'Prova' {84} - pág. 665:
Foi o
Colombo humilhado e ofendido de 1496 que, a 22 de Fevereiro de 1498, uma semana
antes de, finalmente, ser autorizado a zarpar para a sua terceira viagem,
redigiu o instrumento público de criação de um morgadio que constitui ao mesmo
tempo uma espécie de testamento, de que a plêiade dos sequazes de
Mascarenhas Barreto faz "o inimigo público número 1". É, de facto, de
todos os documentos conhecidos que o Almirante redigiu, o único em que se
refere, de forma clara e explícita, às suas origens genovesas.
ACC:
Tem toda a razão o Prof. Thomaz quando constata que o
Mayorazgo merece ser “o inimigo público número 1”, pois ele próprio não tem
grande confiança nesta prova, de forma que escreve (pág. 666):
“Compreende-se que cubistas, catalanistas et hoc genus omne se encarnicem, quase ao rubro, contra este documento, que, de facto, há que reconhecê-lo, é um dos mais problemáticos dos documentos colombinos, já que dele não nos chegaram senão cópias, feitas para mais sobre o que parece ser uma minuta ou versão prévia não corrigida, cujos passos anacrónicos não sabemos se continuavam ou não a constar do documento definitivo e oficial, de há muito desaparecido.”
Gasta seguidamente o Prof. Thomaz largas páginas a
tentar justificar algumas das falhas que têm sido apontadas ao documento, sem
no entanto contrariar outras mais relevantes e emaranhando-se, ou melhor,
tentando emaranhar o leitor, na teia que vai urdindo.
A propósito da data 1498 rasurada, com o “4” por cima
de um “5”, alega o Prof. Thomaz que como as cópias que se conhecem são já
datáveis do Séc. XVI, é natural que o escriba se tenha enganado e escreveu
15…., como no ano em que se estava.
Já não bastava a inacreditável explicação de se tratar
de cópia de uma minuta ou versão prévia, e pretende o Prof. Thomaz convencer
alguém que desaparecia o original autenticado, em pergaminho, na posse do
Almirante e que foi visto pelos Reis Católicos no acto da sua confirmação em
28/09/1501, desaparecia a matriz que deveria ter ficado registada no notário,
mas ficara a salvo a minuta ou versão prévia, ou seja um rascunho, para que
dele se pudessem fazer cópias, antes de também ele desaparecer. Mais grave do
que tentar convencer é aceitar que “isto” seja um documento probatório. Também
se poderia hoje mesmo apresentar uma cópia de um rascunho desaparecido alegando
uma qualquer barbaridade.
Ainda a propósito da data, este seria um exemplar
único ou raríssimo, pois em todos os documentos oficiais encontramos sempre o
ano escrito por extenso e não em numérico como vemos nesta bizarria genovista.
Já não bastava a gravidade da falta de exigência
científica e académica para apresentar como prova esta cópia de um rascunho,
vai o Prof. Thomaz mais longe e faz mais uma afirmação falsa, ou melhor, duas
afirmações falsas, mentindo ao leitor.
Se o Prof. Thomaz se der ao incómodo de consultar na
Raccolta os fac-similes dos documentos considerados autógrafos do Almirante
Colon, encontrará 19 documentos assinados com ‘sigla + XpoFERENS’, 4 documentos
apenas com ‘Xpoferens’, 5 documentos apenas com ‘El almirante’, e 2 documentos
com ‘sigla + El almirante’.
O testamento de 1506 confirmado pelo escrivão Pedro de Hinojedo não foi assinado com a sigla mas sim com ‘Xpoferens’, e esta aberração do mayorazgo de 1498 é o único em que surge ‘sigla + El almirante’, para além de uma pequena missiva datada de 22/10/1501 em que o Almirante Colon pede um empréstimo, em jeito de adiantamento, de cem castelhanos a um Muy virtuoso Señor, que é o tesoureiro Alonso de Morales.
Mas as inconsistências não se ficam por aqui no que
respeita à assinatura no mayorazgo. Mais à frente, na página 674, o Prof.
Thomaz volta a defender a sua validade:
“Embora
tenha mais tarde feito dois outros testamentos, que como é de regra anularam os
precedentes, Colombo não voltou aparentemente a alterar o que dispusera quanto
ao morgadio que criara pelo instrumento de 1498, de modo que, aprovado por
carta régia de 28.IX.1501 o morgadio continuou, sem dúvida, a reger-se por
ele…”
Sendo verdade que os Reis Católicos emitiram uma
Confirmação Real (Arq. Simancas, RGS, LEG,150109,21) onde consta que “Vimos uma escritura de mayorazgo que vós
D. Cristóbal Colón fizestes, escrita em pergaminho e assinada com o vosso nome
e autenticada por escrivães públicos, feita desta forma …”
No entanto, apenas é transcrita a parte da Autenticação
da carta de mayorazgo pelo escrivão Martin Rodriguez, não existindo, por ter
sido arrancada, a transcrição da própria Carta de mayorazgo, ou seja, o
documento em questão, pelo que não fica confirmado o seu teor.
Como é anormalmente banal em todas as situações que
envolvem documentos probatórios da identidade do Almirante, o original em
pergaminho da Autenticação da carta de mayorazgo, feita pelo escrivão Martin
Rodriguez, desapareceu, pelo que fica duplamente por confirmar o teor da Carta
de mayorazgo.
Mas há um pormenor muito importante na Confirmação
Real, onde os Reis indicam que a escritura estava assinada com o nome de D.
Cristóvão Colon. Ou seja, não estava assinada ‘El almirante’, como nos mostra o
documento espúrio que os genovistas e o Prof. Thomaz acenam como prova.
Insiste o Prof. Thomaz na validade daquele papel,
porque nele estará escrito, com letra que alegam ser do Almirante, “no valga esta escritura y valga outra que
yo hize el año 1502 …”.
Contra toda a lógica e o bom senso. Já não bastava
terem desaparecido a Carta de Mayorazgo original e verdadeira de 1498, assinada
por D. Cristóvão Colon, a Autenticação dessa Carta de Mayorazgo, feita pelo
escrivão Martin Rodriguez em pergaminho, a transcrição ou matriz da Carta de
Mayorzago no livro de registos do escrivão público, até a hipotética versão prévia
ou minuta da Carta, para depois terem desaparecido todos os documentos
referentes ao Testamento de 1502.
Mas … felizmente para os genovistas, salvou-se uma
cópia da hipotética minuta, feita já num ano 15xx, segundo o Prof. Thomaz, onde
o Almirante teve assim a possibilidade de deixar a sua marca, escrevendo que
não valia. Muito desprovido seria o Almirante, que deixava sumir os originais
mas guardava cuidadosamente uma cópia de um rascunho que nada valia porque nem
sequer estava assinada por si e nada valeria por haver uma escritura mais
recente, e se teria dado ainda ao incómodo de nela escrever que já não valia. E
porque não guardaria o seu próprio rascunho?
E a que propósito se faria em 15xx uma cópia do rascunho se existia o original da Carta de Mayorazgo, e se existia a sua Autenticação notarial que tinha sido Confirmada pelos Reis Católicos?
Perante o desfiar de justificações ridículas
e mesmo patéticas para defender a sua validade, talvez o aspecto mais relevante
e demonstrativo de que este papel apresentado nos Pleitos sucessórios não passa
de uma contrafacção seja a referência à oitava parte das terras, pois tal
direito não consta nas Capitulaciones nem em nenhuma das Cartas de Mercê ou de
Privilégio emitidos a favor de Don Christoval Colon antes de 22 de Fevereiro de
1498:
«… e assim o notifiquei ao Rei D.
Fernando e à Rainha Isabel nossos senhores, e lhes agradou dar-me abastecimento
e equipamento de gente e navios, e de me fazer seu Almirante… e que na terra
firme e ilhas que eu achasse e descobrisse desde aí em diante, que destas
terras eu fosse seu Vice-Rei e Governador …
e eu tivesse o décimo de tudo o que no dito Almirantado se achasse e
tivesse e rendesse, e assim mesmo a oitava
parte das terras e todas as outras coisas e o salário que é razão receber
para os ofícios de Almirante, Vice-Rei e Governador, por todos os outros
direitos pertencentes aos ditos ofícios, assim como tudo mais largamente se
contém neste Privilégio e Capitulação que tenho de Suas Altezas….»
(in Cópia do rascunho do Mayorazgo de 1498)
Na verdade, para além da
distribuição, posterior a 1498, de pequenas parcelas para os colonos se
estabelecerem, incluindo para D. Diogo Colon, foi apenas em 1536 que a família
teve direito a extensões de terras, quando D. Luís Colón y Toledo, neto do
Almirante Don Christoval Colon, renunciou definitivamente a cargos e aos bens
garantidos nas ‘Capitulaciones’ tendo recebido, em troca, as terras do Ducado
de Verágua e da ilha da Jamaica, para além de outras contrapartidas.
A inclusão da expressão “oitava parte das terras” é pois
demonstrativa de que esta alegada cópia do rascunho do Mayorazgo 1498 não foi
composta em 1498 mas sim após 1536.
Por um lado porque não havia
terras, e por outro lado porque, mesmo que as houvesse, constariam no Mayorazgo
como um todo e não como ‘uma oitava parte’.
Apesar da sua longa e
rebuscada defesa de que este papel será um documento probatório, o Prof. Thomaz
não confia nisso em absoluto e escreve na pág. 684:
“Se nos embrenhámos nesta discussão,
foi essencialmente para que o leitor tenha uma noção da complexidade dos problemas
que por vezes um pequeno pormenor levanta ao historiador, pois no que toca à
naturalidade de Colombo, ainda que se tenha por falso o testamento de 1498,
ficam de pé todos os demais testemunhos, cujo número ultrapassa uma centena, o
que nos parece largamente suficiente para que nos não quedem quaisquer dúvidas”.
Pois bem, comprovado que o
anacronismo da inclusão ‘oitava parte das terras’ demonstra que o chamado
testamento de 1498 é uma contrafacção do verdadeiro documento confirmado pelos
Reis Católicos, comprovado que o chamado documento Assereto nada tem que
garanta a sua fiabilidade, esses tais testemunhos que ultrapassam a centena
mais não são do que opiniões e suposições baseadas em boatos, pelo que no que
toca à naturalidade de Colombo, o Cristoforo tecelão, ninguém tem dúvidas sobre
a sua naturalidade genovesa. Já quanto à naturalidade do Almirante Christoval
Colon, nessas centenas de documentos nada é demonstrado.
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