quarta-feira, 16 de fevereiro de 2022

Colombo genovês, o tio errado # 51 ('Prova' 84)

 'Prova' {84} - pág. 665:

Foi o Colombo humilhado e ofendido de 1496 que, a 22 de Fevereiro de 1498, uma semana antes de, finalmente, ser autorizado a zarpar para a sua terceira viagem, redigiu o instrumento público de criação de um morgadio que constitui ao mesmo tempo uma espécie de testamento, de que a plêiade dos sequazes de Mascarenhas Barreto faz "o inimigo público número 1". É, de facto, de todos os documentos conhecidos que o Almirante redigiu, o único em que se refere, de forma clara e explícita, às suas origens genovesas.

 

ACC:

Tem toda a razão o Prof. Thomaz quando constata que o Mayorazgo merece ser “o inimigo público número 1”, pois ele próprio não tem grande confiança nesta prova, de forma que escreve (pág. 666):

“Compreende-se que cubistas, catalanistas et hoc genus omne se encarnicem, quase ao rubro, contra este documento, que, de facto, há que reconhecê-lo, é um dos mais problemáticos dos documentos colombinos, já que dele não nos chegaram senão cópias, feitas para mais sobre o que parece ser uma minuta ou versão prévia não corrigida, cujos passos anacrónicos não sabemos se continuavam ou não a constar do documento definitivo e oficial, de há muito desaparecido.”

Gasta seguidamente o Prof. Thomaz largas páginas a tentar justificar algumas das falhas que têm sido apontadas ao documento, sem no entanto contrariar outras mais relevantes e emaranhando-se, ou melhor, tentando emaranhar o leitor, na teia que vai urdindo.

A propósito da data 1498 rasurada, com o “4” por cima de um “5”, alega o Prof. Thomaz que como as cópias que se conhecem são já datáveis do Séc. XVI, é natural que o escriba se tenha enganado e escreveu 15…., como no ano em que se estava.

Já não bastava a inacreditável explicação de se tratar de cópia de uma minuta ou versão prévia, e pretende o Prof. Thomaz convencer alguém que desaparecia o original autenticado, em pergaminho, na posse do Almirante e que foi visto pelos Reis Católicos no acto da sua confirmação em 28/09/1501, desaparecia a matriz que deveria ter ficado registada no notário, mas ficara a salvo a minuta ou versão prévia, ou seja um rascunho, para que dele se pudessem fazer cópias, antes de também ele desaparecer. Mais grave do que tentar convencer é aceitar que “isto” seja um documento probatório. Também se poderia hoje mesmo apresentar uma cópia de um rascunho desaparecido alegando uma qualquer barbaridade.

Ainda a propósito da data, este seria um exemplar único ou raríssimo, pois em todos os documentos oficiais encontramos sempre o ano escrito por extenso e não em numérico como vemos nesta bizarria genovista.

 A propósito do ‘documento’ não estar assinado com o nome do navegador mas com uma imitação da sigla, alega o Prof. Thomaz que todos os documentos que deixou foram firmados com a sigla, incluindo o seu testamento de 1506, não se conhecendo um único em que firme com o seu nome de baptismo.

Já não bastava a gravidade da falta de exigência científica e académica para apresentar como prova esta cópia de um rascunho, vai o Prof. Thomaz mais longe e faz mais uma afirmação falsa, ou melhor, duas afirmações falsas, mentindo ao leitor.

Se o Prof. Thomaz se der ao incómodo de consultar na Raccolta os fac-similes dos documentos considerados autógrafos do Almirante Colon, encontrará 19 documentos assinados com ‘sigla + XpoFERENS’, 4 documentos apenas com ‘Xpoferens’, 5 documentos apenas com ‘El almirante’, e 2 documentos com ‘sigla + El almirante’.

O testamento de 1506 confirmado pelo escrivão Pedro de Hinojedo não foi assinado com a sigla mas sim com ‘Xpoferens’, e esta aberração do mayorazgo de 1498 é o único em que surge ‘sigla + El almirante’, para além de uma pequena missiva datada de 22/10/1501 em que o Almirante Colon pede um empréstimo, em jeito de adiantamento, de cem castelhanos a um Muy virtuoso Señor, que é o tesoureiro Alonso de Morales. 

Mas as inconsistências não se ficam por aqui no que respeita à assinatura no mayorazgo. Mais à frente, na página 674, o Prof. Thomaz volta a defender a sua validade:

“Embora tenha mais tarde feito dois outros testamentos, que como é de regra anularam os precedentes, Colombo não voltou aparentemente a alterar o que dispusera quanto ao morgadio que criara pelo instrumento de 1498, de modo que, aprovado por carta régia de 28.IX.1501 o morgadio continuou, sem dúvida, a reger-se por ele…” 

Sendo verdade que os Reis Católicos emitiram uma Confirmação Real (Arq. Simancas, RGS, LEG,150109,21) onde consta que “Vimos uma escritura de mayorazgo que vós D. Cristóbal Colón fizestes, escrita em pergaminho e assinada com o vosso nome e autenticada por escrivães públicos, feita desta forma …”

No entanto, apenas é transcrita a parte da Autenticação da carta de mayorazgo pelo escrivão Martin Rodriguez, não existindo, por ter sido arrancada, a transcrição da própria Carta de mayorazgo, ou seja, o documento em questão, pelo que não fica confirmado o seu teor.

Como é anormalmente banal em todas as situações que envolvem documentos probatórios da identidade do Almirante, o original em pergaminho da Autenticação da carta de mayorazgo, feita pelo escrivão Martin Rodriguez, desapareceu, pelo que fica duplamente por confirmar o teor da Carta de mayorazgo.

Mas há um pormenor muito importante na Confirmação Real, onde os Reis indicam que a escritura estava assinada com o nome de D. Cristóvão Colon. Ou seja, não estava assinada ‘El almirante’, como nos mostra o documento espúrio que os genovistas e o Prof. Thomaz acenam como prova.

Insiste o Prof. Thomaz na validade daquele papel, porque nele estará escrito, com letra que alegam ser do Almirante, “no valga esta escritura y valga outra que yo hize el año 1502 …”.

Contra toda a lógica e o bom senso. Já não bastava terem desaparecido a Carta de Mayorazgo original e verdadeira de 1498, assinada por D. Cristóvão Colon, a Autenticação dessa Carta de Mayorazgo, feita pelo escrivão Martin Rodriguez em pergaminho, a transcrição ou matriz da Carta de Mayorzago no livro de registos do escrivão público, até a hipotética versão prévia ou minuta da Carta, para depois terem desaparecido todos os documentos referentes ao Testamento de 1502.

Mas … felizmente para os genovistas, salvou-se uma cópia da hipotética minuta, feita já num ano 15xx, segundo o Prof. Thomaz, onde o Almirante teve assim a possibilidade de deixar a sua marca, escrevendo que não valia. Muito desprovido seria o Almirante, que deixava sumir os originais mas guardava cuidadosamente uma cópia de um rascunho que nada valia porque nem sequer estava assinada por si e nada valeria por haver uma escritura mais recente, e se teria dado ainda ao incómodo de nela escrever que já não valia. E porque não guardaria o seu próprio rascunho?

E a que propósito se faria em 15xx uma cópia do rascunho se existia o original da Carta de Mayorazgo, e se existia a sua Autenticação notarial que tinha sido Confirmada pelos Reis Católicos?

Perante o desfiar de justificações ridículas e mesmo patéticas para defender a sua validade, talvez o aspecto mais relevante e demonstrativo de que este papel apresentado nos Pleitos sucessórios não passa de uma contrafacção seja a referência à oitava parte das terras, pois tal direito não consta nas Capitulaciones nem em nenhuma das Cartas de Mercê ou de Privilégio emitidos a favor de Don Christoval Colon antes de 22 de Fevereiro de 1498:

«… e assim o notifiquei ao Rei D. Fernando e à Rainha Isabel nossos senhores, e lhes agradou dar-me abastecimento e equipamento de gente e navios, e de me fazer seu Almirante… e que na terra firme e ilhas que eu achasse e descobrisse desde aí em diante, que destas terras eu fosse seu Vice-Rei e Governador …  e eu tivesse o décimo de tudo o que no dito Almirantado se achasse e tivesse e rendesse, e assim mesmo a oitava parte das terras e todas as outras coisas e o salário que é razão receber para os ofícios de Almirante, Vice-Rei e Governador, por todos os outros direitos pertencentes aos ditos ofícios, assim como tudo mais largamente se contém neste Privilégio e Capitulação que tenho de Suas Altezas….»

(in Cópia do rascunho do Mayorazgo de 1498)

Na verdade, para além da distribuição, posterior a 1498, de pequenas parcelas para os colonos se estabelecerem, incluindo para D. Diogo Colon, foi apenas em 1536 que a família teve direito a extensões de terras, quando D. Luís Colón y Toledo, neto do Almirante Don Christoval Colon, renunciou definitivamente a cargos e aos bens garantidos nas ‘Capitulaciones’ tendo recebido, em troca, as terras do Ducado de Verágua e da ilha da Jamaica, para além de outras contrapartidas.

A inclusão da expressão “oitava parte das terras” é pois demonstrativa de que esta alegada cópia do rascunho do Mayorazgo 1498 não foi composta em 1498 mas sim após 1536.

Por um lado porque não havia terras, e por outro lado porque, mesmo que as houvesse, constariam no Mayorazgo como um todo e não como ‘uma oitava parte’.

Apesar da sua longa e rebuscada defesa de que este papel será um documento probatório, o Prof. Thomaz não confia nisso em absoluto e escreve na pág. 684:

“Se nos embrenhámos nesta discussão, foi essencialmente para que o leitor tenha uma noção da complexidade dos problemas que por vezes um pequeno pormenor levanta ao historiador, pois no que toca à naturalidade de Colombo, ainda que se tenha por falso o testamento de 1498, ficam de pé todos os demais testemunhos, cujo número ultrapassa uma centena, o que nos parece largamente suficiente para que nos não quedem quaisquer dúvidas”.

Pois bem, comprovado que o anacronismo da inclusão ‘oitava parte das terras’ demonstra que o chamado testamento de 1498 é uma contrafacção do verdadeiro documento confirmado pelos Reis Católicos, comprovado que o chamado documento Assereto nada tem que garanta a sua fiabilidade, esses tais testemunhos que ultrapassam a centena mais não são do que opiniões e suposições baseadas em boatos, pelo que no que toca à naturalidade de Colombo, o Cristoforo tecelão, ninguém tem dúvidas sobre a sua naturalidade genovesa. Já quanto à naturalidade do Almirante Christoval Colon, nessas centenas de documentos nada é demonstrado.

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