quarta-feira, 26 de janeiro de 2022

Colombo genovês, o tio errado # 32 ('Prova' 51)

 'Prova' {51} - pág. 259

E por que motivo D. João II, na sua carta de 23.V.1493 aos Reis Católicos em que lhes declara que, até estar aclarado a quem assistia o direito às terras descobertas, afirma que proibiu seus súbditos de irem ao que ora nouamente achou dom Christouam Colombo vosso almirante? {51}

 

ACC:

Esta carta de D. João II ao Rei Fernando o Católico, em 23 de Maio de 1493 não foi a primeira que o Rei lhe enviou na sequência da vinda do Almirante Colon a Lisboa, onde chegou a 4 de Março.

Não pode a segunda interpretar-se sem olhar a primeira, nem se pode olhar simplesmente para o nome na segunda carta sem considerar ainda uma outra carta de D. João II, desta feita ao futuro Almirante, em Março de 1488, que já se mencionou anteriormente.

Temos assim que em 1488, D. João II enviou para Sevilha uma carta dirigida a Cristovam Colon, acrescentando até a expressão “nosso especial amigo em Sevilha”.

Em 3 de Maio de 1493, pouco tempo após os encontros que manteve com o Almirante chegado da sua viagem, em Vale do Paraíso nos dias 9, 10 e 11 de Março, D. João II escreveu a Fernando o Católico informando que lhe enviava Rui de Sande para lhe falar de algumas cousas. Estas cousas eram a reclamação do direito de Portugal às terras alcançadas por Colon, por se encontrarem abaixo do paralelo das Canárias, de acordo com o Tratado de Alcáçovas-Toledo.

Embora lhe tenha chamado Christovam Colon uns anos antes, embora as credenciais apresentadas pelo navegador quer nos Açores, quer em Lisboa, ostentassem naturalmente o nome Christoval Colon, nesta carta o Rei português designa-o apenas por Dom Christovam, vosso Almirante.  

Embora não seja de descurar a perspectiva de que esse tratamento apenas pelo nome próprio, sem apelido, pudesse corresponder a um uso dos membros da família real portuguesa e também dos descendentes de D. Nuno Álvares Pereira (cf. DÁVILA, Maria Barreto – A mulher dos descobrimentos, D. Beatriz Infanta de Portugal. Lisboa: A Esfera dos Livros, 2019. Pág. 18.) pode-se admitir como mais provável, em função dos acontecimentos antecedentes próximos e subsequentes, que terá resultado da prudência estratégica de D. João II, pois o Rei português conhecia muito bem o Almirante.

Antecedentes próximos:

Desde Lisboa o Almirante Colon enviara uma carta, ou duas cartas idênticas, para os altos funcionários dos Reis Católicos, Luis de Santangel e Gabriel Sanchez. Nessas cartas descrevia-se o essencial de toda a viagem até ao dia 15 de Fevereiro, ‘sobre as ilhas de Canária’ conforme o final das cartas. Na verdade, segundo os registos no Diário, nesse dia 15 Colon encontrava-se nos Açores… pelo que mentia sobre a sua rota.

Já em Lisboa o Almirante juntou-lhe uma adenda explicando que, quando já estava no ‘mar de Castela’, uma tempestade o arrastara para Lisboa. Na verdade, segundo os registos no Diário, já estava perto de Lisboa quando a tempestade se terá dado. E não estivera no mar de Castela como escreveu. Redobrava a mentira e escondia os seus encontros com D. João II.

A versão paleográfica da carta tem a data de 14 de Março, mas no entanto várias versões transcritas apresentam a data de 4 de Março. Talvez por não conseguirem explicar tão longa estadia do Almirante em Portugal.

Esta carta enviada aos altos funcionários reais deu origem não só a um enorme entusiasmo curioso entre os dignatários da velha Europa como também à maior acção propagandística de que há memória naquelas épocas (Cf. GONZÁLEZ CRUZ, David – Cristóbal Colon y la campaña propagandística del descubrimiento de América, in Versiones, propaganda y repercussiones del Descubrimiento de América. Madrid: Silex Ediciones, 2016. Págs 21-64.)

Logo em 31 de Março era expedida desde Barcelona para o Arcebispo de Tarragona, governador de Roma uma carta anunciando o regresso do grande marinheiro Coloma, sobrinho do grande Coloma de França, que era nem mais nem menos que o corsário Coulon / Colombo. Também em 9 de Abril Hannibal Zennaro enviava também desde Barcelona o mesmo tipo de informação para seu irmão, embaixador do sacro Império em Milão, que por sua vez a divulgou ao seu Imperador e a Giacommo Trotti, que a remeteu para o Duque de Ferrara. O nome do navegador já era grafado Colomba.

A carta de Colon foi imediatamente impressa em Barcelona, tanto em castelhano como em catalão, traduzida para latim e outros idiomas, impressa em vários países e difundida um pouco por toda a Europa. Esta propaganda atingia um duplo objectivo: começou por servir a Cristóvão Colon que via reconhecidos os seus direitos a títulos, altos cargos e rendimentos de grande valor potencial e servia os Reis Católicos no seu desejo de receber a bênção papal para colonizar aquelas terras e cristianizar os seus povos.

Na edição de Barcelona, por Pedro Posa, o nome do descobridor foi escrito na forma Colom.

Torna-se agora oportuno regressar à pág. 253 do livro do Prof. Thomaz:

“… embora a forma colomo não esteja atestada em castelhano nem como substantivo nem como antropónimo, em catalão existe o termo colom, que, como seria de esperar, significa “pombo”, e que, à semelhança do italiano colombo ou do português pombo, facilmente se pode tornar apelido. É talvez por isso que o cronista Gonzalo Fernández de Oviedo escreve geralmente Colom, à catalã, em vez de Colón. Dir-se-ia que os escrivães da corte de Castela e Aragão, que conheciam o apelido catalão Colom, procederam de maneira idêntica e apenas adotaram a forma Colón a partir das Capitulações …”

 

A versão castelhana do relato foi também parcialmente reproduzida em Sevilha. Roma foi o grande centro difusor pela Europa. Ali se publicaram nove edições em latim ainda no ano 1493 e mais uma no ano seguinte.

À tradução para latim da autoria de Aliander de Cosco publicada em Roma por Stephanus Planck em 29 de Abril de 1493, não faltaram algumas imprecisões. Mas o mais influente e nefasto contributo para estabelecer a confusão que tem perdurado por cinco séculos foi dado pelo Bispo de Montepeloso, R.L. Corbaria, no epigrama laudatório aposto no final da tradução. O nome do descobridor, que na edição de Barcelona já fora escrito Colom, que significa pombo, foi traduzido para latim, transformando-se assim em Columbo:

«Carta de Cristóbal Colom, a quem é muito devedora a nossa época, pelas ilhas da Índia, achadas há pouco sobre o Ganges, e a cuja conquista tinha sido enviado fez oito meses, a expensas dos invictíssimos Reis das Espanhas, Fernando e Isabel; dirigida ao magnífico Sr. Rafael Sanchez, tesoureiro dos mesmos sereníssimos monarcas e traduzida do espanhol para latim pelo generoso e literato Leandro de Cozco em 29 de Abril de 1493, primeiro ano do Pontificado de Alexandre VI.

(…)

Tais são os acontecimentos que descrevi resumidamente. A Deus.

Em Lisboa a catorze de Março

Cristóbal Colom, Almirante da Armada do Oceano.»

 

«Epigrama de R.L. de Corbaria, Bispo de Montepeloso, ao Invictíssimo rei das Espanhas

Já não resta a Espanha terra alguma onde o seu esclarecido estandarte não ondule e triunfe (…)

Ao imortal Columbo louvor eterno e recordação de um povo agradecido. (…)»

(Tradução livre a partir da versão castelhana, in NAVARRETE, Martin Fernandez de – Coleccion de los viajes y descubrimientos que hicieran por mar los españoles. Tomo I. Segunda edición. Madrid: Imprenta Nacional, 1853. Págs.314-345)

 

Acontecimentos subsequentes:

Os Reis Católicos tinham entretanto movimentado as suas influências junto do Papa para que lhes concedesse o direito às terras alcançadas pelo Almirante, o que veio a acontecer por meio de duas Bulas, datadas de 3 Maio e 4 de Maio (que se crê antedatada). Em ambas as Bulas, em latim o nome do descobridor é escrito Colon

A primeira Bula contribuía para estabelecer um forte clima de tensão entre Portugal e os Reinos de Espanha, já preparado por D. João II quando comunicou a Colon que aquelas terras descobertas lhe pertenciam e se oficializou com a carta que o Rei de Portugal enviou a Fernando de Aragão no mesmo dia em que era emitida a Bula. Nessa carta, D. João II alertava já que ia enviar como embaixador Rui de Sande com mais desenvolvidos argumentos sobre as pretensões portuguesas, como atrás se viu.

A paragem e a demora do Almirante em Lisboa suscitara também suspeitas e dúvidas em muitos na corte dos Reis Católicos, pelo que após terem recebido a carta do Rei português e ouvido o que lhes comunicou Rui de Sande não perderam tempo a escrever a D. João II exigindo que este mandasse apregoar no reino que as caravelas e navios portugueses não fossem às terras achadas por Colon.

Essa carta trazida por Elycius de Ferreira dá origem à imediata resposta de D. João II a 23 de Maio, carta na qual o Rei de Portugal se refere ao descobridor como dom Christovam Colombo, vosso almirante, sugerindo que as partes assentem e definam os limites das terras que cabem a cada Reino.

Não se conhece nenhum documento em Portugal onde esteja inscrito o nome do navegador antes daquela carta enviada por D. João II em 1488, na qual lhe chamou Cristovam Colon, sendo assim impossível determinar se já usaria chamar-se Colombo.

Como se conclui da cronologia, havia já mais de um mês que se enviavam cartas e quase um mês que circulavam os impressos com os nomes Colomba, Columbo ou Colombo, pelo que este facto terá sido determinante para que D. João II procurasse afastar a incómoda suspeição que já pairava sobre a vinda do Almirante a Lisboa no regresso da viagem. Nada melhor do que aproveitar a onda do nome italiano que emergia: Christovam Colombo!

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