em resultado da viagem que concretizou até ao outro lado do oceano.

Se já no século XVI, como escreve o Prof. Thomaz, era consensual que foi na Madeira que o Colombo genovês teria arquitectado o seu plano, também só uma versão romanesca da génese desse plano permitiria adequar o inusitado protagonista a tão inacreditável cenário.

Dando destaque a esta inventada obra do acaso, o autor apagaria assim da História o conhecido interesse, empenho e envolvimento dos portugueses na busca de terras longínquas no Atlântico, apagaria os contactos entre D. Afonso V e o florentino Toscanelli e consequentemente a troca de correspondência deste com o futuro Almirante sobre a forma de alcançar a Ásia navegando para Poente.

‘Prova’ {35} - pág. 201-202:

Já anos antes o licenciado de Tudela registara em latim uma tradição semelhante, numa página em branco do seu exemplar das Décadas ... só que aí o piloto que à hora da morte revelou a Colombo o descobrimento fortuito que fizera era, como ele, genovês:

Christoforus Colon natione Genuensis pauper hauitauit Portugalie per multos annos in insula de la Madera , ...

“Cristóvão Colon, de nação genovês, pobre, habitou em Portugal por muitos anos, na ilha da Madeira, onde por acaso vieram alguns da sua pátria, que navegaram com uma grande tempestade e correram até às ilhas novamente achadas; e quando o piloto adoeceu até à morte, deu ele próprio ao dito Cristóvão Memória daquelas regiões, no ano de 1475, de onde o próprio Colón se dirigiu ao Rei de Portugal Afonso; e sucedeu que por ele estar ocupado nas guerras de Castela o não ouviu; e assim o dito Cristóvão dirigiu-se ao Rei de Castela Fernando …”

ACC:

Não lhe tendo bastado apresentar como pretensa prova da genovesidade do Almirante a anteriormente citada versão romanesca do piloto moribundo, o Prof. Thomaz chega ao ponto de escrever sobre o apontamento do licenciado Tudela:

“A história nada tem de inverosímil, mas é impossível controlá-la por outras fontes. A ser autêntica explicaria cabalmente a súbita e apaixonada conversão de Colombo da mercancia à marinharia.” 

Vale por isso a pena transcrever a tradução do texto do licenciado Tudela, mais completo, apresentada na pág. 202:

“Cristóvão Colón, de nação genovês, pobre, habitou em Portugal por muitos anos, na ilha da Madeira, onde por acaso vieram alguns da sua pátria, que navegaram com uma grande tempestade correram até às ilhas novamente achadas; e quando o piloto adoeceu até à morte, deu ele próprio ao dito Cristóvão memória daquelas regiões, no ano de 1475, de onde o próprio Colón se dirigiu ao rei de Portugal Afonso; e sucedeu que por ele estar ocupado nas guerras de Castela, o não ouviu; e assim o dito Cristóvão dirigiu-se ao rei de Castela Fernando, e assim fez a primeira viagem no ano de 1492, e descobriu as ilhas Espanhola e Fernandina e muitas outras”

 

Como então se vê, acha o Prof. Thomaz que esta historieta nada tem de inverosímil, alheando-se que já jurou a pés juntos (págs. 149-155, 158) que o Colombo genovês chegou a Portugal na sequência de um ataque corsário a navios genoveses em Agosto de 1476. Portanto, na conveniente visão do Prof. Thomaz, Colombo já cá vivia antes de ter chegado!

Só no final da pág. 203 vem o autor afirmar que:

“jamais poderia ser em 1475 como afirma o licenciado Tudela, uma vez que aquele só aterrou em Portugal no ano imediato… mas ninguém esperaria grandes rigores cronológicos de uma mera tradição oral.”

 Claro! Não há rigores cronológicos numa mera tradição oral. Mas o Prof. Thomaz acredita que há rigores factuais.

‘Prova’ {36} - pág. 202:

Nos escritos de Piri Reis, que conhecemos já, a história da génese do plano colombino é apresentada de forma não menos romanesca, mas sensivelmente diferente: ainda em Génova, Colombo teria descoberto um livro antiquíssimo ...

Lê-se, com efeito, na mais extensa das legendas do seu mapa-mundi de 1513 ...

"Estas costas são chamadas 'litoral da Antília'. Foram descobertas no ano 896 do calendário árabe, o que é narrado assim: houve um cafre (infiel) genovês, cujo nome era Qulumbu, que foi quem descobriu essas partes {36}

ACC:

Muda a fonte da informação, mudam os detalhes, mas o erro inicial persiste.

‘Prova’ {37} - pág. 203:

A história repete-se, com pequenas variantes, no Kitab-i Bahriye do mesmo Piri Reis, redigido em 1521 e revisto em 1524 ...:

Em Génova havia um astrólogo cujo nome era Qulun; caiu em seu poder um livro curioso, que era sem dúvida do tempo de Alexandre... e usando-o Qulun navegou e atingiu as Antilhas.

ACC:

É interessante assistir ao modo como estas pretensas provas apresentadas pelo autor vêm confirmar um velho ditado: quem conta um conto acrescenta um ponto.

Neste caso, o tecelão Colombo de Génova afinal era um astrólogo chamado Colon, trocando os nomes e as profissões. Quanto ao valor probatório destes textos romanceados, parece que continua a ser considerado elevado apenas para os mais dogmáticos, ou para aumentar o volume do que se escreve, impressionando os leitores menos familiarizados ou menos atentos.


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