'Prova' {51} - pág. 259
E por que motivo D. João II, na sua carta de 23.V.1493
aos Reis Católicos em que lhes declara que, até estar aclarado a quem assistia
o direito às terras descobertas, afirma que proibiu seus súbditos de irem ao
que ora nouamente achou dom Christouam Colombo vosso almirante? {51}
ACC:
Esta carta de D. João II ao Rei Fernando o Católico,
em 23 de Maio de 1493 não foi a primeira que o Rei lhe enviou na sequência da
vinda do Almirante Colon a Lisboa, onde chegou a 4 de Março.
Não pode a segunda interpretar-se sem olhar a
primeira, nem se pode olhar simplesmente para o nome na segunda carta sem
considerar ainda uma outra carta de D. João II, desta feita ao futuro
Almirante, em Março de 1488, que já se mencionou anteriormente.
Temos assim que em 1488, D. João II enviou para
Sevilha uma carta dirigida a Cristovam Colon, acrescentando até a expressão “nosso
especial amigo em Sevilha”.
Em 3 de Maio de 1493, pouco tempo após os encontros
que manteve com o Almirante chegado da sua viagem, em Vale do Paraíso nos dias
9, 10 e 11 de Março, D. João II escreveu a Fernando o Católico informando que
lhe enviava Rui de Sande para lhe falar de algumas cousas. Estas cousas eram a
reclamação do direito de Portugal às terras alcançadas por Colon, por se
encontrarem abaixo do paralelo das Canárias, de acordo com o Tratado de
Alcáçovas-Toledo.
Embora lhe tenha chamado Christovam Colon uns anos
antes, embora as credenciais apresentadas pelo navegador quer nos Açores, quer
em Lisboa, ostentassem naturalmente o nome Christoval Colon, nesta carta o Rei
português designa-o apenas por Dom Christovam, vosso Almirante.
Embora não seja de descurar a perspectiva de que esse tratamento apenas pelo nome próprio, sem apelido, pudesse corresponder a um uso dos membros da família real portuguesa e também dos descendentes de D. Nuno Álvares Pereira (cf. DÁVILA, Maria Barreto – A mulher dos descobrimentos, D. Beatriz Infanta de Portugal. Lisboa: A Esfera dos Livros, 2019. Pág. 18.) pode-se admitir como mais provável, em função dos acontecimentos antecedentes próximos e subsequentes, que terá resultado da prudência estratégica de D. João II, pois o Rei português conhecia muito bem o Almirante.
Antecedentes próximos:
Desde Lisboa o Almirante Colon enviara uma
carta, ou duas cartas idênticas, para os altos funcionários dos Reis Católicos,
Luis de Santangel e Gabriel Sanchez. Nessas cartas descrevia-se o essencial de
toda a viagem até ao dia 15 de Fevereiro, ‘sobre as ilhas de Canária’ conforme
o final das cartas. Na verdade, segundo os registos no Diário, nesse dia 15
Colon encontrava-se nos Açores… pelo que mentia sobre a sua rota.
Já em Lisboa o Almirante juntou-lhe uma
adenda explicando que, quando já estava no ‘mar de Castela’, uma tempestade o
arrastara para Lisboa. Na verdade, segundo os registos no Diário, já estava
perto de Lisboa quando a tempestade se terá dado. E não estivera no mar de
Castela como escreveu. Redobrava a mentira e escondia os seus encontros com D.
João II.
A versão paleográfica da carta tem a data de
14 de Março, mas no entanto várias versões transcritas apresentam a data de 4
de Março. Talvez por não conseguirem explicar tão longa estadia do Almirante em
Portugal.
Esta
carta enviada aos altos funcionários reais deu origem não só a um enorme
entusiasmo curioso entre os dignatários da velha Europa como também à maior
acção propagandística de que há memória naquelas épocas (Cf. GONZÁLEZ CRUZ, David – Cristóbal Colon y la campaña propagandística
del descubrimiento de América, in Versiones,
propaganda y repercussiones del Descubrimiento de América. Madrid: Silex Ediciones, 2016. Págs 21-64.)
Logo
em 31 de Março era expedida desde Barcelona para o Arcebispo de Tarragona,
governador de Roma uma carta anunciando o regresso do grande marinheiro Coloma, sobrinho do grande Coloma de França, que era nem mais nem
menos que o corsário Coulon / Colombo. Também em 9 de Abril Hannibal Zennaro
enviava também desde Barcelona o mesmo tipo de informação para seu irmão,
embaixador do sacro Império em Milão, que por sua vez a divulgou ao seu
Imperador e a Giacommo Trotti, que a remeteu para o Duque de Ferrara. O nome do
navegador já era grafado Colomba.
A carta de Colon foi imediatamente impressa
em Barcelona, tanto em castelhano como em catalão, traduzida para latim e
outros idiomas, impressa em vários países e difundida um pouco por toda a
Europa. Esta propaganda atingia um duplo objectivo: começou por servir a
Cristóvão Colon que via reconhecidos os seus direitos a títulos, altos cargos e
rendimentos de grande valor potencial e servia os Reis Católicos no seu desejo
de receber a bênção papal para colonizar aquelas terras e cristianizar os seus
povos.
Na edição de Barcelona, por Pedro Posa, o
nome do descobridor foi escrito na forma Colom.
Torna-se agora oportuno regressar à pág. 253
do livro do Prof. Thomaz:
“… embora a forma
colomo não esteja atestada em castelhano nem como substantivo nem como
antropónimo, em catalão existe o termo
colom, que, como seria de esperar, significa “pombo”, e que, à semelhança
do italiano colombo ou do português pombo, facilmente se pode tornar apelido. É
talvez por isso que o cronista Gonzalo Fernández de Oviedo escreve geralmente
Colom, à catalã, em vez de Colón. Dir-se-ia que os escrivães da corte de
Castela e Aragão, que conheciam o apelido catalão Colom, procederam de maneira
idêntica e apenas adotaram a forma Colón a partir das Capitulações …”
A versão castelhana do relato foi também
parcialmente reproduzida em Sevilha. Roma foi o grande centro difusor pela
Europa. Ali se publicaram nove edições em latim ainda no ano 1493 e mais uma no
ano seguinte.
À tradução para latim da autoria de Aliander
de Cosco publicada em Roma por Stephanus Planck em 29 de Abril de 1493, não
faltaram algumas imprecisões. Mas o mais influente e nefasto contributo para
estabelecer a confusão que tem perdurado por cinco séculos foi dado pelo Bispo
de Montepeloso, R.L. Corbaria, no epigrama laudatório aposto no final da
tradução. O nome do descobridor, que na edição de Barcelona já fora escrito Colom, que significa pombo, foi traduzido para latim, transformando-se
assim em Columbo:
«Carta
de Cristóbal Colom, a quem é muito
devedora a nossa época, pelas ilhas da Índia, achadas há pouco sobre o Ganges,
e a cuja conquista tinha sido enviado fez oito meses, a expensas dos
invictíssimos Reis das Espanhas, Fernando e Isabel; dirigida ao magnífico Sr.
Rafael Sanchez, tesoureiro dos mesmos sereníssimos monarcas e traduzida do
espanhol para latim pelo generoso e literato Leandro de Cozco em 29 de Abril de
1493, primeiro ano do Pontificado de Alexandre VI.
(…)
Tais
são os acontecimentos que descrevi resumidamente. A Deus.
Em
Lisboa a catorze de Março
Cristóbal Colom,
Almirante da Armada do Oceano.»
«Epigrama
de R.L. de Corbaria, Bispo de Montepeloso, ao Invictíssimo rei das Espanhas
Já
não resta a Espanha terra alguma onde o seu esclarecido estandarte não ondule e
triunfe (…)
Ao imortal Columbo louvor eterno e recordação de um povo agradecido. (…)»
(Tradução livre a partir da versão castelhana, in
NAVARRETE, Martin Fernandez de – Coleccion
de los viajes y descubrimientos que hicieran por mar los españoles. Tomo I.
Segunda edición. Madrid: Imprenta Nacional, 1853. Págs.314-345)
Acontecimentos subsequentes:
Os Reis Católicos tinham entretanto
movimentado as suas influências junto do Papa para que lhes concedesse o
direito às terras alcançadas pelo Almirante, o que veio a acontecer por meio de
duas Bulas, datadas de 3 Maio e 4 de Maio (que se crê antedatada). Em ambas as
Bulas, em latim o nome do descobridor é escrito Colon
A primeira Bula contribuía para estabelecer
um forte clima de tensão entre Portugal e os Reinos de Espanha, já preparado
por D. João II quando comunicou a Colon que aquelas terras descobertas lhe
pertenciam e se oficializou com a carta que o Rei de Portugal enviou a Fernando
de Aragão no mesmo dia em que era emitida a Bula. Nessa carta, D. João II
alertava já que ia enviar como embaixador Rui de Sande com mais desenvolvidos
argumentos sobre as pretensões portuguesas, como atrás se viu.
A paragem e a demora do Almirante em Lisboa
suscitara também suspeitas e dúvidas em muitos na corte dos Reis Católicos,
pelo que após terem recebido a carta do Rei português e ouvido o que lhes
comunicou Rui de Sande não perderam tempo a escrever a D. João II exigindo que
este mandasse apregoar no reino que as caravelas e navios portugueses não
fossem às terras achadas por Colon.
Essa carta trazida por Elycius de Ferreira dá
origem à imediata resposta de D. João II a 23 de Maio, carta na qual o Rei de
Portugal se refere ao descobridor como dom Christovam Colombo, vosso almirante,
sugerindo que as partes assentem e definam os limites das terras que cabem a
cada Reino.
Não se conhece nenhum documento em Portugal
onde esteja inscrito o nome do navegador antes daquela carta enviada por D.
João II em 1488, na qual lhe chamou Cristovam Colon, sendo assim impossível
determinar se já usaria chamar-se Colombo.
Como se conclui da cronologia, havia já mais
de um mês que se enviavam cartas e quase um mês que circulavam os impressos com
os nomes Colomba, Columbo ou Colombo, pelo que este facto terá sido
determinante para que D. João II procurasse afastar a incómoda suspeição que já
pairava sobre a vinda do Almirante a Lisboa no regresso da viagem. Nada melhor
do que aproveitar a onda do nome italiano que emergia: Christovam Colombo!
Sem comentários:
Enviar um comentário